Intervenção ajuda a melhorar não somente a estética do paciente, mas também atividades como respirar e dormir
Em tempos em que os filtros de redes sociais reinam, ter um rosto perfeito se tornou a regra. E embora as feições ideais não passem de uma ilusão, ter que lidar com uma anomalia que afeta justamente os ossos faciais pode abalar a autoestima de uma pessoa. A cirurgia ortognática é uma alternativa de correção dessas anomalias dentofaciais, que causam não só prejuízos estéticos, mas também funcionais, como problemas ao mastigar, dores, estalos e zumbidos no ouvido.
O crescimento disfuncional da mandíbula e/ou maxila pode estar ligado não somente a fatores genéticos, mas também a hábitos do dia a dia, como explica Ingrid Carvalho, cirurgiã dentista e clínica geral. “O uso de chupeta além da idade indicada, mamadeira, chupar o dedo, sequelas de acidentes também podem contribuir para o desenvolvimento de irregularidades dos ossos faciais.”
Quando o problema é identificado ainda na infância, é possível tentar a correção a partir do uso de aparelhos odontológicos, já que por ainda estar em formação, os ossos da criança são mais “maleáveis”. Quando o uso do aparelho não é suficiente ou a condição é diagnosticada apenas na fase adulta, a solução é a intervenção cirúrgica.
A abordagem utilizada durante a cirurgia ortognática vai depender da disfuncionalidade óssea identificada. Essas são algumas das mais comuns:
- Prognatismo – mandíbula grande e/ou maxilar pequeno;
- Retrognatismo – mandíbula pequena;
- Assimetrias – maxilares tortos;
- Atresia de maxila – mordida cruzada posterior ou maxilar estreito;
- Disfunção da ATM (articulação temporo-mandibular).
A publicitária Denise Rodrigues, 30 anos, sofria com retrognatismo (mandíbula pequena) e realizou a cirurgia ainda em 2018. Ela fez uso do aparelho odontológico dos 15 aos 19 anos, mas ao encerrar o tratamento, não alcançou o resultado desejado.
“O que mais me incomodava era o fato de não conseguir fechar a boca naturalmente, sempre tinha o aspecto de estar forçando o queixo, isso me incomodava demais e deixava a minha autoestima muito baixa. Mas não era apenas um problema estético. Além de não dormir bem e roncar muito, também sofria com o zumbido no ouvido, dores de cabeça e estalo na mandíbula”, relembra.
Diagnóstico
Aos 24 anos, Denise percebeu que havia algo de errado com a sua estrutura óssea facial. “Foi na terceira tentativa de obter uma resposta que um dentista me orientou a buscar um bucomaxilofacial, e foi essa especialidade que me explicou que o meu problema, retrognatismo (quando os dentes inferiores são retraídos em relação aos dentes superiores), só seria possível de resolver com a cirurgia ortognática.”
Em geral, o diagnóstico passa por dois profissionais, o ortodontista e o cirurgião bucomaxilofacial, como conta a dra. Ingrid. “Caso o ortodontista avalie que somente o aparelho não vai resolver o caso, ele fará o encaminhamento para o bucomaxilofacial, e ambos irão planejar o tratamento juntos. Nesse processo, é comum serem solicitados exames como panorâmica, telerradiografia, cefalométrica, todos comuns para a colocação do aparelho.”
O uso do aparelho não tem como único objetivo resolver o problema dentofacial por si só. Ao identificar a necessidade de realizar a cirurgia ortognática, o aparelho odontológico passa a ter uma função pré-operatória, na preparação das arcadas dentárias para que o “encaixe” (oclusão) entre os dentes superiores e inferiores seja corrigido no momento da cirurgia.
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Como é feita a cirurgia
A cirurgia é feita em ambiente hospitalar sob anestesia geral. Nela, são utilizadas serras, parafusos e placas de titânio para realinhar as estruturas da mandíbula e da maxila. A cirurgia pode ser de avanço da maxila, correção do sorriso gengival, correção da mordida aberta, avanço ou retrusão mandibular, bimaxilar, expansão maxilar ou mentoplastia.
Para um melhor resultado, uma simulação da cirurgia é feita pelos profissionais através de inteligência artificial, o que permite que o cirurgião tenha uma noção maior do resultado estimado do procedimento.
Como é o procedimento no SUS
Por se tratar de um procedimento que tem um objetivo estético-funcional, a cirurgia ortognática também está disponível pelo SUS. Enquanto Denise realizou todo o processo pela rede privada de saúde (cirurgia ortognática faz parte do rol de procedimentos de cobertura obrigatória por parte dos planos de saúde), Lucas*, 25 anos, iniciou o processo de diagnóstico pelo serviço particular, mas pelo alto custo dos exames e da cirurgia em si – que pode variar de R$ 13 a R$ 30 mil –, optou por seguir com o acompanhamento pela rede pública.
Para ele, o incômodo era tamanho que o jovem passou a infância e a adolescência evitando tirar fotos sorrindo, já que se sentia constrangido pelo formato assimétrico da face. “Sempre que olhava fotos ou vídeos nos quais eu aparecia, me sentia desconfortável e inseguro em relação à minha aparência. Não conseguia rir em público ou sem colocar a mão na boca, e na adolescência começaram as dores e estalos constantes.”
Seu diagnóstico veio rápido: embora o uso do aparelho odontológico tenha se iniciado apenas para correção da mordida, o primeiro profissional já notou o quadro de retrognatismo com face curta. Durante o diálogo com a ortodontista, Lucas se queixou da dificuldade de mastigação e das dores, e relembra que a condição atrapalhava até mesmo a realização da manutenção do aparelho.
Em 2020, após indicação da sua dentista de referência, Lucas procurou um cirurgião bucomaxilofacial particular. “Só quando passei com um especialista é que entendi de fato o que era o meu caso. Ele me explicou que se tratava de uma condição muscular e óssea, e que por isso eu só poderia retirar o aparelho após a cirurgia.”
Pelo alto custo para manter o tratamento privado, Lucas migrou para o SUS, onde encontrou certa dificuldade de conseguir uma consulta com o especialista diretamente pela Unidade Básica de Saúde (UBS) do seu bairro, na Grande São Paulo. “Dei sorte, pois como precisei retirar o dente do siso e obrigatoriamente passar com um cirurgião dentista, consegui com que ele fizesse o encaminhamento, o que agilizou o processo. Só consegui retornar em consulta com o bucomaxilofacial do posto agora, em 2022”, desabafa.
Lucas espera realizar a cirurgia até o início de 2023.
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Pós-operatório e recuperação
A recuperação envolve repouso total e é gradativa, podendo totalizar até seis meses. As primeiras 48 horas são fundamentais. “Nesse intervalo, o paciente deve permanecer em repouso total, manter a cabeça mais elevada que o corpo para evitar inchaço e sangramento, e fazer uma compressa com gelo na região”, explica Ingrid Carvalho.
Atividades físicas de muito esforço ou esportes de contato devem ser evitadas por pelo menos um mês, e a cirurgia pode ser contraindicada para pessoas com doenças descompensadas, como diabetes e hipertensão – tudo isso deve ser conversado no pré-operatório, com a equipe multidisciplinar, que pode envolver também fisioterapeutas, fonoaudiólogos e até mesmo psicólogos.
O acompanhamento odontológico também deve ser mantido nos primeiros meses, para que seja planejada a retirada do aparelho.
Para Denise, a cirurgia foi um divisor de águas. “Me sinto ótima. A cirurgia ortognática foi a solução para a minha assimetria óssea. Além de melhorar a respiração, o zumbido no ouvido e estalos na mandíbula. Sem contar a melhora na autoestima.”
*O sobrenome do entrevistado foi ocultado para preservar sua identidade.
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