O apêndice é uma bolsinha minúscula localizada no começo do intestino grosso. Quando o órgão inflama, não tem jeito, precisa tirar (e rápido) pelo risco de infecção generalizada.
Embora muitos achem que o apêndice não serve para nada, hoje já se sabe que ele contribui para a produção de linfa, auxilia o sistema imunológico e também tem a função de regulador intestinal. Quando a entrada do órgão fica obstruída, tem-se a apendicite, que pode surgir pelo excesso de muco, fezes endurecidas ou sementes e grãos que não foram mastigados corretamente.
A apendicite demora cerca de 4 dias até ficar mais grave, provocando dor intensa e febre. Nesse episódio do Por Que Dói?, a dra. Vanessa Prado, especialista em cirurgia do aparelho digestivo do Hospital Nove de Julho de São Paulo, explica como reconhecer os sinais e saber a hora de procurar um pronto-socorro.
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Olá, pessoal, sejam muito bem-vindos. Meu nome é Juliana Conte, eu sou repórter do Portal Dráuzio Varella e apresentadora do podcast ‘Por Que Dói?’.
E hoje a gente vai falar um pouquinho sobre apendicite, né? O apêndice, que ele é uma bolsinha minúscula, localizada do lado direito do intestino grosso, ele costuma dar alguns probleminhas aí pra algumas pessoas.
E o que que acontece? Quando a entrada desse apêndice é obstruída por qualquer motivo, seja pelo acúmulo aí de bolo fecal, né, fezes, ou qualquer outra coisa, aí a pessoa, ela começa a sentir uma dor muito forte, né, principalmente ali na altura do abdômen… febre, às vezes, febre, náusea, só que costuma ser um caso de emergência, por conta principalmente do risco desse apêndice estourar.
Bom eu dei esse rápido resumindo, né, porque apendicite é um problema relativamente comum, que atinge sete em cada 100 pessoas, mas quem vai explicar melhor pra gente hoje é a doutora Vanessa Prado, ela que é especialista em cirurgia do aparelho digestivo, pelo Hospital 9 de Julho, aqui de São Paulo, então ela vai explicar bem melhor pra gente. Boa tarde, doutora, muito obrigado aí pela presença.
Doutora Vanessa Prado — Boa tarde, Ju. Eu que agradeço o convite aí, a toda equipe do Hospital 9 de Julho também, estou aqui à disposição para esclarecer esse assunto, né, que às vezes gera muitas dúvidas.
Sim, com certeza. Dúvidas e até um pouquinho de receio, né, doutora?
É, o pessoal tem medo, né?!
É, com certeza, costuma causar certo medo, mas, doutora, pra começar, até pouco tempo atrás, era super comum dizer que o apêndice não tinha serventia pra nada, né, além de causar toda essa dor de cabeça, essa inflamação, enfim, que o indivíduo precisa ir correndo pro hospital. Muita gente, inclusive, infelizmente já morreu, por conta desse pedacinho aí de intestino, só que parece que isso mudou, né. Hoje a ciência meio que já sabe pra que ele serve, ou não?
É, hoje em dia, né, existem algumas hipóteses aí da função do apêndice né o apêndice. O apêndice, no passado, ele servia como um adendo aí da digestão, né. Naquela época, bem lá atrás, ele funcionava como um ajudante aí na digestão de alimentos mais grosseiros que a população comia, bem lá na ancestralidade.
Agora, a gente sabe que o apêndice é um órgão linfóide, né, ele produz linfa e ele ajuda no sistema imunológico do organismo, produzindo anticorpos também., além de ter uma carga de bactérias que, claro, hoje em dia, a gente consegue viver muito bem sem ele, por causa de uso de probióticos, mas antigamente ele funcionava como um regulador intestinal, pros quadros de diarreia, disfunções aí, de constipação e diarreia. Então, essas três funções aí do do apêndice, que não são funções vitais, e que hoje são supridas de alguma outra forma pelo organismo.
Ah, entendi. E doutora, por que que essa bolsinha acaba inflamando, né? E por que que é algo relativamente comum de acontecer?
É, o apêndice, né… então, como você bem disse, ele está localizado aí no começo do intestino grosso, não é, do lado direito do corpo, ele tem um tamanho mais ou menos de 10 centímetros e ele é bem estreito. Como ele é considerado um órgão linfático, ele produz um muco, uma secreção, que às vezes, dependendo do quadro que gerou essa produção aumentada de muco, esse próprio muco pode obstruir o apêndice.
Fora isso, o cocô mais endurecido, pequeno, pode entrar no apêndice e obstruir a entrada dele; ou, realmente a velha questão que a grande maioria da população fala: que é se alimentar de sementes, grãos, e não mastigar bem.
Então, ali entope esse buraquinho do apêndice, a linfa produzida dentro dele, a secreção que é produzida pelo próprio apêndice, não vai conseguir sair pra luz do intestino e obstrui o apêndice. E ele tem um tempo limitado, né, ele não é um órgão que ele inflama e desinflama — isso que é super importante a gente falar, que você deve perguntar mais para frente —, ele é um órgão que quando ele inflama, ele só aumenta a inflamação até ele romper no organismo.
Ele não vai voltar ao seu estado natural, né?
Não, ele não volta ao estado normal dele, a inflamação só vai progredindo.
Nossa. E no caso, doutora, qual que é a faixa etária assim, mais suscetível a ter esse tipo de problema?
A gente tem um índice que vai desde os 20 aos 30 anos com mais frequência, mas é possível ter em criança e em adolescente. Mas, a grande faixa etária está aí entre os 20 e os 30 anos.
Ah, tá, legal. E uma característica marcante, né, da apendicite é a dor. Eu acho que todo mundo que já teve o diagnóstico, normalmente tem uma história um pouco traumatizante por trás, mas eu queria saber se essa dor já começa assim intensa, forte, localizada ou não… [se] ela vai, de repente, aumentando, enfim…
É uma dor bem clássica viu, Ju. É uma dor que começa… é como se fosse uma dor de estômago, então é uma dor que começa alta. Então, aí você já fica um pouco mais indisposto, pode ter enjoo, pode ter vômito… Essa dor vai descendo pra região do umbigo, e depois de umas oito, dez horas, começa a se localizar no lado direito do corpo.
E aí você já vai ver que você não passou bem ao longo do dia, né, que já ficou mal, que você já está incomodado, e essa dor se localiza no lado direito do corpo, perto da virilha, e só vai aumentando de tamanho. E aí pode ter febre, o abdômen como um todo, né, a barriga como um todo pode começar a doer, e aí a cada dia…
Fica inchado…
Isso, fica inchado, fica estufado, por quê? O intestino fica sem o movimento adequado dele, então o intestino acaba ficando estufado, você pode ter desde uma diarreia como uma prisão de ventre, mas o quadro mais clássico é dor, enjoo e febre.
Tá, e a aproveitando, né… Dor abdominal, febre e náusea costuma ser um indicativo pra uma porção de coisas, né. Eu não sei o quanto isso é comum, mas de repente o paciente pode achar que “ah, vai passar” ou toma algum medicamento para reduzir esses sintomas, mas então ele chega ao Pronto Socorro e ele acaba indo embora com uma receita de antibióticos… Assim, isso é comum ou sei lá?… E também não é perigoso, enfim?
É, é o que eu sempre falo, Ju: não menospreze os sintomas, né. Então, começou a ficar ruim com dor abdominal, viu que não está melhorando, e essa dor está concentrada e você está confuso e não sabe o que quer? O ideal é ir até o Pronto Socorro e referir pro médico, relatar pro médico da melhor forma e da forma mais detalhada.
Aí, o mais correto, né, é fazer um exame de sangue completo, né, além de examinar o paciente, né, que já no exame físico, na hora que você examina, você já praticamente fecha o diagnóstico mesmo quase que no começo desse processo inflamatório — por isso que é tão importante o exame físico. Mas, claro, a gente tem outros artifícios pra comprovar, que são desde um exame de sangue, um ultrassom e até uma tomografia.
Então, o apêndice, ele pode estar inflamado só na pontinha, só no comecinho; a tomografia aí passa a ser um exame que não vai ter erro, então não vai acontecer dele ir embora só com um sintomático, a gente já consegue fechar o diagnóstico logo no início.
Tá, e no caso, doutora, quanto tempo assim costuma levar do aparecimento desse primeiro sintoma até a instalação de um quadro mais grave? Assim, é menos de 24 horas?
Não, o apêndice, geralmente ele leva até o quadro grave quatro dias. Então, por isso que também a gente tem que acalmar as pessoas pra falar que não precisa ir correndo, né, é só você se observar, prestar atenção e, caso não melhore, vá ao Pronto Socorro. Então ele demora quatro dias aí pra estar numa situação gravíssima aí, né, que aí você já deve estar com febre, com uma dor sem melhora, ou com diarréia, então você realmente não vai aguentar ficar em casa com esses sintomas, e aí no quarto dia o apêndice acaba rompendo dentro da barriga — aí deixa de ser uma cirurgia que hoje a gente considera simples pra ser uma cirurgia mais complexa.
Ah, tá, legal. Doutora, a senhora falou que o diagnóstico costuma ser relativamente assim, vamos colocar “simples”, né, mas eu estava lendo uma entrevista no nosso site, onde o Drauzio estava conversando com um cirurgião, e ele disse que até alguns anos atrás 40% dos pacientes que eram submetidos à cirurgia pra retirada do do apêndice, não tinham apendicite, né; era chamada apendicectomia branca. Só que hoje esse índice está por volta dos 10%, o que é absolutamente aceitável. Eu queria perguntar pra senhora se isso é comum, se, por exemplo, às vezes a pessoa acha que precisa fazer a operação, mas chega lá [e] não? Queria que explicasse um pouco.
É, a apendicectomia branca, né, é quando você realmente opera o paciente achando que é apendicite e não é, tá. Isso acontecia no passado. Hoje, é muito difícil, porque a tecnologia tá muito avançada, então se você tem dúvida no exame físico, você pede um exame de imagem que comprove isso, tá.
E aí, é claro, porque existem muitos diagnósticos parecidos com o começo de apendicite. Por exemplo, pra mulheres, né, existe a famosa endometriose; as famosas de DIPs, que são as moléstias inflamatórias pélvicas; às vezes, é uma infecção de trompa uterina; às vezes, uma ovulação que geralmente pode causar uma dor forte na mulher. Então, alguns diagnósticos se confundem.
Mesmo o quadro de diverticulite aguda, que é a inflamação dos divertículos, que é do lado esquerdo, né, do lado oposto, contralateral, mas dependendo de como tá essa evolução dos divertículos, pode dar uma dor pélvica, que é essa dor embaixo; e às vezes confunde mesmo o diagnóstico, mas com a tecnologia, isso realmente se resolveu. Muito difícil ter uma apendicectomia branca.
Certo. Que bom, né. E agora falando falando do tratamento, né, doutora: a cirurgia sempre vai ser indicada.?
É cirúrgico, né. Eu costumo brincar com os meus pacientes, Ju, que tem alguns diagnósticos que é igual a cirurgia: não tem o que fazer, né. O quadro de apendicite aguda é cirúrgico, e aí a gente tem dois tipos, né, de cirurgia.
Hoje, a maioria é feita por videolaparoscopia, que é uma cirurgia minimamente invasiva, que quase não deixa cicatriz nenhuma no corpo, né, e você consegue fazer uma cirurgia segura pro paciente, com uma alta breve, e retorno das atividades do paciente também em breve. E pr’aqueles quadros mais complexos de apendicite, que demorou para fechar um diagnóstico, aí a gente indica a cirurgia aberta, né, que é aquela que tem um corte um pouquinho maior.
Ah, tá. Eu acabei não perguntando, doutora, mas, assim, o quão comum é esse quadro de apendicite que poderia ser resolvido de maneira, assim, “fácil”, né, no início [e] ele evolui para um quadro mais grave… Quão comum isso é na clínica, enfim?
Era mais comum também antigamente, porque as pessoas custavam pra ir ao médico. Eu acho que até com essa questão de pandemia, o pessoal tava um pouco mais assustado, acaba olhando pro seu próprio organismo, percebendo o que está fazendo de errado, de mastigação errada, de dor abdominal e tem vindo precocemente ao especialista ou ao Pronto Socorro.
Na semana passada veio um paciente aqui, no ambulatório, com dor abdominal há pouco, poucas horas, e eu fui examinar [e] já achei que fosse um quadro inicial de apendicite, mandei direto pro Pronto Socorro e era mesmo. Então, as pessoas estão se cuidando mais hoje em dia, é muito difícil chegar numa fase mais grave.
Legal, eu acho que estão um pouco mais informadas, né, conscientes, enfim.
Isso, exatamente.
Bom, doutora, eu acho que as explicações foram ótimas e espero que ajude as pessoas a terem mais informação, né, sobre algo que é relativamente comum e que necessita de uma intervenção aí rápida, né.
É, isso aí, Ju. Eu acho que a gente conseguiu abordar o assunto como um todo, né, desde os tempos antigos até as técnicas mais modernas de diagnóstico e cirurgia, e deixar o recadinho aí pra todo mundo, né, mastigar bem o alimento, fazer sua refeição com calma, né, prestar atenção no que tá comendo e prestar atenção no seu organismo, né, que ele dá a sintomas, né — às vezes, uma coisinha, uma dorzinha bem discreta, mas que vale a pena ficar atento.
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