O perfil de quem procura ajuda para parar de apostar mudou, e o tratamento também. Antes, quem entrava no círculo vicioso dos jogos de azar eram pessoas mais velhas; hoje, são jovens que acabam abandonando a faculdade ou deixando de investir no futuro ou, ainda, começam a vida profissional já endividados.
Inicialmente, por causa das bets e dos cassinos online, a demanda foi tanta que não havia serviços preparados ou em quantidade suficiente para atender a todos. Agora, o cenário é outro: mesmo que incipientes, já existem iniciativas eficazes de tratamento para o transtorno do jogo.
Psicoterapia é o primeiro passo
“Apostar uma vez ou outra pode ser diversão. Mas quando se torna frequente e compulsivo, é um problema que geralmente a pessoa só percebe quando já está muito endividada e sem saída. Ela entra em um pensamento mágico: pede dinheiro emprestado acreditando que vai ganhar para pagar, mas não consegue, e a situação só escala”, explicou Maria Paula Magalhães, supervisora de psicoterapia de orientação psicodinâmica no Programa Ambulatorial do Transtorno do Jogo (PRO-Amjo) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq/HCFMUSP), durante o Congresso Brain, Behavior and Emotions 2025. O evento, realizado este ano em Fortaleza, reuniu diversos especialistas em saúde mental e neurociências.
Nesse cenário, a psicoterapia age de forma a desmistificar os pensamentos irreais desenvolvidos pelo jogador, como “se eu usar essa roupa, vou ter sorte” ou “eu estudei a probabilidade e sei que esse time vai ganhar”. Ela é feita, na maioria das vezes, em grupo.
Na terapia cognitivo-comportamental, a TCC, o objetivo é criar estratégias cognitivas e comportamentais para lidar com a vontade de jogar. Por exemplo:
- Instalar aplicativos que bloqueiam os sites de aposta;
- Em dias de jogo de futebol, assistir sem celular ou até evitar de assistir;
- Conversar com pessoas próximas para que elas apoiem e não provoquem ainda mais gatilhos;
- Identificar sentimentos que levam a apostar, como irritação, frustração e tristeza, e construir alternativas para lidar com eles.
A terapia psicodinâmica, por sua vez, busca compreender o que leva a pessoa a apostar.
“É um outro jeito de chegar ao mesmo lugar, aprofundando mais: exploramos sonhos, histórias pessoais e conteúdos inconscientes que tornam a pessoa vulnerável. Enquanto a TCC é objetiva e foca em resolver o problema de forma prática, a psicodinâmica procura compreender por que a pessoa se envolveu com o jogo e como isso se conecta à sua vida. Não são abordagens excludentes. Ambas têm o mesmo objetivo: ajudar a pessoa a parar de jogar e a entender sua própria história”, diferenciou a psicóloga.
A família pode e deve estar presente nesse processo. De acordo com a especialista, os pacientes que têm diálogo e apoio dentro de casa conseguem sair mais rápido do transtorno. A dica é compreender o problema como uma patologia, mas também impor limites — ser firme, mas com afeto.
Existe algum medicamento para o transtorno do jogo?
Além da psicoterapia, há também opções medicamentosas. A princípio, elas estão relacionadas ao tratamento de comorbidades associadas, como antidepressivos para a depressão; estabilizadores de humor para o transtorno bipolar; e remédios específicos para o abuso de álcool, por exemplo. Tudo isso ajuda no sucesso do tratamento do próprio transtorno do jogo.
No entanto, existe um medicamento amplamente estudado para quem sofre apenas com esse problema. A naltrexona é um fármaco antagonista opioide, também usado no tratamento de algumas dependências químicas. Ela reduz o prazer ao consumir certas substâncias ou reproduzir determinados comportamentos, como apostar.
“Os estudos mostraram que a naltrexona pode reduzir a fissura, ou seja, aquele impulso intenso e inicial pelo jogo. Também pode diminuir a frequência dos episódios e o tempo dedicado à atividade”, explicou Thiago Roza, professor adjunto do Departamento de Medicina Forense e Psiquiatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também durante o Brain 2025.
Alguns pacientes respondem bem à naltrexona; outros, nem tanto. Por isso, o ideal é uma abordagem combinada, com psicoterapia e acompanhamento clínico.
“Casos leves podem não exigir o uso de medicamentos. Mas a farmacoterapia é ideal para pacientes desmotivados, porque basta tomar o remédio uma vez por dia. Isso pode ajudar no início do tratamento e fazer toda a diferença”, destacou o psiquiatra.
Ainda que já existam ensaios clínicos e metanálises que demonstrem o benefício do medicamento no transtorno do jogo, a naltrexona ainda não está aprovada em bula para esse uso.
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Outros hábitos que podem ajudar
Mudanças simples também podem ajudar a combater o transtorno do jogo. São elas:
- Praticar atividades que promovem o relaxamento, como meditação, mindfulness, atenção plena, tai chi, entre outras. Elas ajudam a amenizar a ansiedade e o imediatismo do jogo;
- Praticar atividades físicas com frequência. Elas melhoram a depressão, a ansiedade e até reduzem a fissura. Quando a vontade de jogar aparece, a pessoa pode correr, caminhar ou fazer algo que ocupe o corpo e a mente;
- Conversar com pessoas de confiança. Não precisa ser sobre o transtorno do jogo, apenas falar com alguém já reduz a solidão que o jogo aprofunda.
“O jogo tem uma dimensão de culpa e castigo: o jogador sente raiva de perder, aposta de novo para recuperar, se endivida, sente vergonha e se isola. A ideia é ampliar o repertório dessas pessoas, que vai ficando cada vez mais estreito. A aposta vira a única fonte de prazer. É preciso redescobrir interesses e atividades que tragam satisfação”, ressaltou Maria.
Em São Paulo, quem sofre com o transtorno do jogo pode encontrar ajuda no PRO-AMJO ou nos Ambulatórios de Dependências do Comportamento do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Proad-Unifesp). No restante do país, é possível entrar em contato com grupos de apoio, como os Jogadores Anônimos (JA), bem como com as Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Centros de Atenção Psicossocial (Caps) mais próximos.
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