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Queda da cobertura vacinal contra sarampo evidencia falhas na política de saúde

Mãe segurando bebê para tomar vacina contra sarampo. Houve aumento da mortalidade infantil e materna
Publicado em 16/10/2018
Revisado em 11/08/2020

Número de casos é o maior desde 2014. Queda da cobertura vacinal contra sarampo pode aumentar o índice de mortalidade infantil.

 

Retomar os níveis de cobertura vacinal que eram obtidos antes de 2016 é urgente para órgãos de saúde no Brasil. A baixa cobertura é apontada como um dos fatores responsáveis pela epidemia de sarampo que atingiu, em 2018, oito Estados brasileiros, com 1.935 casos confirmados até o dia primeiro de outubro. Esse número é nove vezes maior comparado a 2015, quando ocorreram os últimos casos da doença no País que totalizaram 214 registros. A volta do sarampo também conta para o aumento da mortalidade infantil. Apenas neste ano, a circulação do vírus (genótipo D8) levou a óbito seis crianças, sendo cinco menores de 1 ano de idade.  

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a eliminação da doença no País, mas de fevereiro a agosto de 2018 o número de suspeitas e de casos confirmados aumentou mês a mês, com destaque para dois surtos nos Estados de Amazonas e Roraima. Nessas regiões, nos seis primeiros meses, parte dos casos (65,7%) estava relacionada a pacientes imigrantes refugiados da Venezuela, não vacinados em seus locais de origem. O país vizinho enfrenta um surto de sarampo desde 2017, com 1.427 casos. Alguns casos isolados e relacionados à importação foram identificados: Rio de Janeiro (18), Pará (14), São Paulo (3), Rondônia (3), Rio Grande do Sul (33), Sergipe (4) e Distrito Federal (1).  

Para evitar a proliferação da doença, a OMS recomenda a imunização de pelo menos 95% da população em todos os municípios com a primeira e a segunda doses da vacina. Em 2017, a cobertura vacinal nacional da primeira dose de sarampo foi de 84,9%, e a da segunda dose, de 71,5%. “Os programas de imunização implementados nas últimas décadas eliminaram muitas doenças, como o sarampo, a rubéola e a pólio, fazendo com que as gerações mais jovens não tenham a percepção da gravidade que essas doenças representam. Esse fenômeno fez com que houvesse um natural relaxamento por parte dos pais na atualização das vacinas indicadas no calendário de imunização. Os movimentos antivacinas, motivados por informações falsas (fake news), associando de maneira leviana doenças crônicas às vacinas e atribuindo a elas eventos adversos inexistentes, também tiveram papel relevante na queda de cobertura”, avalia o dr. Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

 

Veja também: Dr. Drauzio escreve sobre a dificuldade no combate ao sarampo na Europa

 

Como medida de aumento da cobertura vacinal, o Ministério da Saúde lançou a Campanha Nacional de Vacinação contra Poliomielite e Sarampo entre os dias 6 e 31 de agosto. Mesmo assim, a meta de 95% não foi alcançada, e a campanha foi prorrogada até 14 de setembro. Segundo balanço do MS, até meados de agosto os Estados do Amazonas e Roraima, locais com maior número de casos registrados, permaneciam com a menor cobertura. O Amazonas apresentava 3,24% do público-alvo vacinado, e Roraima, 3,60%. Em 2017, a cobertura de Roraima referente às duas doses de sarampo foi de 88%, e o Amazonas registrou 65%. Com apenas uma dose, os números ficaram em 88% e 84%, respectivamente. O especialista da SPSP avalia que algumas limitações específicas prejudicaram o sucesso da vacinação. “Contribuíram também as dificuldades encontradas por muitas famílias, especialmente as menos privilegiadas economicamente, de acesso aos serviços de saúde, por conta de desabastecimento de alguns imunobiológicos, horários limitados de funcionamento dos postos de saúde e infraestrutura precária”, aponta.

 

Falhas no sistema de saúde e na vigilância epidemiológica

 

O número de casos de sarampo em 2018 (1.935) é o maior em 20 anos. Em 1998 foram 2.781 casos, quase metade deles no Sul (1.046). O último registro ocorreu em 2015, com 214 casos, e no ano seguinte a OMS considerou a doença erradicada do País, já que não se registraram mais casos dentro de um ano. Tendo em vista esse quadro, muitos especialistas e instituições questionaram por que regredimos em tão pouco tempo. Em nota, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) se manifestou preocupada com a queda da cobertura vacinal entre as crianças. Dados do Programa Nacional de Imunização (PNI) apontam essa redução entre 2015 e 2017. Nesse período, a cobertura com a primeira dose de tríplice viral (que inclui a imunização contra o sarampo), por exemplo, caiu de 96,1% para 86,7%.

Em contrapartida, o Ministério da Saúde diz que os recursos destinados à área de vacinação são crescentes. Em 2015, foram investidos R$ 33,6 milhões em campanhas. Em 2017, foram R$ 53,6 milhões e, até junho de 2018, R$ 31,9 milhões. Até o fim deste ano, estima-se que mais R$ 40 milhões serão investidos em ações, totalizando R$ 71,9 milhões. O MS menciona a realização de ações de imunização entre janeiro a agosto de 2018. Nesse período, foram distribuídas 11.678.260 doses da tríplice viral para atender a demanda. Sete Estados receberam as vacinas: Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco.

Importante destacar que a vacina de sarampo é de elevada eficácia contra a doença. Estima-se que após duas doses da vacina os indivíduos obtenham aproximadamente 97% de proteção.

Mas a questão não se resume apenas à quantia de doses aplicadas e ao investimento em campanhas. A Abrasco aponta falhas na busca ativa e na investigação epidemiológica, destacando a importância da participação do setor privado na notificação de casos. A entidade defende o maior envolvimento do setor na notificação de casos suspeitos devido ao alto risco de brasileiros que viajam para outros continentes terem contato com a doença;  essa população muitas vezes usa a rede particular de saúde. Também entram em pauta considerações importantes no planejamento de contenção, como a falta de uma retaguarda laboratorial mais ágil para descartar ou confirmar os casos suspeitos e, assim, realizar ações com mais racionalidade.

A rapidez no enfrentamento é fundamental no caso de enfermidades como o sarampo. Estratégias como isolar pessoas infectadas não são eficazes porque a transmissão pode ocorrer antes de surgirem os primeiros sinais mais visíveis da doença, como os exantemas (manchas na pele), e continua por alguns dias após eles sumirem. Segundo a Abrasco, a política de eliminação do sarampo frente a um caso suspeito deve contemplar a vacinação de todos os contatos (em casa, no trabalho ou escola) o mais breve possível, o que não foi padrão nas campanhas.

 

Veja também: Entrevista com especialista sobre sarampo

 

Balanço do número de casos de sarampo no Brasil

 

Após o fim da Campanha Nacional de Vacinação contra o sarampo e poliomielite, em setembro, o Ministério da Saúde anunciou que atingiu a meta de vacinação de 95,4% das crianças de 1 a menores de 5 anos. Outro balanço divulgado pelo MS no dia 3 de outubro registrou o aumento da cobertura vacinal para sarampo (97,7%) e poliomielite (97,9%), com 15 Estados atingindo a meta de vacinação para as duas vacinas. Mas os casos de sarampo continuam monitorados, pois o Brasil ainda enfrenta dois surtos, ainda no Amazonas (1.525 casos e 7.873 em investigação) e Roraima (330 casos e 101 em investigação).

No total, nove mortes por sarampo, sendo quatro em Roraima, no município de Boa Vista (duas crianças e um adulto venezuelanos e um brasileiro). No Estado do Amazonas houve quatro óbitos, sendo um deles um lactente de 7 meses não vacinado.

O Estado de São Paulo teve um caso fora do padrão neste ano que chamou atenção. Uma médica infectada que viajou para o Oriente Médio e ficou doente mesmo sendo vacinada. Esse é um caso considerado atípico. “Importante destacar que a vacina de sarampo é de elevada eficácia contra a doença. Estima-se que após duas doses da vacina os indivíduos obtenham aproximadamente 97% de proteção. Há casos raros de falha, provavelmente é o caso dessa médica”, explica Sáfadi.

Entre os pacientes no Brasil, as crianças de 6 meses a 4 anos são as mais acometidas pelo sarampo, representando 64% dos casos. O sarampo é uma das principais causas de mortalidade infantil, visto que crianças pequenas apresentam o sistema imunológico ainda em formação. A cada mil crianças infectadas pela doença, prevê-se a ocorrência de uma ou duas mortes, provocadas por complicações respiratórias e neurológicas. Incluem-se ainda outras complicações comuns que podem piorar o prognóstico, como otite média aguda, broncopneumonia, laringotraqueobronquite (obstrução aguda de vias aéreas superiores) e diarreia. Por isso, todas as crianças entre 1 ano e menores de 5 anos de qualquer região do país devem ser levadas aos postos de vacinação, independentemente da situação vacinal anterior.  

 

Veja também: Aumento do número de casos de sarampo nas Américas preocupa autoridades

 

Quem deve ser vacinado contra o sarampo?

 

O sarampo é uma doença infecciosa de fácil contágio. Estima-se que 9 em cada 10 pessoas vulneráveis desenvolvam a doença em situações de contato com secreções transmitidas pela tosse e espirro de um paciente infectado. A única forma de prevenção é por meio da vacina aplicada em clínicas privadas ou postos de saúde.

O Ministério da Saúde reforça que todos os pais e responsáveis devem ter o compromisso de atualizar as cadernetas de vacinação dos filhos, em especial das crianças menores de 5 anos, que devem ser vacinadas conforme o Calendário Nacional de Vacinação.  

A vacina contra o sarampo deve ser aplicada em duas doses: a primeira a partir do 12º mês de vida da criança e a segunda entre os 15 e 24 meses, de acordo com a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm). Exceção feita às mulheres grávidas e aos indivíduos imunodeprimidos, adultos que não foram vacinados e não tiveram a doença na infância também devem ser imunizados.

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