A recomendação é que a família busque explicar o diagnóstico de forma simples e acessível, utilizando uma linguagem que a criança consiga compreender.
O câncer é uma doença complexa que não escolhe raça, etnia, gênero nem idade. Por isso, quando uma criança pequena é diagnosticada, o impacto para os familiares é ainda maior, pois além de receberem a notícia e terem pouco tempo para reorganizar a vida antes do início do tratamento, também é necessário conversar com o filho sobre a doença.
Mas será que existe alguma forma menos impactante de conversar com a criança?
A realidade é que não há um manual para esse tipo de situação. Nenhuma família vai lidar da mesma forma e estar de fato preparada, até realmente acontecer. Entretanto, os especialistas consultados para esta reportagem são unânimes em um aspecto: é fundamental que os pais abordem o diagnóstico de maneira aberta (não escondendo o diagnóstico da criança), mas respeitando sua capacidade de compreensão e as emoções que ela demonstra durante a conversa.
Isso porque esconder informações ou evitar falar sobre o assunto pode gerar confusão, insegurança e até fantasias sobre o estado de saúde ou o tratamento.
Segundo a dra. Liane Esteves Daudt, hematologista e coordenadora da área de Oncopediatria do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, se o diagnóstico for omitido, no intuito de poupar a criança, ela pode associar que a doença é culpa dela ou que o tratamento é uma punição por algo que fez de errado. Além disso, isso pode prejudicar a confiança entre pais e filhos.
“A recomendação é que a família busque explicar o diagnóstico de forma simples e acessível, utilizando uma linguagem que a criança consiga compreender. Pode-se, por exemplo, explicar que o câncer é uma ‘doença das células’, e que essas células estão se comportando de maneira errada. É importante também evitar demonstrar medo ou pânico diante da criança, transmitindo confiança ao explicar que existem médicos e tratamentos que podem ajudar a melhorar sua saúde. Esse tipo de atitude reforça a sensação de que a criança está sendo cuidada por todos”, recomenda a médica.
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Como se preparar para as perguntas?
Também é muito importante estar preparado para as perguntas que possivelmente virão. A família deve responder de maneira clara e honesta, sem prometer algo que não pode ser cumprido, como a data exata de alta hospitalar ou o término do tratamento, por exemplo.
Por outro lado, há crianças que simplesmente não perguntam nada, mas isso não significa que elas não queiram saber.
“Busque observar se o filho apresenta alguma curiosidade sobre o tratamento e também pergunte se têm alguma dúvida para aquela etapa específica. Dê espaço para que o filho expresse suas emoções e dúvidas nesse momento. Caso o familiar não saiba como sanar a dúvida, diga ao filho que irão juntos buscar essa resposta com profissionais especializados”, explica Ana Flávia Pereira Souto, psicóloga do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo.
Uma dica importante é observar os sinais da criança ao receber a informação: se eles mudarem de assunto ou começarem a procurar distração, provavelmente receberam informações suficientes naquele momento.
Tratamento e efeitos colaterais
Ao falar sobre a doença é importante também conversar sobre os possíveis efeitos colaterais que podem ocorrer por conta do tratamento, como queda de cabelo, cansaço, falta de apetite etc.
“Não é necessário antecipar os acontecimentos, deixe para comunicar sobre o procedimento a ser realizado quando estiver próximo. Isso pode evitar sintomas de ansiedade, por exemplo. Utilize meios de comunicação efetivos e que funcione com seu filho, busque ajuda em recursos lúdicos (livros, filmes, desenhos, músicas etc). Reforce para o filho em cada comunicação, que, por exemplo, a queda de cabelo é por um período, que o cabelo voltará a crescer, assim que o tratamento finalizar”, orienta a psicóloga.
Uma outra recomendação que a dra. Liane dá é permitir que a criança participe das decisões: “Por exemplo, deixar a criança escolher o que fazer com o cabelo — se prefere cortá-lo ou deixá-lo cair naturalmente”.
Uma recomendação geral é não descarregar muitas informações que a criança ainda não tem capacidade de assimilar. É essencial adaptá-las à idade, pois quanto mais seu filho entender, menos assustadoras serão as coisas. As crianças tendem a cooperar com o tratamento se souberem como isso pode ajudá-las.
O hospital pediátrico St Judes Princes, nos Estados Unidos, tem um guia em português com os termos usuais relacionados ao câncer numa linguagem acessível para conversar com as crianças. Saiba mais aqui.
Veja também: Leucemia: por que esse tipo de câncer é mais frequente em crianças?
Apoio psicológico
O sofrimento dos pais não pode ser ignorado, pois o medo do futuro e desfechos negativos que outras famílias tiveram pode gerar ansiedade. “O apoio psicológico para os pais é fundamental ao longo de todo o processo de tratamento. Psicólogos especializados em oncologia pediátrica desempenham um papel crucial ao ajudar os pais a estabelecerem uma comunicação eficaz com a criança. Muitas vezes, os pais sentem uma grande dificuldade em falar sobre o que está acontecendo, com receios de causar mais sofrimento ou confusão”, esclarece a dra. Liane.
A criança, por sua vez, acaba reagindo mais ao momento presente, com receios pontuais, seja medo de tirar sangue ou tomar soro, mas passado esse momento, já estão brincando, ou se entretendo com alguma atividade.