O médico de família e comunidade atende pacientes de todas as idades e é a porta de entrada da população ao sistema de saúde. Conheça a especialidade.
Quando se fala em médico de família e comunidade, é comum pensarmos naquele profissional que vai até a casa das pessoas para saber como está a saúde dos familiares. A imagem faz sentido: por atuar principalmente na atenção primária, esse especialista costuma ter uma relação mais próxima com os moradores locais.
A atenção à saúde se divide em três níveis: primário, o primeiro contato do usuário com o Sistema Único de Saúde (SUS); secundário, composto pelos serviços especializados, como cardiologia, endocrinologia, etc.; e terciário, que fornece serviços de alta complexidade em hospitais, como tratamentos oncológicos ou que requeiram equipamentos avançados, por exemplo.
Considerando que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma das dez principais ameaças à saúde global é a falta de acesso à atenção primária, a medicina de família e comunidade é extremamente importante para garantir o bem-estar da população. Ainda assim, essa é uma especialidade recente que se fortaleceu apenas em 2002, com alterações no programa Estratégia Saúde da Família.
Mas, afinal, para que serve um médico de família? Ele pode tratar todas as doenças? Até onde vai o seu alcance na comunidade? A dra. Ana Laura Batista, médica de família e comunidade no Hospital Sírio Libanês e no consultório MEVS, explica.
O que faz um médico de família e comunidade?
Esse especialista é o responsável por acompanhar pacientes de todas as idades e gêneros do início ao fim da vida. Na prática, a definição abrange crianças, jovens, adultos, idosos e até puérperas que procuram o sistema de saúde com qualquer tipo de queixa.
“A atenção primária são os serviços que atendem a toda a população, então não é preciso ter uma doença específica. Em qualquer situação clínica, a pessoa pode nos procurar. A medicina de família é como se fosse a porta de entrada [para o sistema de saúde]”, destaca a dra. Ana Laura.
Alguns dos locais em que é possível encontrar esse especialista são:
- Unidades de Atenção Primária à Saúde;
- Consultórios privados;
- Serviços de emergência;
- Hospitais;
- Serviços de Medicina Paliativa;
- E equipes de população de rua.
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Qual é a formação de um médico de família e comunidade?
Assim como as demais especialidades, a medicina de família e comunidade também exige longos anos de estudo. Inicialmente, o profissional completa os seis anos da graduação em Medicina e, depois, realiza uma residência de dois anos em medicina de família e comunidade. Ao longo desse período, ele irá se aprofundar em temas como saúde coletiva, medicina preventiva e epidemiologia.
Por ser uma especialidade recente, apenas 4% dos médicos brasileiros ocupam as vagas de residência na área. No entanto, de acordo com dados de 2020 da Demografia Médica no Brasil, essa foi a especialidade que mais cresceu na última década. Em 2010, eram 181 residentes e, em 2019, o número saltou para 1.031 – um aumento de 469,6% ante a média de 81,4% nos demais cursos.
É importante lembrar que o médico de família é diferente do clínico geral. Este precisa fazer a residência em clínica médica e atua apenas com pacientes adultos, sem englobar questões pediátricas ou ligadas à ginecologia e obstetrícia. Também difere do generalista, que é todo profissional formado na graduação em Medicina que ainda não fez nenhuma especialização.
O que atende um médico de família e comunidade?
De acordo com o Ministério da Saúde, aproximadamente 85% dos problemas de saúde podem ser resolvidos por um médico de família ainda na atenção primária. Entre a longa lista, a dra. Ana Laura elenca os principais:
- Consultas de rotina;
- Check-ups;
- Queixas ginecológicas;
- Doenças crônicas;
- Questões de saúde mental;
- Uso de substâncias químicas;
- Dores crônicas;
- Falta de ar;
- Taquicardia.
Já quando o problema exige cirurgia, tratamento oncológico ou se revela uma doença rara, é preciso encaminhar para outros especialistas. Na atenção secundária, o paciente é conduzido a especialidades focais, como cardiologia, pneumologia ou infectologia. A atenção terciária ocorre quando ele precisa de internação hospitalar.
“E mesmo se eu encaminhar a pessoa, ela continua passando comigo. Não deixa o médico de família, somos a referência dela. Pode até ter alta do especialista, mas, com a gente, sempre vai seguir”, pontua a dra. Ana Laura.
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Qual é o perfil de um bom médico de família?
Esse profissional atende de forma integral e olha não apenas para a doença, mas para a pessoa como um todo. A proximidade com a comunidade faz com que o especialista tenha que considerar o contexto biológico, social, familiar e psicológico do paciente, muitas vezes ampliando o olhar para aqueles que convivem com ele.
Esse trabalho não é fácil e, na opinião da dra. Ana Laura, exige algumas habilidades:
- Saber escutar ativamente: “A gente tem um papel muito importante em fazer a pessoa se sentir acolhida. Nós não apenas ouvimos, mas também a direcionamos para achar uma solução”;
- Ter muita disposição: “Como a gente não sabe qual queixa a pessoa vai nos trazer, a gente tem que estar disposto. Pode ter a ver com um problema no trabalho, um problema familiar ou mesmo social. Tem que ter uma disposição mental de entrar naquele assunto”;
- Trabalhar em equipe: “A gente trabalha em equipe multidisciplinar, com a presença de enfermeiros, técnicos de enfermagem, nutricionistas, fisioterapeutas, entre outros. Para conseguir resolver tudo, eu conto com a ajuda de outros profissionais”;
- Compartilhar a decisão com o paciente: “O paciente tem a opinião, o desejo e a crença dele. Se eu não envolvê-lo na decisão terapêutica, ele pode não seguir o tratamento proposto”.
Qual é a importância de um médico de família e comunidade?
Justamente por esse contato mais próximo com a comunidade, o médico de família atende pessoas em diversas situações sociais, culturais e econômicas. Para se ter uma ideia, essa é a única especialidade em que o número de profissionais em alguns estados do Norte e do Nordeste se assemelha ao das concentrações presentes no Sul e no Sudeste.
Por isso, ele não foca apenas na prescrição de medicamentos, mas nas raízes do que pode estar causando o problema em questão. Dessa forma, é capaz de resolver as queixas logo no início, reduzindo o encaminhamento a hospitais e evitando que os pacientes tenham de fazer exames ou intervenções desnecessárias.
Por meio desse laço de confiança, o especialista também aproveita para prevenir doenças, trabalhar a redução de danos e orientar a população sobre medidas de saúde pública.
“Uma vez que a gente já sabe quais doenças causam mais mortes no mundo, a gente precisa preveni-las. E o médico da família atua nisso. Hoje, a hipertensão arterial é uma das principais causas de infarto. Se a gente consegue controlar a pressão do paciente e evitar o desenvolvimento da doença, no final, evitamos um gasto público e reduzimos a causa de mortalidade”, exemplifica a dra. Ana Laura.
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