Pessoas não brancas e LGBTQIAP+ são as mais afetadas pela condição, que provoca grande sofrimento e insegurança constante. Entenda.
Sentir-se inseguro faz parte da natureza humana. Em uma realidade na qual somos cobrados o tempo inteiro para sermos os melhores em tudo, há pouco espaço para erros e deslizes. Mas e quando a insegurança se torna constante? E, pior, não condiz com a realidade?
Essa é a sensação vivida por quem lida com a síndrome do impostor, nome dado para quando uma pessoa bem-sucedida acredita ser uma fraude e credita seu sucesso e avanços à sorte e outras coincidências.
O psicólogo Filipe Colombini ajuda a entender quando a insegurança ultrapassa o limite esperado.
“Insegurança todo mundo tem, lidar com isso faz parte. Na síndrome do impostor, a diferença é o fato de que a pessoa se comporta tanto sob o controle desse julgamento, que ela não tem habilidades de aceitação e compreensão, além de um déficit muito grande de percepção social e autopercepção. Ela entra em um processo de fusão dos pensamentos e sentimentos, ela não consegue diferenciar o que é ela e o que são essas crenças.”
Apesar de não ser classificada como um transtorno mental pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a síndrome do impostor é um fenômeno presente nas salas de terapia mundo afora, e tem um perfil de mais afetados: grupos socialmente vulneráveis, como pessoas não brancas e a comunidade LGBTQIAP+.
“De fato, essas pessoas estão em constante exposição e vivem uma vulnerabilidade social, identitária. Elas precisam sempre se desempenhar mais para superar o estigma, o preconceito velado. Nisso, é comum que a pessoa misture o que a sociedade espera dela e o que ela sente e pensa a respeito de si mesmo. Não é apenas um fenômeno psíquico, mas também social”, explica Colombini.
O ambiente acadêmico e ambientes de trabalho muito competitivos também podem ser um gatilho para o desenvolvimento dos sintomas. Em 2019, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais publicou um artigo sobre o tema, destacando a preocupação crescente dos pesquisadores com o tema nos últimos anos. O material chama a atenção para a percepção do fenômeno entre os estudantes de medicina que eram atendidos pelo Núcleo de Apoio Psicopedagógico aos Estudantes da Unidade (Napem).
“Em termos não formais, todos nós que atendemos no Napem, sejam os psicólogos ou psiquiatras, temos percebido isso. Notamos um aumento significativo no percentual de indivíduos, principalmente no ciclo básico, que se sentem inseguros e desmerecedores de ocupar um lugar no curso de Medicina da UFMG”, conta o psicólogo Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis, professor convidado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG.
Sintomas
O principal sintoma é o medo de ser “desmascarado”. Pela insegurança na própria capacidade, quem tem a síndrome do impostor acredita ser uma fraude sempre prestes a ser descoberta. Isso desencadeia outros sintomas, como ansiedade e angústia. Além disso, o medo de se colocar em situações nas quais a pessoa acredita poder ser descoberta começa a ditar suas escolhas, o que resulta em um ciclo de autossabotagem e arrisca a perda de oportunidades.
“Raiva, esgotamento, tristeza são sentimentos comuns, assim como um estado estressante de auto vigilância constante. E é justamente por se autoavaliar demais que a pessoa tem medo da avaliação do outro. Esse medo costuma vir acompanhado de um perfeccionismo inalcançável, o que faz com que o indivíduo procrastine ou adie tarefas para evitar falhar. Acontece que ao agir dessa maneira, o pensamento de ser uma fraude é validado, e temos um ciclo de auto sabotagem que se retroalimenta”, destaca o psicólogo.
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Tratamento
Como pedir ajuda pode ser interpretado como vulnerabilidade por quem tem a síndrome do impostor, é comum que a pessoa sofra sozinha, em silêncio. Mas, buscar ajuda profissional pode ser o primeiro passo para melhorar a qualidade de vida.
O processo terapêutico pode ajudar a pessoa a compreender as origens da sua insegurança, a desenvolver um senso de autoconfiança e ensinar habilidades para lidar com os pensamentos de auto sabotagem que surgirem. Na terapia, também é possível identificar se a sensação de farsa é um problema isolado ou se é um sintoma de algum outro transtorno, como a depressão ou um quadro de ansiedade.
“As habilidades precisam ser desenvolvidas não apenas conversando e discutindo sobre elas, mas também na ativação do comportamento. A intervenção verbal, técnicas de monitoramento sobre o que se sente ou pensa é importante, assim como estimular o indivíduo a se expor de forma gradual e a agir em prol dos seus valores e do que ele quer para si mesmo. É o que a gente chama de ‘desfusionar’, ou seja, não se agarrar tanto ao pensamento ou sentimento, mas no que está acontecendo de fato, em suas ações. Aos poucos, essas sensações vão baixando, a partir da vivência do aqui e agora”, finaliza o profissional de psicologia.
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