Assim como o resto do corpo, o cérebro também envelhece. Alguns hábitos, porém, podem tornar esse processo mais saudável. Entenda.
“Qualquer idiota consegue ser jovem. É preciso muito talento para envelhecer”, disse certa vez o desenhista e escritor Millôr Fernandes. Nascer, amadurecer e morrer. Esse é o ciclo natural da vida. Mas, nesse meio tempo, são anos de amadurecimento. Aqueles que têm a chance de envelhecer, veem de perto o envelhecimento não apenas do corpo, mas também da mente.
Até hoje, há inúmeras dúvidas sobre os mecanismos que nos fazem envelhecer de fato. O envelhecimento do cérebro é um processo natural, porém peculiar. Se nossas células da pele se renovam em intervalos de 28 a 40 dias, as do cérebro não seguem essa mesma regra, como explica o dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional do Hospital Israelita Albert Einstein (SP) e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“O envelhecimento do cérebro é bastante peculiar, pois boa parte dos neurônios são células tão diferenciadas (e especializadas), que sua idade é equivalente à idade da própria pessoa, isto é, eles não são substituídos ao longo da vida.”
O que muda no cérebro envelhecido?
Primeiro, precisamos lembrar que o funcionamento do cérebro se dá por um conjunto complexo de mecanismos. Sua atividade está diretamente ligada à presença de neurônios e da transmissão de informação entre eles, realizada pelos neurotransmissores. O órgão é dividido em quatro lobos principais: occipital, parietal, frontal e temporal. Os dois últimos, importantíssimos para o desempenho de funções cognitivas (raciocínio, percepção, linguagem e memória), são também os mais afetados pela redução neuronal natural causada pelo envelhecimento.
Além da redução neural e consequente diminuição de volume cerebral, o passar dos anos provoca outra alteração importante: a diminuição das conectividade entre os neurônios. Não à toa, quem envelhece percebe um raciocínio mais letárgico e uma maior dificuldade de processar e armazenar informações.
O envelhecimento afeta, ainda, a irrigação sanguínea do órgão. A diminuição do fluxo sanguíneo é maior em pessoas tabagistas ou que tiveram doenças crônicas não controladas, como hipertensão arterial, colesterol alto e diabetes mellitus.
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Hábitos ou idade: quem é responsável pelo envelhecimento?
Essa é uma pergunta difícil, cercada de variantes. De forma simples, a ideia mais aceita atualmente é de que tanto a idade quanto os hábitos ao longo da vida são responsáveis pelo envelhecimento do corpo e da mente. O dr. Valadares reflete sobre essa questão.
“Seria o envelhecimento um processo natural pré-programado no material genético dentro de nossas células, ou apenas o resultado do tempo de vida de nossas células sofrendo com o acúmulo de lesões causadas por toxinas, esforços, entre outros? Independentemente da resposta definitiva a uma questão tão importante, sabemos que existem inúmeros elementos no ambiente e mesmo em nosso próprio organismo que podem levar a um envelhecimento cerebral precoce.”
Segundo o neurocirurgião, fatores como tabagismo e a preexistência de doenças como hipertensão arterial e lesões vasculares no cérebro estão associadas a uma maior incidência de demências e de dificuldades cognitivas, constatadas em testes que avaliam o envelhecimento do cérebro.
Além disso, algumas doenças genéticas podem provocar um envelhecimento precoce que pode atingir todo o organismo, incluindo o cérebro, como a síndrome de Werner, a progeria do adulto, e a síndrome de Down ou trissomia do cromossomo 21.
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Demências
Demência é o nome dado ao conjunto de alterações cognitivas como perda de memória, inteligência, raciocínio, capacidade de se comunicar e se relacionar, personalidade e habilidades, como explica o dr. Valadares.
Elas são provocadas principalmente pelo processo de degeneração do cérebro, ou seja, a perda de células do sistema nervoso. Mas também podem ser provocadas por lesões externas, como nas demências vasculares em que problemas como pequenas isquemias acumuladas ao longo do tempo levam à perda de neurônios e diminuição nas conexões entre eles.
Atualmente, as doenças neurodegenerativas mais comuns ao envelhecimento são:
- Alzheimer: responsável por até 70% dos casos de demência, é mais frequente após os 65 anos de idade. Mesmo nos estágios iniciais, já provoca sintomas cognitivos. Nas fases mais avançadas, pode comprometer também funções motoras e vitais do organismo.
- Parkinson: compromete principalmente as funções motoras, com tremores, rigidez e lentificação do movimento; mas os pacientes também podem apresentar quadros de demência. Pessoas com mais de 60 anos são as mais atingidas.
Uma das grandes questões em torno das demências é que, uma vez iniciados os sintomas, é difícil encontrar terapias e medicamentos que bloqueiem a evolução dos sintomas ou revertam os danos já causados.
“Toda dificuldade de encontrar tratamentos para doenças neurodegenerativas passa por identificar a verdadeira origem do problema e como fornecer tratamentos (sejam eles medicamentos ou dispositivos) que atuem com especificidade suficiente para um órgão tão complexo como o cérebro, sem afetar estruturas que não estão doentes.”
No caso do Parkinson e do Alzheimer, parece-se conhecer o mecanismo das doenças, mas pouco se sabe sobre o gatilho que desencadeia a manifestação dos sintomas (exames já permitem a identificação do traço genético de ambas, mas ter o traço não significa necessariamente estar destinado a manifestar a doença), o que dificulta o desenvolvimento de tratamentos específicos e eficientes.
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Suplementos
Basta espiar a prateleira de uma farmácia para se deparar com um repertório imenso de suplementos, para tudo o que desejar, incluindo a melhora de atividades cognitivas. Entre os mais vendidos como potencializadores do cérebro estão o magnésio, vitaminas do complexo B e ômega 3. Diante de tantas opções e promessas, é fácil se sentir atraído. Mas, como diz o ditado, nem tudo que reluz é ouro. O médico ressalta:
“Em qualquer tipo de suplementação, a situação deve ser avaliada caso a caso, com orientação médica e nutricional. Ainda não está claro se consumir estes suplementos além das refeições pode auxiliar de fato no funcionamento do organismo, a não ser que o indivíduo tenha uma insuficiência nutricional que não pode ser resolvida apenas com a alimentação.”
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É possível prevenir o envelhecimento do cérebro?
Até o momento, não. De acordo com o especialista, não há nenhuma forma comprovada cientificamente que previna o envelhecimento do órgão. O que é possível fazer é adotar hábitos mais equilibrados ao longo da vida, para que esse processo ocorra de maneira saudável.
Entre as recomendações para um cérebro mais sadio, estão uma alimentação balanceada, a prática de atividades físicas, e evitar o abuso (e, se possível, o consumo) de substâncias como álcool e outras drogas.
“O abuso de substâncias como álcool e drogas ao longo da vida pode, inclusive, causar um envelhecimento precoce. Temos visto um aumento significativo de jovens com problemas demenciais causados por esses excessos nos últimos anos. No caso do álcool, especificamente, podem ocorrer alterações profundas nos neurotransmissores”, chama a atenção o médico.
Além disso, alimentos ricos em açúcares e ultraprocessados também podem provocar mudanças no cérebro, como alterações na capacidade cognitiva em qualquer idade e aumento na atividade inflamatória, afetando especialmente pessoas idosas.
Atividades físicas e a saúde do cérebro
Os benefícios são tanto diretos quanto indiretos. Pesquisas indicam que a prática de atividade física moderada está associada a menores índices de atrofia do cérebro. Além disso, o hábito também ajuda na prevenção de doenças crônicas que podem vir acompanhadas de complicações que afetam o cérebro, como hipertensão, diabetes e outras.
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Cuidados com o cérebro durante o envelhecimento
As principais estratégias para evitar problemas neurológicos não são tão diferentes das estratégias de saúde em geral, como cuidados físicos, estímulos intelectuais (ler, estudar, escrever, etc.), prevenção de doenças crônicas e evitar hábitos como tabagismo e abuso de substâncias.
“Ainda nesta linha, um check-up clínico a partir dos 40 anos pode ser mais útil do que uma avaliação neurológica precoce para toda a população. No entanto, se a pessoa apresenta sintomas cognitivos como perdas de memórias ou dificuldade de concentração, ou tem histórico familiar de doenças neurodegenerativas, uma avaliação neurológica pode ser importante em qualquer idade”, finaliza o doutor.
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