Coma: o que é, causas e recuperação

close em braço de mulher em coma, na cama de hospital, com soro na veia

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Publicado em: 31 de agosto de 2022

Revisado em: 8 de setembro de 2022

O coma pode ser causado por diferentes condições de saúde. Saiba o que acontece durante esse estado e como é a evolução do paciente. 

 

Era quinta-feira, 10 de outubro de 2002, quando um caminhão bateu na traseira do carro do consultor de negócios Ailton Oliveira, na época com 25 anos. Sem cinto, Ailton bateu a cabeça no para-brisa do veículo, teve um traumatismo cranioencefálico e fraturou o maxilar. Só acordou no hospital, depois de 20 dias em coma. 

O coma é um estado de sono profundo do qual a pessoa não pode ser despertada, mesmo com estímulos dolorosos, sonoros ou visuais. Ela fica de olhos fechados e não tem nenhuma interação com o ambiente. Mas atenção: é preciso diferenciar o coma de um quadro de síncope. A diferença está no tempo. 

“Uma pessoa que desmaia ou tem uma crise convulsiva, por exemplo, pode perder a consciência de forma rápida, por alguns segundos ou minutos. A gente chama isso de síncope. Mas, quando isso se mantém – a partir de seis horas de alteração do nível de consciência, em que o paciente não desperta, não acorda –, a gente chama de coma”, explica o dr. Saul Almeida da Silva, médico neurocirurgião e diretor da Emergência Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

 

Causas do coma

Existe uma série de situações que podem levar ao coma. As principais (e geralmente mais graves) são lesões que atingem diretamente o cérebro, como traumatismos (quando o paciente bate a cabeça), acidente vascular cerebral (AVC) – tanto o isquêmico quanto o hemorrágico –, tumores e infecções cerebrais. 

Além disso, o coma também pode ter causas metabólicas, como hipoglicemia (redução da glicose no sangue), hipóxia (redução de oxigênio, como no caso de um afogamento ou inalação de fumaça) e uso de substâncias, como álcool ou medicações. Uma pessoa que sofre uma overdose, e permanece inconsciente por muito tempo, está em coma. 

Vale destacar que os riscos e a possibilidade de recuperação estão associados à causa do coma e não ao estado de coma em si. Por exemplo, um coma causado por hipoglicemia normalmente é revertido mais rapidamente. Já no caso de um traumatismo ou derrame, o coma pode durar semanas ou até meses, e o risco de óbito é maior.  

        Veja também: Hipoglicemia merece atenção e deve ser tratada

 

Coma induzido

O coma induzido é um coma causado pelo uso de sedativos. É o que acontece durante uma cirurgia feita com anestesia geral, por exemplo. “Quando o anestesista aplica uma medicação, ele está induzindo um coma, está gerando um estado de alteração do nível de consciência. O paciente não pode ser despertado, mas não é por uma lesão, e sim pelo efeito da medicação. Estruturalmente o cérebro dele continua intacto”, afirma o especialista. 

Existem situações em que o coma induzido também é um recurso utilizado no tratamento do traumatismo. Um paciente que bateu a cabeça, por exemplo, pode ter um quadro de aumento da pressão dentro do crânio, e uma das formas de reduzir essa pressão é através do coma induzido. 

 “A gente dá um sedativo potente para que o cérebro tenha menos metabolismo. Você deixa as células do cérebro com menos atividade, e isso reduz a pressão intracraniana. Então, o coma induzido pode ser um tratamento nos casos de trauma de crânio. Às vezes a gente deixa o paciente sedado em coma induzido por algum tempo”, completa. 

Ailton ficou 13 dias em coma e depois mais 7 dias em coma induzido devido ao traumatismo que sofreu. “Foi difícil, mas só sei porque minha mulher e pessoas próximas me contaram. Perdi a memória recente e não lembrava e nem guardava as coisas de um dia para o outro. Eu esqueci de tudo e de todos. Sentia muita dor de cabeça”, conta ele. 

        Veja também: Quais são os tipos de anestesia e sedação mais utilizados? 

 

Escala de coma de Glasgow

A escala de coma de Glasgow é uma ferramenta que foi criada para avaliar o paciente com traumatismo craniano. “Hoje em dia ela é utilizada em basicamente toda a medicina, porque é uma escala muito fácil de ser aplicada, e acabou sendo difundida, mas ela originalmente foi feita para avaliar o paciente que bateu a cabeça”, conta o dr. Saul. 

A escala avalia três itens: abertura ocular (capacidade de abrir os olhos), resposta verbal (capacidade de falar) e resposta motora (capacidade de obedecer a comandos como levantar a mão, mexer a perna etc.). Para cada um desses itens existe uma pontuação de no mínimo 1 e de no máximo 5 pontos. A pontuação total vai de 3 a 15 pontos, sendo 15 a pontuação de um paciente totalmente consciente, e 3 a pontuação de um paciente no estado de coma mais profundo. 

“A gente classifica de acordo com a resposta. Por exemplo, o paciente não abre o olho, não fala nada, mas, quando eu o estimulo, ele faz algum movimento, mexe o braço, mexe a perna. Ele é diferente do paciente que não tem nenhum movimento. Se um paciente está em Glasgow 3, ele está mais grave do que o paciente que está em Glasgow 6 ou 8.”

Considera-se que está em coma a pessoa com pontuação igual ou menor que 8. Acima desse valor, pode haver um nível de consciência alterado, mas que não caracteriza coma. 

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O cérebro durante o coma

Segundo o médico, acredita-se que o cérebro em estado de coma não tenha atividade no córtex cerebral, que é a parte relacionada à consciência. “Então, o paciente não tem percepção do meio ambiente, não tem nível de consciência, não sente dor, não tem percepção sobre si mesmo. Ele tem um quadro de sono profundo e não tem nenhuma percepção”, afirma.

O paciente também não sonha. Em um estado normal, enquanto dormimos, nosso cérebro tem atividade cerebral. Ele continua funcionando normalmente durante o sono, mas não é o que acontece durante o coma. O paciente fica completamente desconexo. 

“A partir do momento em que a pessoa começa a melhorar, uma das primeiras áreas que têm retorno das atividades é a área auditiva. Por isso, a gente sempre estimula que a família converse com o paciente, porque, caso já tenha algum indício de melhora do quadro, ele pode começar a ouvir, pode começar a ter esse estímulo sonoro”, completa. 

Quando a pessoa acorda do coma, em alguns casos, pode acontecer de ela não se lembrar do motivo de ter ido para o hospital. É a chamada amnésia retrógrada. Ailton também passou por isso. “Quando acordei, eu não me lembrava de nada do acidente, eu achava que o meu carro estava na garagem. Fiquei muito agitado e nervoso, inquieto. Para mim foi uma experiência muito estranha. Eu lembrava do meu passado, mas do dia após o acidente, esqueci tudo e só sei porque as pessoas me falaram”, conta. 

Saul destaca que nos casos graves, quando a recuperação é demorada, também é muito comum que o paciente, depois de melhorar, não se recorde da fase de recuperação. “Depois de algum tempo ele não consegue lembrar desse período em que estava se recuperando. É muito comum a gente ver isso, o paciente falar: ‘olha, eu fiquei seis meses internado, mas eu não lembro desse período’. A capacidade de memória nessa fase de recuperação acaba ficando prejudicada. A maioria dos pacientes não se lembra.” 

 

Evolução do coma 

De acordo com o neurocirurgião, quando um paciente está em coma, existem três classificações: 

  • Coma: o coma propriamente dito, conforme falamos acima, em que não há nenhuma resposta por parte do paciente; 
  • Estado vegetativo persistente: esse estágio é o primeiro grau de melhora do paciente; é melhor do que o coma. O paciente pode abrir os olhos, bocejar, piscar etc., mas não chega a ter consciência e nem interage com o meio; 
  • Estado minimamente consciente: esse estágio é um pouco melhor que o anterior. Além da abertura ocular, o paciente tem algum grau de consciência, consegue seguir o examinador com os olhos, por exemplo. 

Geralmente, entre o coma e o próximo estágio leva-se cerca de um mês. Existem casos em que a pessoa permanece no estágio vegetativo persistente por meses ou até anos.

“O paciente que ficou em coma grave em um primeiro momento, se não melhorar para esses outros estágios – vegetativo persistente e minimamente consciente –, geralmente vai a óbito. Ele não fica nesse estágio de coma de forma definitiva. Ou ele melhora ou ele piora”, explica o médico. 

        Veja também: Consciência no estado vegetativo

 

Recuperação após o coma

A recuperação de um coma causado por lesão cerebral costuma ser lenta. É necessário acompanhamento multidisciplinar, que, além de médicos e enfermeiros, também pode incluir fisioterapeuta, nutricionista, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, entre outros. 

Esse processo pode levar semanas, meses ou até anos, a depender da gravidade do caso. Ailton ficou quase um mês internado no hospital, mas a recuperação foi muito mais longa. 

“Tudo que ia fazer tinha alguém me acompanhando. Eu via a pessoa no dia e no outro dia esquecia que tinha falado com ela. Fui fazendo fisioterapia, trabalhando a memória, e depois de quatro anos foi normalizando tudo. Mas tive muito medo de ficar dependente de uma pessoa para tudo”, relata Ailton.

O paciente em coma é um paciente completamente dependente para todos os cuidados. E a possibilidade de melhora dele está diretamente relacionada aos cuidados que ele recebe. Se é um paciente que está em coma, mas que não recebe os cuidados adequados, ele não tem possibilidade de se recuperar. Então, é importante ter esse tratamento intensivo”, finaliza o especialista. 

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