Depressão de fim de ano: é normal ficar triste durante as festas?

Mulher em em casa com árvore de Natal olha pela janela triste, em sinal de depressão de fim de ano

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Publicado em: 30 de novembro de 2022

Revisado em: 14 de dezembro de 2022

Frustração, tristeza, ansiedade e medo são alguns dos sentimentos relatados na depressão de fim de ano. Entenda por que é comum se sentir deprimido no período das festas e saiba como lidar com essas emoções. 

 

O final do ano é também uma época para refletir, fazer um balanço sobre o que passou, avaliar quais metas foram ou não alcançadas e se preparar para um novo ciclo. Todo esse ritual pode provocar uma alta carga de estresse emocional, que pode desencadear crises ansiosas ou depressivas. 

Para quem já convive com algum transtorno mental, o período pode ser ainda mais delicado e, por isso, é importante se planejar e aprender a manejar a pressão dessa época do ano. 

Ricardo Chaves, psicólogo formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puc-Campinas) e pós-graduado em trabalho e saúde mental pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comenta:

“O final de um ciclo é também uma forma de avaliarmos a nossa evolução e o nosso progresso, o que muitas vezes pesa emocionalmente, por não termos dado conta de tantas metas, objetivos e desejos que alimentamos durante o ano. Como se não bastasse, as expectativas que temos sobre o futuro afetam diretamente nosso estado emocional. Se estamos otimistas, tendemos a experimentar no presente uma sensação de confiança, mas se estamos pessimistas, passamos a sentir medo por não conseguirmos controlar as demandas do futuro próximo”.

 

Depressão sazonal

Nos países localizados no Hemisfério Norte, como os Estados Unidos, a melancolia que acompanha o período do Natal e do Ano Novo pode vir junto da depressão sazonal, que é um tipo específico de depressão que ocorre apenas em algumas épocas do ano, geralmente no inverno. O próprio clima frio, de céu cinza (o que diminui nossa exposição à luz do sol) afeta diretamente o humor. 

Aqui no Brasil, como as festas ocorrem em pleno verão, não temos esse fenômeno. Dessa forma, é importante não confundir a tristeza e a frustração dessa época com a depressão sazonal, pois apesar desses sentimentos aflorarem em um momento sazonal específico, eles estão ligados a eventos, e não ao recorte de tempo em si.

É importante, também, avaliar se a tristeza é pontual ou se é um agravamento de uma tristeza mais latente, que já estava por ali, mas se exacerbou por conta da pressão das festas. Se for o segundo caso, conversar com um profissional de saúde mental pode ajudar a trabalhar essas emoções. É o que pontua o psiquiatra Marcel Fulvio Padula Lamas, coordenador da Psiquiatria do Hospital Albert Sabin, em São Paulo.

“Essas datas comemorativas geralmente são boas, mas para alguns pacientes elas podem ser péssimas, caóticas. Para esses pacientes a gente tem que ter uma atenção maior do quanto essa época pode ser prejudicial, do quanto a pessoa pode ficar mais depressiva e ter um risco aumentado de suicídio”, explica.

Para os quadros depressivos mais leves, o psiquiatra destaca que, muitas vezes, a terapia é suficiente para ajudar a pessoa a entender de onde vêm esses sentimentos e aprender a elaborar estratégias para lidar com eles. Agora, quando a pessoa já tem algum transtorno mental e apresenta um quadro moderado ou grave, pode ser interessante discutir também o uso de alguma medicação. Isso deve ser avaliado pelo profissional de saúde, em parceria com o paciente.

 

Política

Nos últimos anos, o clima de polarização política causou fissuras em grupos de amigos, no trabalho e na família. Por isso, é comum também que haja uma tensão com a chegada das festas e a possibilidade de se reunir com familiares que tenham um posicionamento muito diferente do seu. Como se preparar emocionalmente para esses eventos? 

De acordo com Ricardo Chaves, é preciso levar em consideração a maturidade emocional dos envolvidos. “Existe um ditado popular que diz que se um não quer, dois não brigam. É possível medir nossa capacidade de tolerar esse tipo de desconforto analisando episódios de conflitos anteriores. Mas é preciso ser honesto nessa autoavaliação.”

O profissional também sugere estabelecer combinados entre os convidados para garantir um evento mais tranquilo, como evitar o assunto política ou se comprometer a focar nos pontos que unem o grupo, ao invés dos que o separam. 

Veja também: Como o estresse afeta a pele?

 

Tudo bem não gostar de fim de ano

A TV, a internet, as propagandas, os shoppings… tudo passa a mesma mensagem: fim de ano é época de comemorar, época de felicidade. Por esse motivo, quem não curte o período pode se sentir incomodado e deslocado por não entrar no clima. Mas saiba que não há nada de errado em não gostar das celebrações, assim como em não se render às festividades ou não fazer grandes planos para os feriados do momento. 

“Se a pessoa não gosta, se fica até deprimida nesse período, é de se questionar até que ponto os rituais realmente têm que ser seguidos. Existem compromissos que acabam sendo impostos, mas se não houver algo benéfico em realizá-los, se não há uma motivação real, por que cumpri-los?”, reflete o psiquiatra. 

 

Excesso de trabalho

Além da questão emocional relacionada à tristeza e à ansiedade, há também o estresse pelo aumento da carga de trabalho para algumas profissões. Quem trabalha em comércio, por exemplo, pode ter que lidar com um aumento na carga horária, maior fluxo de clientes, etc. E aqueles que param para o recesso, também podem se ver diante da situação estressante de correr para adiantar o trabalho e evitar que as coisas fiquem pendentes. 

Para o psicólogo e especialista em trabalho e saúde mental, o primeiro passo para evitar uma situação de burnout durante o fim de ano é desligar o automático e evitar se dessensibilizar com as tarefas realizadas no dia a dia no ambiente do trabalho. 

“Esse processo de alienação alimenta conflitos intrapessoais e interpessoais e suga a energia de realização. Assim, essa desconexão vai se transformando em um fator de risco para o adoecimento psíquico, podendo desencadear uma crise de burnout.”

Além disso, uma dica simples pode ajudar a não perder o controle da situação e se sobrecarregar, como desenhar um calendário e anotar tudo o que deve ser entregue e produzido ainda este ano. Com o mesmo comprometimento, planeje pausas para momentos de lazer como sair um pouco, ouvir música, meditar, etc. 

“Planeje na sua agenda, pois essas coisas não podem ser feitas apenas quando lhe sobrar tempo. Possivelmente você se autossabotará, argumentando consigo mesma que existe algo mais importante para ser feito, e desse jeito, nunca irá ter momentos prazerosos com foco em você”, orienta. 

 

Curta com moderação

Depois de um ano cheio e estressante, é comum bater a vontade de extravasar nas festas de fim de ano. Mas resistir a essa tentação é importante, pois a culpa, o arrependimento e o mal-estar caminham de mãos dadas com o exagero. A diversão não deve ser associada ao abuso de álcool ou de comida. 

O profissional em psicologia chama a atenção para o fato de que, em geral, o exagero em uma área tem o objetivo de encobrir alguma falta. É como se a pessoa exagerasse em algo para compensar a falha de outra coisa. 

“Exagerar na comida, na bebida, no trabalho, e até em coisas que parecem positivas como ir para a academia, no cuidado com o outro ou no cuidado consigo mesmo pode parecer legítimo, embasado em argumentos científicos, estatísticos, pessoais, etc . Mas, ainda assim, não é saudável do ponto de vista da saúde integral”, explica ele.

“O exagero muitas vezes está disfarçado de foco e intensidade, mas, na verdade, é apenas a ideia de que o que lhe falta é o que o fará feliz. Isso é uma mentira. O que o fará feliz é aprender a viver de forma plena, tomando consciência dos seus mais profundos desejos, vontades e necessidades, integrando-os em um movimento saudável para você”, complementa. 

Então, busque se conhecer para estabelecer limites saudáveis e aproveitar as festividades sem colocar a sua integridade ou a integridade dos outros em risco. 

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Rede de apoio

É importante estar em contato com a sua rede de apoio nessa época do ano. Isso porque esse é um período de emoções muito intensas por si só, sejam elas positivas ou mais conflituosas. Ter com quem compartilhá-las é fundamental. 

O psicólogo compartilhou três pontos que podem ser úteis para ser parte da rede de apoio de alguém:

  1. Seja presente sem ser invasivo: Ser presente não significa ficar a todo momento perguntando para o outro se ele está bem. Ser presente é se importar genuinamente com o outro, buscando oportunidades para fortalecer o vínculo que você já tem, e também permitir que a pessoa desenvolva sua própria autonomia e liberdade de fazer suas próprias escolhas.
  2. Esteja aberto para aprender: Temos uma tendência de acreditar que a pessoa com algum transtorno psíquico precisa da nossa ajuda, e assim construímos uma relação de aprendizado unilateral. Estar aberto para aprender com essa pessoa, inclusive sobre o momento emocional dela, é fundamental para desconstruirmos nossos preconceitos sobre essas situações.
  3. Reconheça seus limites: Saiba discernir até onde você pode ajudar e quando é necessário pedir apoio de especialistas e profissionais que acompanham a pessoa. Uma rede de apoio articulada por um profissional capacitado consegue minimizar os danos e prejuízos emocionais, bem como elaborar estratégias de proteção, atenuando o sofrimento.

Os serviços de saúde mental continuam disponíveis durante as festividades. Se você se sentir mal ou vulnerável, converse com alguém da sua confiança e, se necessário, não sinta vergonha de procurar um profissional de saúde mental. O Centro de Valorização da Vida (CVV) funciona 24 horas por telefone (basta discar 188) e no seguinte horário por chat: Dom – 17h à 01h, Seg a Qui – 09h à 01h, Sex – 15h às 23h, Sáb – 16h à 01h.

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