Assistir pornografia faz mal?

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Publicado em: 16 de novembro de 2022

Revisado em: 16 de novembro de 2022

O consumo de pornografia não é o problema, mas, sim, o exagero que pode resultar em adição. Veja como identificar se você está passando dos limites saudáveis.

 

Quantas pessoas você imagina que acessam Netflix, Amazon e Twitter ao longo de um mês? Independentemente do número que veio a sua mente, saiba que a quantidade de acessos mensais ao Pornhub é superior. Durante um ano inteiro, são mais de 23 bilhões de novos usuários no maior site de conteúdo adulto do mundo.

No cenário completo, porém, o Pornhub fica até pequeno. Considerando toda a indústria pornográfica, a receita anual pode chegar a 90 bilhões de dólares. É mais do que o arrecadado pela Major League Baseball, NFL e NBA juntos. A cada 39 minutos, é lançado um novo filme pornô, que pode ser facilmente acessado em poucos cliques.

Que a pornografia se tornou parte do cotidiano na vida digital, isso é inegável. Mas, ao mesmo tempo que o mercado se expande, a preocupação com os efeitos do consumo na saúde também cresce.

 

Um raio-x dos filmes pornôs

Antes de investigar as consequências da pornografia no bem-estar de quem a consome, é preciso entender o que está sendo assistido e por quem.

No Brasil, 22 milhões de pessoas buscam por esse tipo de conteúdo. Segundo uma pesquisa do canal Sexy Hot, ele é mais popular entre homens (76%) do que entre mulheres (24%), sendo mais da metade dos consumidores (58%) homens jovens abaixo dos 35 anos (a maior frequência de consumo está na faixa dos 18 a 25 anos). 

Considerando que o público majoritariamente masculino busca a pornografia como forma de excitação sexual e para masturbação, grande parte dos filmes pornôs é pensada para homens heterossexuais. Em uma análise de 45 obras, os personagens masculinos eram os protagonistas e ocupavam cargos de poder em 62% dos casos. Em geral, a ejaculação do homem é o centro da narrativa.

Entre os 304 vídeos pornográficos mais populares de 2010, outra pesquisa mostrou que 88% das cenas continham agressão física e verbal. Os personagens que cometiam a violência eram 70% homens; e a vítima, quase sempre, era uma mulher (94%).

Nos últimos tempos, novos tipos de pornografia têm surgido no mercado. A chamada “pornografia feminista”, encabeçada pela diretora sueca Erika Lust, busca inserir mulheres na produção a fim de modificar os bastidores e as histórias dos filmes pornôs. 

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Por que as pessoas consomem pornografia?

E se a indústria é tão grande e continua se expandindo, é porque as pessoas continuam consumindo. De acordo com o psicólogo e pesquisador sobre sexualidade humana, Breno Rosostolato, a generificação (imposição de determinado comportamento como sendo característicos de homens ou mulheres baseado apenas pelo gênero) dos filmes pode explicar a intensidade da procura.

“Você está vendo ali a violência de gênero sendo difundida através de filmes. O homem exerce o poder e a mulher é colocada como um objeto. O prazer masculino é enaltecido em detrimento do prazer da mulher, que quase não aparece. No caso dos filmes gays, também há a relação de submissão, porque nós estamos falando do ativo e do passivo”, pontua.

No entanto, há também o outro lado: uma pesquisa com mais de 300 estudantes universitários brasileiros mostrou que os homens buscavam a pornografia para obter informações reais sobre sexualidade (56%), ter mais fantasias sexuais (50%) e aprender novas posições e técnicas (37%).

“O filme pornô também entra socialmente nos debates sobre qual é o seu papel em relação ao outro, que tipo de relação você está vivendo, como é essa prática sexual, como é o seu prazer, se você pode fazer uma reflexão olhando para dentro de você… Isso é bárbaro e totalmente possível”, afirma Breno.

Mas, segundo o psicólogo, o principal incentivo para assistir pornografia, seja entre homens ou mulheres, está na dificuldade em manter relações reais com o outro. Quando o prazer vai sendo obrigatoriamente atrelado ao filme pornô, é aí que começa o problema.

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Como reconhecer o vício em pornografia?

“Uma pessoa que consome conteúdo adulto de duas a três vezes por semana em um período de seis meses já possui uma dependência”, alerta o especialista.

O vício em pornografia, classificado pela OMS como distúrbio psicológico, surge da mesma forma que o alcoolismo ou o tabagismo: desregulando o sistema de recompensas do cérebro. Ao assistir a um filme pornô, há a liberação de dopamina. Toda vez que esse consumo acontece, mais dopamina é liberada, o cérebro imediatamente dispara uma sensação de felicidade e a pessoa se sente “recompensada”. Assim, o cérebro entende que aquilo é bom e pede recompensas cada vez maiores, o que gera uma condição patológica.

Não à toa, 1 em cada 4 homens acessa pornografia nos computadores do trabalho, segundo um estudo da Kaspersky Lab. A necessidade de consumo é tão grande que não importa quando ou onde assistir, se o local é apropriado ou não. No entanto, é importante diferenciar esse hábito da adição em sexo. Embora semelhante, o objeto de desejo dessa compulsão é outro: a pessoa sente a urgência indiscriminada de ter relações sexuais com alguém.

Para ajudar a identificar a adição em pornografia, alguns sinais de alerta são:

  • Deixar de sair com amigos ou fazer atividades que gostava para assistir pornografia;
  • Mudar a rotina para consumir cada vez mais esse tipo de conteúdo;
  • Perder prazos ou deixar de cumprir compromissos para ver pornô;
  • Aumentar a frequência de masturbação, ainda que não sinta satisfação no ato;
  • Ter dificuldade de ereção ao se relacionar com pessoas reais.

 

Consequências psicológicas do vício em pornografia

“Quando as pessoas ficam muito presas ao filme pornô, as relações reais vão sendo empobrecidas. Você associa o prazer e o desejo somente à pornografia, então perde a qualidade na relação com o outro”, diz Breno.

Foi o caso do ator Terry Crews, conhecido pela série “Todo mundo odeia o Chris”. Em 2016, ele afirmou ter quase perdido a esposa por ter desenvolvido uma compulsão por pornografia. O conteúdo adulto estava presente em sua vida desde os 12 anos e ele assistia dia e noite, muitas vezes sem parar.

Segundo o psicólogo, esse consumo desenfreado pode causar:

  • Impessoalidade das relações: fica mais difícil manter a desenvoltura durante uma relação real por querer reproduzir as cenas pornôs, desconsiderando todo o tempo, ângulos e modificações feitas na produção dos filmes.
  • Falta de afeto: o sexo na pornografia é colocado como algo imediato para o qual todos os envolvidos devem estar sempre prontos, o que não condiz com a realidade. Independentemente do tipo de relação, se duradoura ou casual, é necessário envolvimento e vínculo para que seja prazeroso;
  • Problemas de autoestima: os atores dos filmes pornôs são escolhidos a dedo por características que destoam da maioria da população, como pênis grande. Ao se comparar com eles, contrasta-se com quem é exceção à regra.

A longo prazo, todas essas dificuldades podem resultar em depressão, ansiedade, estresse, perda de memória, TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), TOC (transtorno obsessivo compulsivo), fobias sociais, entre outros problemas.

 

Consequências físicas do vício em pornografia

Além disso, há ainda os efeitos fisiológicos. A disfunção erétil é o mais preocupante deles, atingindo um terço dos homens abaixo de 35 anos, incluindo jovens no início da vida sexual, de acordo com um artigo da Associação Europeia de Urologia. 

A média de tempo que as pessoas passam nos sites pornôs é de 12 a 13 minutos. Considerando que elas veem vários conteúdos, indo direto para a cena de sexo a fim de se masturbar e ter prazer imediato, a permanência em cada cena não passa de 3 minutos. Enquanto isso, a média de tempo da penetração durante o sexo no Brasil é de 7 a 10 minutos.

“Ou seja, o orgasmo de quem associa o prazer ao filme pornô acontece muito rápido. Depois de gozar, o pênis passa por um período de latência em que fica flácido. Se o homem está acostumado a sempre gozar rapidamente por causa da pornografia, ele pode ter uma disfunção, já que levará mais tempo para que uma nova ereção aconteça – se acontecer”, explica Breno.

Problemas de ereção e de ejaculação também podem estar relacionados à ansiedade de desempenho, isto é, quando a pessoa presta tanta atenção na própria performance – se vai conseguir manter a ereção ou se vai ter desenvoltura sexual – que acaba se distanciando do(a) parceiro(a) durante a relação.

Outro impacto negativo ligado ao teor violento dos filmes pornôs é a naturalização da dor.

“Muitas vezes, o cara fica quase como uma batedeira transando com a mulher. Aquilo é muito irreal, porque machuca. Tanto que os atores pornôs possuem técnicas para gravar as cenas sem sentir dor. Mas se você não sente na hora, vai sentir depois, e isso gera consequências graves para a saúde”, destaca o psicólogo.

 

O que fazer para diminuir o consumo de pornografia?

Ao perceber que a pornografia está tomando mais tempo e prioridade do que deveria, é preciso buscar ajuda. Ir a um psicólogo ou psiquiatra é uma forma de compreender o porquê da adição e que lugar ela ocupa na sua vida. Se houver alguma disfunção no sexo, um urologista ou ginecologista também pode ajudar.

“O filme pornô pode ser um estímulo para muitas pessoas ou casais. Mas não se aprisione a isso, porque o seu prazer é amplo, múltiplo, diverso e plural. Se a sua relação real é mais presente que a virtual e você consegue criar um diálogo através da pornografia, tudo certo. O problema é quando você associa que a única forma de sentir plenitude sexual é através do conteúdo pornográfico”, aconselha Breno.

Com acompanhamento profissional, a pornografia tende a ser substituída por hábitos mais saudáveis, como sair com os amigos, fazer passeios e retomar a vida social.

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Atenção especial com as crianças

Pela facilidade de acesso, estima-se que a primeira exposição à pornografia aconteça por volta dos 11 anos de idade. Quanto mais precoce o início do consumo, maior o risco da criança se tornar um adulto com problemas sexuais. Por isso, a orientação dos pais ou cuidadores é fundamental:

  1. Exercite sempre o diálogo, explicando os motivos do seu posicionamento, e mostre que a confiança deve ser mútua;
  2. Acompanhe os conteúdos consumidos pela criança em celulares, tablets e computadores, em especial nas redes sociais;
  3. Pesquise por aplicativos que bloqueiam o acesso a sites ou conteúdos impróprios e que podem ser ativados pelos próprios pais;
  4. Na televisão, também é possível restringir com senhas o acesso a canais ou programas de conteúdo adulto;
  5. Se o interesse surgir, converse abertamente sobre o assunto e apresente outros meios de se informar sobre sexualidade;
  6. Em casos mais graves, pode ser necessária a restrição do uso de aparelhos eletrônicos, decisão que deve sempre vir acompanhada de muito diálogo.

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