Atualmente, existe uma variedade de métodos anticoncepcionais além da pílula. Veja na entrevista abaixo como funcionam as principais opções.
A pílula anticoncepcional começou a ser comercializada em 1960 e provocou enorme impacto não só na contracepção, mas também no comportamento sexual da sociedade como um todo. Pode-se dizer que permitiu que a mulher engravidasse quando e quantas vezes quisesse, e abriu as portas da casa para que ingressasse no mercado de trabalho.
No entanto, a pílula não é o único método anticoncepcional à disposição. Existem outros, alguns muito úteis e seguros, e o casal pode escolher o que melhor se adapta às suas expectativas e realidade. Além da camisinha masculina e feminina, pode contar com métodos de barreira como o DIU e o diafragma que, usados da maneira correta, impedem a fecundação do óvulo pelo espermatozoide. No entanto, não se pode esquecer de que, entre todos eles, só a camisinha é arma segura contra as infecções sexualmente transmissíveis e a aids.
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PRIMEIROS MÉTODOS DE BARREIRA
Drauzio – Métodos de barreira que impedem a entrada dos espermatozoides dentro do útero para evitar que atinjam as tubas uterinas e fecundem o óvulo são bastante antigos na história da medicina. Você poderia citar alguns?
Nilson Roberto de Melo – Talvez os métodos de barreira sejam os mais antigos. O primeiro relato vem do Egito Antigo, onde as mulheres utilizavam fezes secas dos crocodilos do Nilo para evitar a gravidez.
Mais tarde, Casanova que tinha um número grande de parceiras, preocupado em não deixar muitos descendentes, cortava um limão ao meio e espremia o sumo na vagina da mulher, o que tornava o Ph muito mais ácido e impedia a subida dos espermatozoides para o útero. Além disso, ele colocava a metade que tinha espremido no fundo da vagina, cobrindo o colo do útero. Isso funcionava como um capuz cervical ou um diafragma rudimentar.
Pouco antes, talvez, no reinado de Henrique IV da Inglaterra, que se relacionava com várias mulheres e andava preocupado com a sucessão do trono, foi idealizado o primeiro preservativo com finalidade contraceptiva usando o cécum retirado do intestino grosso do carneiro. Preservativos como esse, feitos com membrana animal, foram muito utilizados nos Estados Unidos, nas décadas de 1960, 1970, antes da eclosão das infecções sexualmente transmissíveis e da aids.
Há não muitos anos, a possibilidade de vulcanização da borracha e, consequentemente, o aparecimento do látex, estimularam o uso de preservativos masculinos como método contraceptivo. Mais recentemente, surgiram os preservativos femininos que não são feitos de látex, mas de um plástico bastante fino. Esse material está sendo usado, em alguns países, também nos preservativos masculinos. Qual é a vantagem do plástico? É mais fino, portanto, interfere menos na sensibilidade e permite a transmissão de calor.
Como o planejamento familiar é um direito previsto na Constituição Federal, o preservativo atende a um duplo objetivo: além de evitar a gravidez, evita as infecções sexualmente transmissíveis e a aids.
Drauzio – Os métodos de barreira são usados regularmente?
Nilson Roberto de Melo – Eu diria que, no momento, os métodos de barreira são de uso quase obrigatório, porque o ato sexual que traz prazer pode, às vezes, resultar em dois inconvenientes para a vida da mulher: a gravidez inoportuna e a possibilidade de contrair as infecções sexualmente transmissíveis e a aids. Por isso, atualmente, recomenda-se a dupla proteção, ou seja, associar um método mais eficiente do ponto de vista contraceptivo a um método de barreira que previna contra a transmissão de doenças.
PRESERVATIVO FEMININO
Drauzio –Como funciona o preservativo feminino?
Nilson Roberto de Melo – O preservativo feminino tem a forma de um cilindro com um aro em cada extremidade. Na que vai ficar no fundo da vagina, junto ao colo do útero, esse anel é fechado. Na outra é aberto e fica por fora da vagina. Por ser de plástico, o preservativo feminino não compromete a sensibilidade e, além de evitar a gravidez, ajuda a mulher a prevenir-se contra as infecções sexualmente transmissíveis e aids.
Drauzio – Como é a aceitação do preservativo feminino por mulheres e homens? Ele altera a sensibilidade e interfere no prazer?
Nilson Roberto de Melo – Não altera o prazer nem prejudica a sensibilidade. O único inconveniente é um problema, que eu chamaria de estético. Como a vagina é uma cavidade virtual, com uma parede praticamente colada à outra, a colocação do preservativo pode dar ao homem a falsa impressão de largueza da vagina e isso, talvez, interfira no seu desempenho sexual. Assim, melhor seria que a mulher colocasse o preservativo longe do parceiro.
Drauzio – É fácil colocar esse preservativo?
Nilson Roberto de Melo – Muito fácil e tranquilo. O problema da pouca aceitação no Brasil decorre de seu preço elevado. Custa mais ou menos R$11,00 a unidade. Como é um produto importado, a solução seria fabricá-lo aqui, o que certamente reduziria o preço para aproximadamente R$2,00.
PRESERVATIVO MASCULINO
Drauzio – Quando surgiu o preservativo masculino moderno?
Nilson Roberto de Melo – A camisinha moderna surgiu por volta da década de 1960, graças ao advento da vulcanização da borracha. No início, sua espessura era maior. Hoje, elas são feitas com látex muito fino e com ranhuras para reduzir o menos possível na sensibilidade. Além disso, surgiram preservativos com o que chamamos de reservatório. Em vez de um fundo cego, eles possuem na extremidade uma saculação que diminui a possibilidade de rompimento e serve de depósito quando ocorre a ejaculação.
As camisinhas que não têm essa característica requerem alguns cuidados na colocação. Com o pênis ereto, o homem deve segurar a extremidade do preservativo com uma das mãos para depois desenrolá-lo normalmente. Assim, ele ficará sem ar e com espaço para o esperma, o que evita o rompimento ou que o líquido extravase.
Na verdade, o preservativo masculino é um método contraceptivo excelente, desde que usado da maneira correta. Lamentavelmente, muitos homens o colocam de forma incorreta e utilizam, como lubrificante, a vaselina. Lubrificantes minerais ou petrolados aumentam o risco de rompimento. Por isso, são contraindicados.
O tabu de que o preservativo, tanto o masculino quanto o feminino, possa atrapalhar o élan do jogo amoroso não tem o menor sentido. Ao contrário, ele pode fazer parte desse jogo se um parceiro colocar no outro a camisinha.
Drauzio – Há dez, 20 anos, os homens eram avessos ao uso da camisinha. Antes da epidemia da aids, era raro alguém usar preservativo. Você acha que isso mudou?
Nilson Roberto de Melo – Sou de uma cidade pequena, Martinópolis, no interior de São Paulo. Nos anos 1960, 1970, quando os adolescentes iam à farmácia comprar um preservativo pediam uma roupinha de criança, porque a palavra camisinha era cercada de tabus.
Hoje, as pessoas encaram com naturalidade o uso do preservativo e não se acanham diante de uma situação como essa. As campanhas realizadas para divulgar a necessidade e as vantagens da camisinha, principalmente no período de carnaval, foram muito importantes para a mudança de atitude das pessoas em geral.
Drauzio – Infelizmente, temos uma política muito tímida para popularizar o uso da camisinha…
Nilson Roberto de Melo – Acho que as campanhas não deveriam restringir-se ao período de carnaval. Deveriam ser diárias. Como o planejamento familiar é um direito previsto na Constituição Federal, o preservativo atende a um duplo objetivo: além de evitar a gravidez, evita as infecções sexualmente transmissíveis e a aids.
Um segundo ponto a considerar é que, no Brasil, a obtenção da camisinha deveria ser facilitada como é no Japão, Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, onde basta colocar uma moeda nas máquinas instaladas em locais públicos para conseguir uma exemplar.
DIAFRAGMA
Drauzio – Outro método de barreira importante é o diafragma (imagem 1). Você poderia explicar como ele funciona?
Nilson Roberto de Melo – O melhor diafragma do mundo é o brasileiro, pois é o único feito de silicone e não de látex. Além da qualidade, é mais durável e de adaptação mais adequada ao colo uterino. Ele tem a forma aproximada de uma concha cujas bordas são presas a um aro flexível que, pressionado, reduz de tamanho. Isso facilita sua colocação no fundo da vagina para recobrir a entrada do útero.
De preferência, o diafragma deve ser usado com um espermaticida, ou espermicida, como alguns preferem, que além de ser colocado no interior da concha deve ser espalhado por toda a vagina. A associação do diafragma com o espermicida faz dele um método contraceptivo cujo índice de falha, por ano, gira em torno de duas a seis mulheres em cada cem. Isso quer dizer que, se considerarmos cem mulheres que utilizam esse método contraceptivo, independentemente das relações sexuais serem diárias ou semanais, de duas a seis ficarão grávidas por ano.
O diafragma é um método inócuo, com ação apenas local, diferente dos que utilizam hormônios, pois esses agem no corpo todo da mulher. Embora não evite as infecções sexualmente transmissíveis, evita que bactérias penetrem no útero e provoquem a doença inflamatória pélvica que pode levar à obstrução das tubas e, consequentemente, dificultar a gravidez.
Drauzio – Você disse que, em cada cem mulheres que usam o diafragma, de duas a seis podem engravidar. Qual é o índice de mulheres que engravida nesse período quando o método contraceptivo utilizado é a camisinha?
Nilson Roberto de Melo – Os índices de falha variam de 0,9 a 23 por cem casais/ano. Essa oscilação denota que, de modo geral, o homem não utiliza de forma correta a camisinha, haja vista que 0,9 foi um valor obtido num estudo da Inglaterra, considerando casais com 35 anos ou mais, prole constituída, bom nível cultural e de educação e bem treinados. Já o índice de 23 falhas foi registrado em Nairóbi , no Quênia, provavelmente porque os homens não receberam nenhum treinamento sobre o modo de usar o preservativo. A experiência indica que, com treinamento adequado, o índice talvez caia para entre quatro e seis casos por cem casais/ano.
O tabu de que o preservativo, tanto o masculino quanto o feminino, possa atrapalhar o élan do jogo amoroso não tem o menor sentido. Ao contrário, ele pode fazer parte desse jogo se um parceiro colocar no outro a camisinha.
DISPOSITIVO INTRAUTERINO
Drauzio – Quando o DIU começou a ser usado como contraceptivo?
Nilson Roberto de Melo – O primeiro relato sobre um dispositivo intrauterino elementar foi feito por Avicena, no século 6 d.C. Se as camelas engravidassem durante a travessia do deserto, os árabes das caravanas morreriam. Então, para evitar que isso acontecesse, colocavam, no útero desses animais, pedras que funcionavam como contraceptivo.
Depois, no século 17, a estratégia era colocar pequenos objetos no interior ou no colo do útero. Mulheres da nobreza, por exemplo, podiam ter o útero cravejado de esmeraldas e brilhantes.
Entre 1930 e 1939, simultaneamente, Grafenberg, na Alemanha, e Ota, no Japão, idealizaram um dispositivo para ser colocado no interior do útero, mas os relatos de infecção fizeram com que fosse abandonado durante a Segunda Guerra Mundial.
Na verdade, o grande marco na utilização do DIU moderno foi o ano de 1960, o mesmo em que a pílula anticoncepcional começou a ser comercializada. Numa reunião em Nova York, um pesquisador chamado Oppenheimer mostrou a importância que o DIU teria na anticoncepção. Nessa época, o dispositivo idealizado era de plástico e parecia uma serpentina. Esse plástico continha bário, portanto podia ser radiografado. Como não existia ultrassom, ser radiopaco era importante para verificar se não havia nenhuma perfuração no útero. O DIU possuía, também, uma cauda que ficava fora do colo uterino e ajudava a ver se estava no lugar.
Drauzio – E os DIUs mais modernos, o que têm de diferente?
Nilson Roberto de Melo — O DIU moderno feito com cobre foi idealizado por Jaime Zíper, um chileno ainda vivo. Os antigos eram grandes e provocavam muita cólica e muito sangramento. A redução do tamanho e a colocação de cobre afastaram esses inconvenientes e reduziram a taxa de gravidez. Em forma de T, com 380 milímetros quadrados de cobre, seu índice de falha está entre 0,5 e 0,6 casos por cem mulheres/ano (imagem 2).
Drauzio – Como o DIU é colocado?
Nilson Roberto de Melo – De preferência, o DIU deve ser colocado no período menstrual por razões bastante simples. Primeira, porque a mulher não está grávida; segunda, porque está sangrando e o colo do útero fica mais amolecido.
Com o histerômetro (hístero significa útero e metro, medida), o médico mede o comprimento do útero. Vamos supor que tenha dado 8 cm. Como o dispositivo vem acompanhado de uma escala, ele introduz o DIU no fundo do útero da mulher respeitando essa medida e retira o êmbolo que utilizou na colocação, deixando apenas a cauda do lado de fora. O passo seguinte é verificar se o dispositivo está intraútero ou não. Atualmente, esse controle foi facilitado pela ultrassonografia, uma técnica mais precisa e segura de observação.
Como a colocação do DIU, às vezes, é um pouco dolorosa, preconiza-se tomar um anti-inflamatório ou antiespasmódico uma ou duas horas antes.
A vontade da mulher é o primeiro ponto que deve ser levado em conta para orientar a escolha do método contraceptivo.
Drauzio – Não há necessidade de anestesia?
Nilson Roberto de Melo – Em geral, é colocado sem anestesia.
Drauzio – Se, um dia, a mulher quiser retirar o DIU é só puxar esse fio?
Nilson Roberto de Melo – Basta prender o DIU com uma pinça especial e tracionar que ele sai.
Drauzio – Quanto tempo o DIU pode permanecer dentro do útero de uma mulher?
Nilson Roberto de Melo – Já foi provado que o DIU pode permanecer por 12 anos no interior do útero com altíssima eficácia. No entanto, ele pode acarretar alguns inconvenientes como o aumento do sangramento durante a menstruação e do período menstrual em torno de um dia. Esses sintomas são mais comuns nos primeiros três meses. Depois, a tendência é a normalização do tempo e da intensidade do sangramento e o desaparecimento da cólica menstrual.
Drauzio – Qual é o preço dos DIUs modernos?
Nilson Roberto de Melo – Os modernos, feitos de cobre, custam mais ou menos R$50,00 e a taxa que o médico cobra para colocá-lo varia de um profissional para outro. Se considerarmos, porém, que pode ser mantido no útero durante 12 anos, é um preço ridículo.
Em termos populacionais, ele pode sair para os órgãos governamentais até por um dólar, porque a quantidade necessária é tão grande que faz cair o preço. Se pensarmos o que isso representa para a saúde pública, é um valor absolutamente irrisório.
Drauzio – Como funcionam os DIUs que contêm hormônio?
Nilson Roberto de Melo – Os dois principais hormônios femininos são o estrogênio, responsável pelas características femininas, como o crescimento das mamas, por exemplo, e a progesterona, produzido depois da ovulação para assegurar a manutenção de uma possível gravidez. O DIU que contém hormônio (registrado pela cor verde na imagem 3) pode ficar durante cinco anos dentro do organismo da mulher e o modo de colocação é semelhante ao do tradicional. Muda apenas um pouco o tipo de aparelho de inserção.
O hormônio que utiliza é derivado da progesterona, chamado levonorgestrel – por isso, é conhecido como DIU de progestagênio ou levonorgestrel – e a quantidade liberada dentro do útero é de dez a 20 vezes maior do que na corrente sanguínea. Portanto, sua ação é local e os efeitos colaterais são mais raros. A pílula não é o único método anticoncepcional à disposição. Existem outros, alguns muito úteis e seguros, e o casal pode escolher o que melhor se adapta às suas expectativas e realidade.
Como a progesterona pode tornar mais fina a camada que reveste o útero, ou seja, o endométrio, a tendência é que de 30% a 40% das mulheres deixem de menstruar depois de um ano usando esse tipo de DIU e outros 30% apresentem sangramentos frequentes que duram mais do que 14 dias. Portanto, o intervalo entre um e outro fica reduzido a apenas 15 dias.
Drauzio – Qual a vantagem do DIU com hormônio em relação ao que não contém?
Nilson Roberto de Melo – Por liberar um derivado da progesterona, em geral, esse DIU melhora as cólicas menstruais, o que é um ponto a seu favor. Além disso, é indicado para mulheres com sangramento abundante durante a menstruação, para as portadoras de miomas ou de endometriose, doença que dificulta a gravidez, porque provoca a atrofia da camada interna do útero.
Embora o médico não possa prometer a ausência total da menstruação, ele é adequado para as mulheres que não querem mais menstruar, pois no final do primeiro ano de uso, de 30% a 40% delas param de menstruar e, no final do segundo, essa porcentagem sobe para 50%, 60%.
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ESCOLHA DO MÉTODO
Drauzio – São tantas os métodos anticoncepcionais (pílulas, diafragma, DIU com e sem hormônio, camisinha) que não deve ser fácil a mulher escolher o mais adequado para ela. É o médico que escolhe?
Nilson Roberto de Melo – Acho importante o médico informar a mulher sobre todos os contraceptivos que existem, quais suas vantagens e desvantagens e os índices de falha que ocorrem com cada um deles. É diferente a mulher que fala: “Estou pretendendo engravidar daqui a um ano, mas tudo bem se ocorrer agora”, da que diz: “Tenho três filhos e não quero engravidar de jeito nenhum”.
A vontade da mulher é o primeiro ponto que deve ser levado em conta para orientar a escolha do método contraceptivo. No sistema público de saúde, por exemplo, no Hospital das Clínicas, elas recebem uma aula sobre os diferentes métodos, e só depois passam com os médicos que vão examiná-las e discutir com elas qual melhor se adapta ao seu caso. A decisão final, porém, é sempre da mulher, porque o pior método é o que ela não deseja e o melhor é o que ela prefere.
Felizmente, nos últimos dez anos, houve uma ampliação da oferta dos métodos contraceptivos, o que permitiu às mulheres o exercício da sexualidade sem medo do aspecto reprodutivo. Cabe a elas dizer quando e quantos filhos querem ter. A pílula anticoncepcional é considerada hoje um dos dez medicamentos que maior impacto causou na sociedade, porque permitiu a revolução feminina, uma vez que a mulher pode sair de casa para trabalhar fora, o que era impossível quando emendava uma gravidez na outra.
Site: www.contracepcao.org.br