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Pediatria

Lúpus na infância: quais os sintomas e por que a doença é mais grave em crianças?

O lúpus na infância é raro, mas é mais perigoso e se instala de forma mais aguda
Publicado em 09/05/2023
Revisado em 11/05/2023

O lúpus na infância é raro, mas é mais perigoso e se instala de forma mais aguda.

 

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória autoimune conhecida há bastante tempo. O médico Hipócrates, considerado o “pai da medicina”, descreveu alguns dos sintomas da enfermidade já na idade antiga, período em que a Grécia, sua terra natal, sofria com uma epidemia – possivelmente de tifo – que dizimava parte da população local.

Até hoje, as causas exatas da condição que afeta 3,5 milhões de pessoas em todo o mundo – 65 mil só no Brasil – não são totalmente conhecidas. Sabe-se que a origem é multifatorial e envolve questões genéticas, hormonais e até ambientais, como a exposição à poluição atmosférica. No entanto, é consenso na comunidade médica que o lúpus é mais grave em crianças do que em adultos.

“Na infância, a doença se instala de forma mais aguda e há maior frequência e maior gravidade do comprometimento renal, neurológico e hematológico. Não há uma explicação bem definida para isso, mas é o que se observa nos estudos. Possivelmente há fatores genéticos que podem ser responsáveis por essas diferenças”, disse a reumatologista Lúcia Maria de Arruda Campos, responsável pela Unidade de Reumatologia Pediátrica do Instituto da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Na faixa etária pediátrica, a doença normalmente surge no início da adolescência, entre 11 e 13 anos de vida. Há manifestações cutâneas, como púrpura manchas vermelhas na pele, fotossensibilidade (sensibilidade aumentada à luz) e “rash malar” (lesão na face em formato de borboleta, bem característica da doença, mas que ocorre em apenas 30% dos casos de lúpus na infância).

Além disso, crianças também podem ter alopecia (perda capilar), úlceras na mucosa oral e com frequência apresentam sintomas de dor articular, comumente em mãos. No caso dos sintomas hematológicos, há diminuição das células de defesa (leucócitos e linfócitos), e em relação às alterações renais, o paciente pode apresentar sangue ou proteína na urina.

Do total de indivíduos com lúpus, apenas 20% são crianças. A maior parte dos pacientes é de mulheres. Alterações hormonais e genéticas podem estar relacionadas ao predomínio do aparecimento da condição em pessoas do sexo feminino. 

 

Sintomas do lúpus na infância podem variar

A variação nos sintomas do lúpus na infância se deve à fisiologia por trás da doença. Em resumo, o sistema imunológico do indivíduo apresenta uma série de distúrbios e passa a produzir anticorpos “rebeldes”, chamados autoanticorpos, que atacam o próprio organismo. A função normal de um anticorpo é proteger o ser vivo de agentes invasores, como vírus e bactérias.

“Esses autoanticorpos podem ser agressivos para diversas partes do nosso corpo, o que justifica a diversidade dos sintomas. Tanto que em alguns casos predominam manifestações renais, enquanto em outros afetam mais a pele ou as articulações. O que a doença tem em comum é a produção de múltiplos autoanticorpos, mas em cada indivíduo eles vão atingir tecidos diferentes”, disse a dra Lúcia Campos, que também é membro da Comissão de Ultrassom Musculoesquelético da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

Veja também: Pacientes de lúpus devem evitar exposição solar

 

Como é o diagnóstico do lúpus na infância?

O diagnóstico do lúpus na infância é semelhante ao feito em adultos. Basicamente, os especialistas usam uma classificação de 1997 do American College of Rheumatology (Colégio Americano de Reumatologia), com 11 critérios, e outra chamada SLICC (Systemic Lupus International Collaborating Clinics), com 17 critérios, produzida por um grupo de reumatologistas e imunologistas em 2012. Se o paciente apresentar quatro das manifestações em uma das listas, o diagnóstico para lúpus pode ser estabelecido. 

No SLICC, há 11 critérios clínicos e seis imunológicos, conforme descrito abaixo.

Critérios Clínicos: Erupção na pele, agudas ou crônicas, como bolhas ou vasculites; úlceras orais no palato (o popular céu da boca); perda ou fragilidade do cabelo; inflamação, sensibilidade ou rigidez matinal em duas ou mais articulações, condição chamada de sinovite; inflamação das membranas de órgãos internos, conhecida como serosite; complicações renais; complicações neurológicas; destruição dos glóbulos vermelhos, quadro conhecido como anemia hemolítica; perda de leucócitos, que é a leucopenia; e, por fim, perda de plaquetas do sangue, ou trombocitopenia.

Já as manifestações imunológicas envolvem exames para detecção de anticorpos que normalmente aumentam em indivíduos com lúpus, como o FAN, o anti-dsDNA, o anti-Sm e os anticorpos antifosfolípides. O FAN é o mais conhecido deles. Vale reforçar, no entanto, que a presença de apenas um deles não significa que a pessoa de fato tem lúpus. Conforme definido pelas organizações internacionais, a caracterização da doença se dá quando há presença de quatro ou mais manifestações. 

A classificação do American College of Rheumatology pode ser vista nesta matéria.

 

Como é o tratamento?

O tratamento de crianças com lúpus é feito de forma individualizada. No geral, no entanto, o processo básico envolve o uso de corticoides e hidroxicloroquina, remédio que ganhou as manchetes de jornais e as redes sociais após ser indevidamente associado ao tratamento da covid-19.

Os corticoides, apesar de terem se mostrado efetivos no controle da atividade da doença, podem causar diversos efeitos adversos. Por isso, segundo a dra. Lúcia Campos, eles são retirados o mais brevemente possível e os pacientes passam a ser tratados também com imunossupressores. “A escolha de qual imunossupressor nós vamos usar depende do órgão mais acometido em cada caso”, disse.

Além dos remédios citados, as crianças também são tratadas com medidas não medicamentosas, como dieta adequada, controle da pressão, proteção solar, atividade física e medidas de prevenção da osteoporose.  

“O lúpus não tem cura, mas pode ser controlado. Nosso objetivo é que o paciente entre em remissão e a doença pare de se manifestar. Com o tempo, vamos retirando os medicamentos gradualmente e o paciente pode chegar a ficar sem nenhum deles, mas nós sabemos que é possível, e até provável, que a pessoa apresente novos surtos da doença ao longo da vida. Por isso, é extremamente importante o acompanhamento médico”, disse a especialista. 

Veja também: Por que o paciente com lúpus precisa tomar corticoides?

 

Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e futuro biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.

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