Aleitamento materno | Entrevista

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Publicado em: 8 de agosto de 2011

Revisado em: 21 de outubro de 2021

Muitas mães precisaram suspender o aleitamento materno para sair de casa logo cedo e assumir posições profissionais. A solução  foi alimentar suas crianças com o leite de outra espécie animal. Mas existe um custo?

 

* Edição revista e atualizada.

 

Nossa espécie, o Homo sapiens, pertence à classe dos mamíferos, animais que amamentam os filhos recém-nascidos. Por isso durante toda a história do homem na Terra, as crianças foram amamentadas no peito da mãe. Nos anos 1950, porém, mudanças sociais e econômicas resultantes da industrialização e da entrada da mulher no mercado de trabalho contribuíram para a quebra desse paradigma. Muitas mães precisaram suspender a amamentação dos filhos para sair de casa logo cedo e assumir posições profissionais. A solução que lhes restou foi alimentar suas crianças com o leite de outra espécie animal. O escolhido, por conveniência, foi o leite de vaca ministrado em mamadeiras. Isso não ocorreu sem custo.

 

VANTAGENS DO LEITE MATERNO

 

Drauzio — Quais as consequências que essa mudança de paradigma ocorrida nos anos 1950/1960 acarretou?

Keiko Teruya – A história já se encarregara de demonstrar que era possível alimentar o ser humano com outro leite que não o materno. Haja vista, o caso de Rômulo e Remo, fundadores de Roma, que segundo a lenda foram amamentados por uma loba. Por conveniência,  a escolha recaiu principalmente sobre o leite de vaca. Só que, apesar de o Homo sapiens ser o animal mais adaptável dentro da escala zoológica, há sempre um preço a pagar por essa quebra de paradigma. A introdução precoce de uma proteína estranha propicia o desenvolvimento de doenças alérgicas (distúrbios digestivos incluindo diarreia crônica, refluxo gastroesofágico e também rinite, eczema, asma). A fórmula não adequada ao organismo humano acarreta distúrbios nutricionais (obesidade ou desnutrição) e a falta de elementos protetores aumenta a susceptibilidade às infecções.Isso tudo explica o aumento da mortalidade infantil que ficou evidente quando se instituiu o desmama precoce.

 

Drauzio – Quais as vantagens do leite materno em relação aos outros tipos de leite?

Keiko Teruya — O leite humano é uma substância viva de alta complexidade, que contém mais de 240 substâncias bioativas. É espécie especifica que contém todos os nutrientes necessários para garantir o crescimento saudável da criança. Além disso, olhos nos olhos, mãe e filho estabelecem a primeira linguagem efetiva de amor.

 

PRODUÇÃO DO LEITE MATERNO

 

Drauzio – Como é a dinâmica da produção do leite materno?

Keiko Teruya — A sucção desencadeia um reflexo hormonal: a prolactina (hormônio produzido pela hipófise) promove a produção de leite e a ocitocina (hormônio sintetizado pelo hipotálamo e liberada pela hipófise), sua descida para a região da aréola mamária. O espantoso é que toda a mulher pode produzir leite mesmo que não tenha gerado a criança que suga seu peito e, quanto mais ela suga, mais leite aparece. Para ser didática e simples, digo às mães que, enquanto o bebê mama, um carteiro leva uma mensagem para a cabeça dela avisando que lá embaixo tem gente precisando de leite. Se a criança reclama – “Mãe, aqui não está saindo leite” -, o mensageiro transmite nova ordem ao cérebro materno – “Solte o leite” – no que é prontamente obedecido.

 

Drauzio – Esse mecanismo pode ser alterado de forma que algumas mães apresentem dificuldade para amamentar e produzir leite?

Keiko Teruya – Se a ocitocina não fosse sintetizada pelo hipotálamo, não haveria tanto problema. Acontece que o hipotálamo tem como uma das funções o controle das emoções e comportamentos. Assim quando a mãe está nervosa, tensa, cansada,  ou teve um grande aborrecimento, um bloqueio impede-a de soltar o leite. A expressão “esconde o leite” reflete bem o que ocorre nessas situações. Entretanto, se a criança continuar sugando e a mãe for tranquilizada, novo comando será transmitido ao cérebro da mãe que deixará o leite fluir.

 

AMAMENTAR NÃO DEVE DOER

 

Drauzio – Como é possível manter essa tranquilidade se algumas mulheres sentem dor enquanto amamentam, porque o mamilo rachou, por exemplo?

Keiko Teruya – A amamentação bem conduzida deve ser  indolor. Partindo do seu exemplo, o mamilo não racha se a criança for colocada na posição correta e pegar corretamente o peito. Por que ocorre a rachadura? Ocorre porque a criança não consegue pegar a aréola, a parte do seio que não dói. Sempre peço que as mães apalpem suas mamas e lhes pergunto onde são mais sensíveis. Todas as respostas coincidem: o bico, pois aí é que estão as terminações nervosas. Fica claro, então, que ali a criança não pode sugar, porque não só vai doer como a sucção se tornará inefetiva. No entanto, se a criança sugar na região areolar onde ficam os bolsões de leite (ductos que dilatam) e que devem ser espremidos para liberá-lo, não haverá desconforto nenhum. Se a mulher sente dor quando o filho mama, a dinâmica da sucção deve estar incorreta; portanto, deve ser revista e corrigida.

 

Drauzio – No decorrer da gravidez, a mulher pode tomar alguns cuidados que  deixem  seus seios em melhores condições para a amamentação?

Keiko Teruya – Antigamente, as mulheres eram orientadas para tomar sol e fazer massagens de protusão dos mamilos. Estudos recentes demonstraram que essa indicação não tinha fundamento. O que realmente importa para evitar rachaduras e, consequentemente dor, é a criança estar bem posicionada e ter boa pega. Para que a mãe consiga amamentar é necessário a) decisão de amamentar (a mãe desejar, querer e poder; b) um peito que produza e libere o leite; c) um bebê capaz de retirar o leite do peito por meio de sucção eficiente.

 

Drauzio – É difícil amamentar um bebê?

Keiko Teruya – As mães aprendem a amamentar sem dificuldade. Eu lhes digo que o primeiro contato entre mãe e filho deve ocorrer na hora do nascimento, porque na primeira hora a criança está com todos os sentidos em alerta (visão, olfato,tato, preensão, movimentos orofaciais) pronta para captar seu novo mundo.

Se a primeira mamada for assistida por uma pessoa que oriente o posicionamento e a pega correta, a dupla mãe/filho aprende. Para o posicionamento correto, a criança deve estar com o corpo bem próximo ao corpo da mãe, a boca bem de frente da região aréola mamilar; a cabeça e tronco alinhados, ou seja, a criança não pode estar torta e, se o bebê ainda for pequeno, suas nádegas devem estar apoiadas. Pega correta significa a boca do bebê  bem aberta, lábios inferiores virado para fora, queixo encostado no peito da mãe e aréola visível acima da boca do bebê. Se ela sugar só na pontinha, o leite não sai e a mama dói.

 

LEITE FRACO E LEITE FORTE

 

Drauzio – Algumas mães dizem – Ah, meu leite está aguado -e suspendem a amamentação ou completam as mamadas com mamadeiras. Existe leite materno fraco ou forte?

Keiko Teruya – Não existe leite fraco ou forte. Existe leite bom para a criança. Às vezes, as mães consideram seu leite fraco, porque o comparam com o leite de vaca, que é mais denso e consistente, o que, de certo modo, o torna impróprio para o ser humano. O bezerrinho, em um ano e meio ou dois, deverá ter-se transformado num animal adulto. O ser humano precisa de 16 a 18 anos para completar seu ciclo de crescimento.

Por que as mães acham que seu leite é fraco? Porque, quando a criança toma mamadeira, parece que fica mais tempo sem fome e dorme mais. Isso acontece porque a digestibilidade do leite de vaca, cujas moléculas são maiores, é muito lenta. A criança se sente como o adulto que comeu uma feijoada: de estômago cheio e sonolenta, largada. As mães não costumam estabelecer essa relação e julgam que seu leite está fraco.

Algumas mães acham que seu leite é fraco, porque seu bebê chora muito. O choro é a linguagem do bebê e pode significar “fome”. Existem vários tipos de fome: fome de aconchego, de contato (ele ficou grudado na mãe por 9 longos meses) e  fome de alimento, inclusive. O bebê através do choro quer dizer que está com frio, calor, dor, falta de “parede”, etc. Estar ciente de que, como a digestibilidade do leite humano é muito boa e o esvaziamento gástrico é rápido, no primeiro mês, o bebê precisa mamar em intervalos curtos.

O leite humano é composto por células vivas que transferem para o bebê a imunidade materna aos agentes infecciosos. Isto não acontece com leite de vaca nem de outras espécies animais nem com os leites vegetais.

ao contrário do leite de vaca, que é inerte, o leite humano é composto por células vivas que transferem para o bebê a imunidade materna aos agentes infecciosos.

 

Drauzio Essa coisa viva a que você se refere são os glóbulos brancos?

Keiko Teruya – Sim, os glóbulos brancos com seus macrófagos, linfócitos T os anticorpos, pré e probióticos que a mãe passa para o filho. Sabemos que além disso, entre outros, o leite materno possui imunomoduladores, substâncias que ativam a imunidade da criança. Hoje se sabe que o leite materno é uma fonte de células-tronco com potencial de diferenciação multilinhagem, capaz de modificar o curso de várias doenças. Por isso criança que mama na mãe dificilmente morre e, quando adoece, se restabelece mais depressa.

 

Veja também: Amamentação sem culpa

 

PREVENÇÃO DE DOENÇAS

 

Drauzio – Quais são as doenças mais frequentes em crianças que não são amamentadas no peito?

Keiko Teruya – A mais frequente é a diarreia. A criança amamentada no peito está dezessete vezes mais protegida contra essa doença, porque no leite materno existe um anticorpo chamado IGA secretora que recobre a mucosa intestinal protegendo-a contra infecções e recobre também a mucosa da árvore brônquica e dos ouvidos, prevenindo otites e pneumonias.

A longo prazo, a frequência de certas patologias como a aterosclerose, alguns tipos de câncer, obesidade diabetes é menor nas crianças amamentadas no peito. A amamentação protege também a criança de má oclusão dentária, de ser uma respiradora bucal e das doenças que decorrem por causa disso.

 

Drauzio – Muitas mães perguntam se, quando estão gripadas, podem amamentar o filho?

Keiko Teruya – Podem e devem. Durante o processo gripal, a imunidade da mãe está sendo ativada. Como seu leite é constituído por células vivas, seus anticorpos são transmitidos diretamente para a criança durante as mamadas, protegendo-o.

 

Drauzio – Não há o risco de o vírus ser transmitido também pelo leite?

Keiko Teruya – Na verdade, a mãe transmite o vírus e o respectivo tratamento, porque seu leite carrega os anticorpos necessários para combater o agente agressor. Se a mãe suspender a amamentação , ao cuidar do bebê, ela estará correndo o risco de transmitir a doença com a agravante de não lhe transmitir as defesas (imunoglobulinas, macrófagos e até interferon) que o leite transporta.

 

USO DE MEDICAMENTOS

 

Drauzio — Existem restrições quanto ao uso de medicamentos durante o período de amamentação?

Keiko Teruya – A maioria dos remédios está liberada durante a amamentação. Se a mãe tiver uma dor de cabeça, pode tomar um analgésico sem medo. No entanto, existem algumas contraindicações, como é o caso dos imunossupressores e de alguns hormônios. Convém verificar se esses medicamentos podem ser trocados por outros compatíveis com a amamentação. Assim, no hipertireoidismo materno, por exemplo,  apenas o iodo radioativo é contraindicado. Os demais são compatíveis com a amamentação ou de uso criterioso.

 

Drauzio – E em relação aos tranquilizantes?

Keiko Teruya – Dos tranquilizantes e antidepressivos apenas a doxepina está contra indicada durante a amamentação. Lítio, nos casos de transtorno bipolar, e ergotamina, nas crises de enxaqueca, precisam ser ministrados com muita cautela. No entanto, contradizendo o que se pensava anteriormente, a maioria dos antibióticos e quimioterápicos não apresentam contraindicação indesejáveis durante amamentação.

O Ministério da Saúde publicou um livreto – “ Amamentação e uso se medicamentos e outras substâncias”, disponível no site do Ministério da Saúde – que contém informações importantes sobre o uso de medicamentos. Por exemplo, se a mãe precisa ser medicada contra a esquistossomose, lendo o livro descobre que nada a impede de tomar o remédio prescrito.

 

RITMO DAS MAMADAS

 

Drauzio – Que critério a mãe deve adotar para estabelecer o ritmo das mamadas? Ela deve obedecer a um horário rígido ou guiar-se pelo choro da criança?

Keiko Teruya — Livre demanda, isto é, a frequência e a duração das mamadas são determinadas pelas necessidades e pelos sinais do bebê. É o bebê que faz o horário e não o relógio.  É importante ajudar a mãe a reconhecer o temperamento do seu bebê e a aprender a melhor maneira de suprir as necessidades dele. Geralmente, ele aumenta os movimentos dos olhos fechados ou abertos; abre a boca, estica a língua e vira a cabeça para procurar a mama; solta sons suaves de gemido e chupa/morde as mãos, dedos, coberta/lençol, ou outro objeto que toque a boca. Assim, não é preciso esperar que a criança chore. O interessante é que com o tempo (e não muito tempo), o bebê começa a fazer seu próprio horário com intervalos definidos e previsíveis.

 

Drauzio — Existem instruções para orientar a mãe no que se refere à troca de peito?

Keiko Teruya – A criança deve mamar num peito até soltá-lo espontaneamente e só então lhe deve ser oferecido o outro. Há um teste simples que demonstra a eficácia desse procedimento. Antes de iniciar a mamada, pede-se à mãe que retire um pouquinho de leite e reserve.

Em seguida, o peito é oferecido ao filho. Quando ele o soltar, ela tira mais um pouco de leite desse mesmo seio e compara as duas amostras. O primeiro é ralo e bem clarinho, pobre em gorduras, mas rico em fatores de proteção, açúcar e água. O outro é mais escuro e mais calórico. O leite que já está no peito é para matar a sede e oferecer imunidade; o que ele retira depois é mais rico em proteínas e mais calórico; portanto, perfeito para suprir as necessidades nutricionais.

Nós, pediatras, estávamos errados quando apregoávamos 15 minutos num peito, 15 minutos no outro. Às vezes, a mãe tem num único peito leite suficiente para alimentar a criança, outras vezes não. Por isso é importante que ofereça o outro peito quando ele soltar o primeiro. Caso ele não aceite o segundo peito, significa que ele está satisfeito. Na mamada seguinte começar pelo que foi o último da mamada anterior ou aquele que não foi mamado.

Às vezes, a mãe tem num único peito leite suficiente para alimentar a criança; outras vezes, não. Por isso é importante que ofereça o outro peito quando ele soltar o primeiro. Caso ele não aceite o segundo peito, significa que ele está satisfeito. Na mamada seguinte, começar pelo que foi o último da mamada anterior ou aquele que não foi mamado.

 

Drauzio – Na hora da amamentação, qual deve ser a atitude da mulher?

Keiko Teruya – Bem relaxada e com as costas apoiadas, de preferência com o pé todinho plantado no chão, sentindo-se confortável. O encontro dos olhos da mãe com os de seu filho é uma reação quase instintiva. Esse carinho, o toque, o cheiro que a mãe exala, essa dança entre mãe e filho ao amamentar são fundamentais para o desenvolvimento harmônico da criança. Esses gestos fazem com que a criança se sinta amada, aumentando sua autoestima, tão importante para sua sobrevivência. Por isso está certo quem diz que, se a criança receber amor, dificilmente devolverá violência.

Não faz muito tempo, entrou em contato comigo uma procuradora de justiça que estudou a criminalidade nas crianças que viviam em instituições. Ela concluíra que o desmame era a causa mais importante desse desvio comportamental. Essas crianças nunca haviam sido amamentadas e mãe que amamenta, não maltrata o filho e não o abandona.

 

Drauzio – Resumindo, quais as orientações da Organização Mundial de Saúde em relação ao aleitamento materno?

Keiko Teruya – A OMS aceitou uma proposta brasileira em maio de 2001, na 54ª Assembleia Mundial de Saúde, e recomenda o aleitamento materno exclusivo por seis meses e, quando completada por outros alimentos seguros e saudáveis, a amamentação pode ser estendida até 2 anos ou mais. A partir dos seis meses até os 2 anos ou mais, outros alimentos serão introduzidos observando as etapas do desenvolvimento infantil. Gradativamente, o branco do leite é substituído pelo colorido dos sucos de frutas, verduras e legumes, por exemplo; o líquido, pelo pastoso e depois pelo sólido.

A recomendação é oferecer à criança o que a família come ( a família toda deve ser orientada para uma alimentação saudável) amassadas desde o inicio e não mais as sopinhas liquidificadas elaboradas de antigamente.   a amamentação pode ser estendida a´te 2 anos ou mais. Gradativamente, o branco do leite é substituído pelo colorido dos sucos de frutas, verduras e legumes; o líquido, pelo pastoso e depois pelo sólido. A recomendação é oferecer à criança o que a família come ( a família toda deve ser orientada para uma alimentação saudável). Os alimentos devem ser amassados desde o início e não mais oferecidos na forma de sopinhas liquidificadas como antigamente.

 

Drauzio — Sem usar a mamadeira?

Keiko Teruya –– Sem a mamadeira e sem chupeta, que também deixou de ser recomendada. O ideal é não utilizar a mamadeira, porque a dinâmica de sucção é totalmente diferente da do peito. Para demonstrar a diferença, peço às mães que suguem seu dedo e depois seu punho. Ela vai notar que para sugar o dedo usa muito pouco a estrutura da boca. Praticamente só usa a língua. O mesmo ocorre com a criança e a mamadeira, porque o leite sai quase por gravidade.  Mamar no peito pressupõe muito mais esforço e empenho. E quem não gosta de sombra e água fresca?

A mamadeira é, assim, um estímulo para o desmame. Se a criança mamar no peito por tempo adequado, não vai precisar de mamadeira para os novos alimentos, mesmo que sejam líquidos.

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