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Genética

Mesmo com avanços da medicina genética, Síndrome de Verheij ainda é um desafio com poucos casos diagnosticados

Publicado em 14/07/2025
Revisado em 14/07/2025

Entre milhares de enfermidades genéticas já identificadas, a Síndrome de Verheij ainda é objeto de estudos que buscam identificar melhor suas características e tratamentos adequados.

Com o contínuo progresso da medicina genética, milhares de doenças hereditárias já foram identificadas, entre elas, a Síndrome de Verheij, uma condição extremamente rara que pode comprometer o desenvolvimento de crianças e afetar diferentes sistemas do organismo.

A Síndrome de Verheij é um distúrbio genético caracterizado por alterações nos genes ou cromossomos. Os genes, compostos por DNA, contém as informações necessárias para o funcionamento das células e determinam traços individuais, como a cor dos olhos e do cabelo. Herdados de ambos os pais, esses elementos genéticos podem apresentar mutações, o que nem sempre implica uma doença. No entanto, certas alterações podem aumentar a propensão a desenvolver quadros clínicos específicos.

Atualmente, já são reconhecidas mais de 6 mil doenças genéticas, e esse número segue crescendo com novas descobertas. “A genética, de uma forma geral, já lida com condições muito raras. Mas, dentro daquilo que a gente lida, que já é raro, existem aquelas que são muito raras, e a Síndrome de Verheij é uma delas”, explica Fabíola Paoli Monteiro, médica geneticista. 

Essa síndrome, também conhecida como síndrome da deleção 8q24 ou Síndrome de Verheij com deficiência de PUF60, tem origem em mutações ou deleções no gene PUF60, localizado no cromossomo 8. Em muitos casos, surge ainda durante o desenvolvimento embrionário, sem vínculo hereditário, e pode provocar atraso no crescimento, dificuldades no desenvolvimento psicomotor e comprometimentos renais e cardíacos, entre outras manifestações.


Principais características clínicas

Até o momento, cerca de 80 casos foram descritos na literatura médica internacional, contribuindo para a identificação de padrões clínicos associados à síndrome e, consequentemente, para avanços no manejo dos pacientes. “Provavelmente esse número ao redor do mundo deve ser relativamente maior, mas muitos ainda não foram diagnosticados”, afirma Fabíola.

Entre as características comuns observadas, estão:

  • atraso no crescimento;
  • desenvolvimento motor e cognitivo inferior ao esperado para a idade;
  • traços faciais dismórficos, como testa proeminente, olhos afastados, nariz pequeno e orelhas de implantação baixa;
  • alterações esqueléticas, incluindo vértebras malformadas, escoliose e cifose;
  • coloboma (lacuna estrutural nos olhos);
  • malformações renais, como rins reduzidos ou com função alterada;
  • anomalias cardíacas.

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Diagnóstico desafiador

“No campo da genética chamamos algumas síndromes de ‘clássicas’, quando batemos o olho no paciente e temos quase certeza do seu caso. São conjuntos de pequenos sinais de desvios fenotípicos, ou dismorfismos, como chamamos. No caso da Síndrome de Verheij, não é tão simples assim. Não há um fenótipo tão característico, então muitas vezes é difícil clinicamente o paciente ser avaliado em um primeiro momento”, esclarece a geneticista.

O diagnóstico, portanto, depende de exames específicos. Se a mutação for uma microdeleção, que é a perda de uma pequena porção do DNA em um cromossomo, ela pode ser identificada através do array cromossômico. Já em casos mais complexos, pode-se recorrer ao sequenciamento completo do exoma, tecnologia amplamente adotada na prática clínica atual. O SUS oferece ambos os exames.

Abordagem terapêutica

O tratamento da Síndrome de Verheij é baseado no controle dos sintomas e na promoção do bem-estar dos pacientes, através de um acompanhamento multidisciplinar, com participação de profissionais como pediatras, neurologistas, nefrologistas, cardiologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos.

“Como não existe um tratamento específico — e essa é uma verdade para grande parte das doenças genéticas —, o cuidado inicial é direcionado para aquelas manifestações que a criança apresenta logo nos primeiros diagnósticos. E como doenças genéticas geralmente afetam muitos sistemas e órgãos, esses pacientes precisarão de um acompanhamento multiprofissional, principalmente no início, com a terapia de estimulação e suporte”, ressalta Fabíola.

A especialista enfatiza que o diagnóstico precoce é fundamental para ampliar as possibilidades de desenvolvimento. “Apesar de ainda não existirem tantos casos descritos da Síndrome de Verheij, ela possui uma variabilidade fenotípica grande. Por isso, pode haver casos desde pessoas que têm quadros bem mais comprometidos, com vários tipos de malformações, por exemplo, até àqueles que estarão na outra ponta do espectro, com sintomas muito mais brandos”, analisa.

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No Brasil

Um dos raros casos já identificados no Brasil é o de Maria Manuella, nascida em 2011 e diagnosticada em 2019. Sua mãe, Jaqueline Assis, acredita que sua filha teve o primeiro diagnóstico confirmado no país — ainda segundo ela, hoje existem outras seis pessoas identificadas: “Desde muito cedo, algo dentro de mim dizia que minha filha tinha um desenvolvimento diferente. Mesmo sem convívio próximo com outras crianças na época, percebia que os marcos do desenvolvimento motor e cognitivo dela estavam atrasados. Ela não engatinhou, não levava objetos à boca aos 12 meses, e só começou a andar e falar por volta dos dois anos. Logo após a descoberta, entramos na pandemia, quando me isolei e busquei as informações por conta própria. Se não fosse o exame de exoma, acompanhado pela equipe de genética do Hospital do Fundão (UFRJ), eu não saberia até hoje. Até ali, já tinha ouvido de vários médicos que ‘ela não tinha nada’. Um neurologista chegou a colocá-la no colo e dizer isso olhando nos meus olhos — como se a minha percepção de mãe não valesse nada”, relata.

Ela conta como funciona o acompanhamento da filha hoje. “Atualmente, a maioria dos médicos que a acompanham é no SUS, com endocrinologista, neuropediatra, cardiologista e genética no hospital Gaffrée e Guinle, mas ela tem acompanhamento particular também. A rede pública é muito boa, mas as datas são agendadas a cada seis meses e eventualidades acontecem, principalmente no campo respiratório. A Síndrome de Verheij, assim como demais deficiências, como intelectual e autismo, exige constante atualização e empatia por parte dos profissionais da saúde e da educação. Minha filha tem essas duas condições e múltiplas comorbidades, mas também tem amor, brilho, força e um futuro que merece ser construído com dignidade.”

Jaqueline possui uma conta no Instagram onde conta um pouco mais sobre a criação de Maria Manuella e sua rotina de cuidados.

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