Algumas regiões do país registram mais mortes por câncer do que por doenças cardiovasculares. Fatores como o envelhecimento da população e o estilo de vida estão por trás dessa mudança epidemiológica.
Historicamente, as doenças cardiovasculares sempre foram responsáveis pelo maior número de mortes no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Mas esse cenário está mudando lentamente.
Segundo uma pesquisa recente conduzida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e publicada na revista científica “Lancet Regional Health – Americas”, em algumas cidades do país, o número de pessoas que morrem por conta do câncer superou o de mortes por doenças cardiovasculares.
Em termos de comparação, enquanto 366 municípios registraram o câncer como a principal causa de morte em 2000, esse número subiu para 727 municípios em 2019. Um aumento de quase 100%.
O que está causando esse aumento de mortes por câncer?
Na opinião do dr. Leandro Rezende, docente do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) e coordenador do estudo, os principais motivos são, principalmente, o envelhecimento da população e o aumento da exposição a fatores de risco, como uso de álcool, tabagismo e sedentarismo.
“O que a gente vem notando também é que as mortes por doenças cardiovasculares vêm caindo nos últimos anos em todo o Brasil. O que explica essa transição de mudança epidemiológica é o melhor acesso a tratamentos e ações de prevenção primária para controle de diabetes e hipertensão, que são fatores de risco para doenças cardíacas”, diz.
Já o câncer, apesar de ter alguns fatores de risco parecidos, como tabagismo, uso de álcool e sedentarismo, não é uma doença única (há mais de 100 tipos de cânceres) e tem um período de latência maior, ou seja, demora mais para se manifestar.
Outro ponto importante é que, no que diz respeito ao tratamento, demanda “menos” do sistema de saúde tratar um quadro de arritmia do que realizar uma cirurgia para tratar um câncer colorretal, por exemplo. Então, o prognóstico dos tumores acaba sendo prejudicado por diagnósticos tardios e pela dificuldade de acesso a tratamentos que são mais caros.
“A mudança de hábitos também é importante, mas nesse sentido, para a gente observar a redução nas mortes de câncer de pulmão, por exemplo, vão ser necessários alguns anos, porque o cigarro tem um efeito acumulativo importante”, complementa o dr. Rezende.
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Desigualdade
Outro dado que chamou a atenção no estudo é em relação à existência de desigualdades regionais na mortalidade por câncer e doenças cardiovasculares no Brasil.
Regiões com maior desenvolvimento econômico, como o Sudeste, registraram uma queda mais acentuada nas mortes por doenças do coração, enquanto o câncer continua a crescer em todas as regiões, inclusive nas áreas com menos recursos e acesso a serviços de saúde de qualidade.
“O que a gente nota é que regiões com maior renda per capita tem um perfil melhor de saúde da população, porque o acesso a serviços de saúde é melhor, mais agilizado. Essa transição epidemiológica já está acontecendo em vários países de alta renda, enquanto países de média renda, como o Brasil, essa transição ainda não se completou. Somente algumas cidades já mudaram esse percentual, mas é questão de tempo”, enfoca o dr. Leandro.
Dessa maneira, com o câncer emergindo como a principal causa de mortalidade no Brasil, o especialista destaca a importância de serem criadas políticas de saúde pública focadas na prevenção e no tratamento do câncer e também na conscientização da população sobre a importância de mudar hábitos.
“É de extrema importância que o governo invista em campanhas de prevenção ao câncer que alcancem todas as camadas da população, além de garantir o acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento adequado”, finaliza o pesquisador.