O trabalho das enfermeiras vai além do que você imagina

Drauzio Varella

Drauzio Varella é médico cancerologista e escritor. Foi um dos pioneiros no tratamento da aids no Brasil. Entre seus livros de maior sucesso estão Estação Carandiru, Por um Fio e O Médico Doente.

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São as enfermeiras quem dão o padrão de atendimento em saúde ao paciente.

 

Recentemente, saiu uma lei aumentando o salário que os hospitais devem pagar à equipe de enfermagem. O aumento é justo, já que as enfermeiras, em sua maioria mulheres, trabalham em vários lugares para conseguir se sustentar. São elas, inclusive, que estão ao lado dos pacientes a todo o tempo, enquanto os médicos oferecem um apoio secundário.

Para remunerá-las como merecem, é preciso criar um planejamento de recursos. Veja o que diz o dr. Drauzio.

Não pode assistir agora? Acompanhe a transcrição a seguir:

Olá, hoje eu quero falar sobre as enfermeiras. Eu tenho o maior respeito por essa profissão. As enfermeiras são as que prestam os cuidados de saúde. Elas têm vários auxiliares: têm as fisioterapeutas, que ajudam; têm as fonoaudiólogas e têm os médicos, que ajudam. O papel do médico no sistema de saúde é secundário. Quem dá o padrão de atendimento é a enfermeira. É ela que está do lado do doente o tempo todo.

Eu sou médico, passo de manhã, vejo o doente, examino e prescrevo, em 15 minutos, eu vou embora e vou voltar, na melhor das hipóteses, à noite ou, então, no dia seguinte. Quem vai ficar ali? Quem é que está ao lado do doente? Quem é que está quando o doente aperta a campainha? Quem é que aparece à porta? Não é o médico, é a enfermeira ou o auxiliar de enfermagem, é o corpo de enfermagem. Quem que administra as drogas que eu prescrevo? Quem vai dar o antibiótico na hora certinha? Quem vai amparar o doente incapacitado pra chegar ao banheiro? Quem vai apertar a mão dele durante a noite num momento em que ele se desespera? Quem é que vai trocar a roupa do doente que perdeu o controle dos esfíncteres? Tudo isso quem faz é a enfermagem.

Eu digo enfermeiras, no feminino, porque mais de 90% do pessoal de enfermagem é constituído por mulheres. As mulheres enfermeiras, com o salário que ganham, normalmente trabalham em dois empregos, às vezes, em três empregos, e levam uma vida muito dura porque, além disso, elas são responsáveis pela casa e pelos filhos.

Os salários são muito baixos. É uma vergonha o que se paga no Brasil pra uma enfermeira formada, que estudou quatro anos, ou pra uma técnica de enfermagem ou pra uma auxiliar de enfermagem.

Saiu uma lei agora, aumentando o salário mínimo, o que os hospitais e serviços de saúde devem pagar no mínimo pra uma enfermeira. É justo isso? Justíssimo, justíssimo. O problema é que no Brasil essas coisas são feitas sem planejamento. Vem uma lei e diz: “Tem que pagar tanto”. Aí, vêm os hospitais beneficentes, por exemplo, as santas casas etc. e dizem: “Olha, se a gente aumentar pra esse valor, de onde virão os fundos?” É isso que tem que ser definido. Uma lei é importante existir, mas ela sozinha não basta porque ela não cria os fundos que são necessários. Eu tenho um hospital que tem, aí, 50 enfermeiras, 100 auxiliares de enfermagem técnica. Como é que eles vão fazer se não tem recursos? Então, isso tem que ser estudado antes, verificado, ver de onde vêm essas verbas necessárias pra enfrentar esses custos todos.

Isso não quer dizer que nós devemos considerar que as enfermeiras ganham muito bem. “Não tá tudo bem, a gente não pode pagar mais”. Não, tem que pagar mais porque essas profissionais são absolutamente essenciais. O que precisa fazer é um planejamento e destinar recursos pra isso, e rapidamente. Isso não pode esperar porque são pessoas muito sacrificadas. Nós vimos agora na epidemia da Covid, né, as pessoas aplaudiam da janela o pessoal da enfermagem. Bonito, né? Eu também acho bonito, mas não basta. Nós temos que dar condições de vida melhores pra essas pessoas, que se dedicam a cuidar da saúde dos outros.

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