O termo burnout, popularizado recentemente, ganha nova dimensão com o surgimento do burnon, também relacionado à exaustão no trabalho.
Trabalhar até “estourar” ou se manter “queimando” constantemente? Essas figuras de linguagem se referem a dois termos relacionados a uma relação nada saudável com o trabalho. Enquanto a síndrome de burnout, que em tradução livre do inglês significa “combustão completa”, caracteriza-se por um esgotamento físico e emocional resultante de situações de trabalho excessivamente estressantes e prolongadas, o burnon, que pode ser livremente traduzido como “queimar”, se refere a um estado de hiper-engajamento no trabalho, em que a dedicação excessiva e a incapacidade de se desconectar das responsabilidades profissionais levam ao desgaste físico e mental. Ambas resultam de estresse crônico, mas diferem em suas manifestações e consequências.
Síndrome de burnout
Segundo Arthur Guerra, psiquiatra do Núcleo de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e presidente do Conselho Diretor do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPer-HC-FMUSP), “o burnout é uma síndrome, ou seja, um conjunto de sinais e sintomas relacionados ao estresse crônico no contexto profissional. Dentre as principais características estão a exaustão extrema, esgotamento físico, ansiedade, depressão, alteração de humor, negatividade e falta de interesse em realizar as atividades”.
Condição ocupacional reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), esse estado de exaustão é frequentemente associado a profissões que exigem intensa interação humana, como as áreas da saúde, educação e assistência social, mas não se limitam a elas.
Seus principais sintomas são:
- Exaustão emocional: sensação de desgaste extremo e falta de energia;
- Despersonalização: atitudes cínicas e distantes em relação ao trabalho e às pessoas envolvidas;
- Redução da realização pessoal: sentimentos de incompetência e falta de realização no trabalho;
- Dor de cabeça frequente;
- Alteração no apetite;
- Dificuldade de concentração.
Os impactos do burnout não são apenas emocionais, mas também físicos. Estudos mostram alterações no sistema nervoso autônomo, com aumento da ativação simpática, uma resposta natural do corpo ao estresse que o prepara para lutar ou fugir; e redução da atividade parassimpática, que dificulta o descanso, relaxamento e a recuperação do corpo. Psicopatologicamente, o burnout pode levar à ansiedade, depressão, distúrbios do sono e até mesmo a pensamentos suicidas.
Segundo o dr. Guerra, esses são os principais impactos:
- Tristeza persistente, perda de interesse, irritabilidade e preocupação excessiva;
- Exaustão emocional: sensação de esgotamento emocional;
- Dificuldade de concentração, foco e atenção;
- Diminuição da memória: dificuldade em lembrar informações recentes;
- Isolamento social: tendência a se afastar de amigos, família e colegas;
- Diminuição da produtividade: redução na eficiência e eficácia no trabalho.
Veja também: Burnout: como reconhecer os sinais? Animação #40
Fenômeno de burnon
Enquanto o burnout é amplamente reconhecido, a síndrome de burnon é um conceito mais recente e menos estudado. O dr. Guerra explica que “o termo burnon tem sido utilizado popularmente para situações em que há dedicação excessiva ou obsessão pelo trabalho, resultando até mesmo em rompimento de relações pessoais e atividades de lazer para se dedicar ao ambiente profissional, refletindo em sintomas de ansiedade e a dificuldade de impor limites de tempo ou quantidade de trabalho, já que a pessoa acredita que todas as suas atividades são insuficientes”.
Natália Reis Morandi, psicóloga clínica e hospitalar da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, completa: “O burnon envolve uma paixão excessiva pelo trabalho, envolvimento intenso em atividades profissionais, uma busca por sucesso e realização profissional e dificuldade de estabelecer limites e se interessar por outras atividades que geram bem-estar físico e mental. A pessoa busca excelência e bons resultados a maior parte do tempo e tem a sensação que sua entrega não é boa ou satisfatória. Normalmente, possui objetivos profissionais altos que podem também se associar a altas exigências da empresa. E, mesmo cansada, ela sente a necessidade de manter sua produtividade profissional e mascara os sintomas de fadiga, cansaço, ou reações emocionais que podem ser evidenciadas”.
Os principais sinais são:
- Hiperatividade no trabalho: incapacidade de relaxar e constante sensação de que deveria estar trabalhando;
- Perfeccionismo: exigências extremamente altas para si mesmo, resultando em constante frustração e autocrítica;
- Dificuldade em se desconectar: pensamentos constantes sobre o trabalho, mesmo fora do ambiente profissional;
- Perda de criatividade;
- Dificuldade em dizer ‘não’ com receio de prejudicar sua imagem profissional;
- Embora a pessoa permaneça eficiente, ela se sente desmotivada e descontente, sintomas mais sutis que se confundem com dedicação e comprometimento.
O burnon pode levar a um estado de alerta constante, resultando em níveis elevados de cortisol, o hormônio do estresse. Isso pode causar problemas cardiovasculares, como hipertensão, além de impactar negativamente o sistema imunológico. Psicologicamente, o burnon pode se manifestar como ansiedade crônica, insônia e, eventualmente, burnout devido à sobrecarga contínua. Para o dr. Guerra, os principais impactos são:
- Exaustão emocional crônica: sensação persistente de cansaço emocional;
- Comprometimento cognitivo persistente: redução na capacidade de foco e clareza mental;
- Funcionamento em “piloto automático”: realização de tarefas de forma automática, podendo levar a erros e redução na qualidade do trabalho;
- Negligência de necessidades pessoais: priorização do trabalho em detrimento da saúde física e mental.
Diferenças cruciais entre burnout e burnon
A principal diferença entre burnout e burnon reside na causa e na manifestação do estresse. O burnout é marcado por exaustão e desapego, resultando em baixa produtividade e desmotivação. O burnon, por outro lado, é caracterizado por um excesso de zelo e envolvimento, levando a uma constante sobrecarga que eventualmente também pode culminar em esgotamento.
“O burnout apresenta sintomas relevantes de esgotamento mental e que impactam o funcionamento cotidiano e, portanto, geralmente resultam em afastamento médico. É um quadro clínico que é reconhecido e diagnosticado. Já o burnon não é uma síndrome reconhecida cientificamente, apenas uma expressão utilizada para quadros em que a pessoa apresenta sintomas de cansaço, mas tentam escondê-los, porque acreditam que o trabalho não pode parar”, diz o dr. Guerra.
Ambas as condições representam respostas inadequadas ao estresse no ambiente de trabalho. É essencial que empresas e profissionais estejam atentos a esses sinais, promovendo um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal, oferecendo apoio psicológico e incentivando práticas que reduzam o estresse crônico. Como diz Morandi, “em ambos os casos, também é importante um ambiente de trabalho que valorize a saúde mental do indivíduo e estimule como ele pode administrar o estresse e as exigências. Profissionais de saúde mental podem contribuir significativamente com o tratamento de ambos os casos”.
Reconhecer e abordar essas condições é crucial para o bem-estar dos trabalhadores e para a produtividade sustentável das organizações.
Veja também: Esgotamento mental nem sempre é burnout