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Psiquiatria

Como lidar com a apatia durante o tratamento da depressão?

Alguns medicamentos usados no tratamento da depressão podem levar a uma sensação de apatia nos pacientes. Saiba por que isso acontece e o que fazer.
Publicado em 13/06/2025
Revisado em 12/06/2025

Alguns medicamentos usados no tratamento da depressão podem levar a uma sensação de apatia nos pacientes. Saiba por que isso acontece e o que fazer.

Imagine viver a sua vida normalmente, mas não sentir as emoções como esperado. Você não ri quando alguém conta uma piada, não fica nervoso quando o seu time de coração está jogando e nem chora quando o cachorro de estimação da família morre.

Essa sensação é vivida por cerca de 40% a 60% dos pacientes em tratamento da depressão. Mesmo avançando no tratamento, a apatia emocional pode ser extremamente desestimulante e até levar ao abandono dos medicamentos. 

Por que o tratamento para depressão pode levar à apatia?

Os SSRIs, ou inibidores seletivos de recaptação de serotonina, são antidepressivos amplamente prescritos para tratar a depressão e outros transtornos psiquiátricos. Dependendo do modelo farmacológico, eles aumentam a quantidade de serotonina, noradrenalina ou dopamina no cérebro.

No entanto, esse aumento é geral: a serotonina, por exemplo, acaba indo para todos os lugares do corpo, o que pode provocar efeitos colaterais incômodos. A apatia emocional, também conhecida como embotamento emocional, anestesia afetiva ou desligamento emocional, está associada ao córtex pré-frontal – uma área responsável pelo prazer e pela moralidade. Se houver excesso de serotonina nessa região, a consequência é a supressão da dopamina, a molécula do prazer.

“Ou seja, muitos pacientes tratados há algum tempo com esses fármacos, apesar de apresentarem melhora de outros sintomas e estarem aparentemente mais próximos da remissão [do quadro], desenvolviam uma espécie de apatia emocional. Às vezes, [a apatia] também aparece independentemente do remédio, o que pode demonstrar uma vulnerabilidade individual para esse tipo de sintoma”, explicou Susana Sousa Almeida, psiquiatra e coordenadora da Unidade de Neuropsiquiatria do Hospital CUF Porto (Portugal), em entrevista ao Portal Drauzio durante o Sinapsen Fórum 2025. O evento, promovido pela Apsen, é um encontro científico para especialistas em saúde mental.

Muitas vezes, quem percebe o sintoma são os familiares, não o próprio paciente. Isso porque ele continua “funcionando” – cuida das crianças, cozinha, faz as tarefas –, mas não sente as emoções.

Como evitar a apatia emocional ao longo do tratamento?

“O médico precisa saber o que o paciente deseja. Não é apenas devolver o humor. Por exemplo, se o paciente tem 22 anos, o sexo pode ser muito importante. Um medicamento que compromete a libido ou a vida afetiva deve ser evitado. Por isso, é fundamental entender as prioridades e limitações do paciente”, pontuou Enrico Rabello, especialista em psicofarmacologia e responsável técnico pelo marketing da Angelini Pharma (Itália), também durante o Sinapsen 2025.

Em termos medicamentosos, os especialistas explicam que é possível fazer a troca do antidepressivo. Essa mudança é feita em titulação cruzada, isto é, reduz-se lentamente o medicamento atual e introduz-se progressivamente outro com um perfil diferente e risco menor de causar esse entorpecimento. Também é possível combiná-los.

Os antidepressivos com menor probabilidade de provocar apatia são os fármacos multimodais. Isso quer dizer que são mais flexíveis e “inteligentes”, porque conseguem bloquear alguns receptores da serotonina e evitar que ela atinja as áreas responsáveis por efeitos colaterais.

“A trazodona seria um desses medicamentos, especialmente na dose certa para tratar a depressão. A vortioxetina também pode ser uma boa opção. Temos que analisar o perfil do paciente, entender seus sintomas residuais e suas necessidades, para escolher o melhor antidepressivo possível para a troca”, explicou a dra. Susana.

Muitas vezes, apenas ao mudar o remédio, o paciente começa a aderir melhor a outras estratégias, o que mostra que ele está saindo da apatia. Outras mudanças no estilo de vida também ajudam. Alimentação balanceada, prática de exercícios físicos, psicoterapia e apoio social são fundamentais. “Pode ser um amigo, um espaço religioso, algo que permita ao paciente se expressar”, elencou o dr. Enrico.

“Mas temos que avisar também: com a troca do remédio, as emoções voltarão. O paciente pode voltar a chorar – e isso não é recaída. É parte da cura. Ter reações emocionais apropriadas é sinal de que está voltando à vida. É importante reagir quando o chefe é grosseiro ou quando o filho abusa. É necessário se posicionar com o cônjuge. Recuperar emoções é voltar à normalidade”, ressaltou a dra. Susana.

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