O contato com a água de enchente pode causar doenças graves, como leptospirose. Leia na coluna de Mariana Varella.
O Rio Grande do Sul (RS) vive uma das maiores tragédias da história, com inundações que já afetaram mais de 80% dos municípios do estado.
Embora a catástrofe no RS possa ser considerada um evento extremo, são cada vez mais comuns fenômenos causados pelo aquecimento global, provocado graças à emissão crescente de determinados gases (metano, dióxido de carbono etc.) gerados com atividades como queima de combustíveis fósseis, uso de fertilizantes, atividades agropecuárias, entre outras.
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O mundo tem ignorado o alerta dos especialistas que avisam que o planeta, caso não tomemos medidas efetivas para reduzir a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, enfrentará eventos climáticos extremos com cada vez mais frequência. Talvez as pessoas julguem que essa é uma preocupação apenas das próximas gerações. Não é.
Um relatório publicado na “Lancet” em novembro do ano passado e realizado por pesquisadores internacionais que monitoram os efeitos do aquecimento global na saúde revelou que o problema já é uma realidade.
Com o mundo a caminhar atualmente para 3°C de aquecimento, novos atrasos nas medidas relativas às alterações climáticas ameaçarão cada vez mais a saúde e a sobrevivência de milhares de milhões de pessoas vivas hoje.
É urgente que todas as esferas de governo, União, estados e municípios, e a sociedade civil tomem medidas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Enquanto isso, também é preciso investir na infraestrutura de cidades e na prevenção das consequências de catástrofes ambientais previsíveis.
Nada disso vem sendo feito.
Água de enchente contaminada
A água de enchentes pode ser foco de uma série de doenças graves, cujos riscos podem permanecer mesmo depois do fim das inundações.
Segundo a Cartilha de Orientação à População no Período de Alerta de Chuvas Intensas do Ministério da Saúde, as principais doenças que podem ser adquiridas por contato com água contaminada em enchentes são:
- cólera;
- febre tifoide;
- hepatite tipo A;
- leptospirose;
- giardíase;
- amebíase;
- gastroenterites diarreicas;
- e esquistossomose.
Além dessas, podem ocorrer também doenças de transmissão respiratória, como meningite, gripe, tuberculose e difteria, principalmente em locais de aglomeração como alojamentos e abrigos.
O tétano acidental, que pode ser adquirido nos acidentes com entulhos, em especial durante a limpeza dos ambientes e na reconstrução das moradias, é outra doença a que as pessoas devem ficar atentas em períodos de catástrofes ambientais.
Além das vacinas disponíveis para algumas dessas doenças, como hepatite A, tuberculose e tétano, não há tratamento preventivo que possa ser usado em massa para evitar as doenças que podem ser contraídas com água contaminada.
É importante que isso fique claro porque há muita informação falsa nas redes sociais sobre tratamentos preventivos contra a leptospirose, doença bacteriana cujo contágio se dá pelo contato direto com a urina dos animais infectados (principalmente roedores) ou pela exposição à água contaminada pela bactéria Leptospira, que penetra no organismo através das mucosas e da pele íntegra ou com pequenos ferimentos, e dissemina-se na corrente sanguínea.
Em nota técnica divulgada no dia 5, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Gaúcha de Infectologia explicaram que a profilaxia (prevenção) da leptospirose com antibióticos só é indicada para pessoas que sofreram exposição prolongada à água de enchentes, como socorristas, e não deve ser adotada pela população em geral, como ampla medida de saúde pública.
A melhor forma de não contrair essas enfermidades é evitar o contato com a água de inundações, medida impossível para boa parte da população do RS.
O consumo de água potável é fundamental para preservar a saúde das populações atingidas, mas a região está com dificuldade de acesso à água: no momento, 70% da população de Porto Alegre está sob racionamento de água, e as imagens de pessoas em filas para obter água são frequentes em vários municípios.
Diante dessa situação, é até difícil falar em prevenção de doenças, já que ela necessariamente inclui o consumo de água potável. De toda forma, é importante que as pessoas fiquem atentas aos riscos a que estão sujeitas e tentem minimizá-los.
As principais medidas para evitar as doenças que podem ser transmitidas pela água de enchentes são:
- Não tome água de enchente de jeito nenhum, mesmo que ela seja filtrada e fervida, e não use essa água para lavar alimentos, objetos e para higiene pessoal.
- Na ausência de água da rede de abastecimento local, filtre e desinfete a água disponível com solução de hipoclorito de sódio (água sanitária), com duas gotas de hipoclorito de sódio a 2,5% por litro de água, e só a consuma após 30 minutos. Outro procedimento é filtrar e ferver a água por 5 minutos. Lembrando: a água utilizada não pode ser a água de enchente.
- Guarde os alimentos em lugares elevados, para mantê-los longe do alcance dos roedores, dos insetos e de outros animais, e para que a água da enchente e a lama não os alcancem.
- Lave bem os alimentos in natura que sua família consumir com água corrente e água sanitária.
- Evite o contato com a água e a lama das enchentes, pois elas podem estar contaminadas. Se não for possível evitá-las, não fique muito tempo em contato com a água das enchentes e lave-se com água limpa e sabão assim que puder. Proteja as mãos e os pés com luvas e botas e, caso não os tenha, use sacos plásticos duplos.
- Não deixe que crianças brinquem nas águas da inundação.
- Não consuma água, alimentos e medicamentos que entraram em contato com as águas da inundação.
Essas recomendações valem sempre que houver risco de contato com água contaminada. São medidas que podem evitar doenças graves, como a leptospirose.
E lembre-se: se você se expôs à água de enchentes e tiver sintomas como mal-estar, febre, dor muscular, dor de cabeça, náusea, vômitos e diarreia, procure um serviço de saúde.