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Tratamento do infarto | Entrevista

O desenvolvimento da cardiologia foi tão grande nos últimos anos que é impossível prever o que o futuro nos reserva nessa área do conhecimento, incluindo avanços no tratamento do infarto, uma das maiores causas de morte no mundo todo.
Publicado em 12/09/2011
Revisado em 22/10/2021

O desenvolvimento da cardiologia foi tão grande nos últimos anos que é impossível prever o que o futuro nos reserva nessa área do conhecimento, incluindo avanços no tratamento do infarto, uma das maiores causas de morte no mundo todo.

 

EVOLUÇÃO DA CARDIOLOGIA

 

Drauzio Como foi a evolução da cardiologia nos últimos 30 anos?

Eulógio Martinez — Acredito que nossa geração assistiu, nos últimos 30 anos, a uma verdadeira explosão de conhecimento a respeito das doenças cardiovasculares. O professor Osvaldo Ramos, que faleceu recentemente, certa vez encontrou uma publicação na qual se afirmava que, a julgar pelo que acontecera a partir da década de 1970, 50% daquilo que será rotina em cardiologia, daqui a 10 anos, ainda não foram inventados. Pode parecer exagero, mas não é.

Nos anos 60, quando nós dois nos formamos na Faculdade de Medicina, não se tinha a menor ideia do que pudessem vir a ser coronariografia, marca-passos, ecocardiografia, cirurgia de revascularização, circulação extracorpórea, teste ergométrico, betabloquedores e enzimas que possibilitam o diagnóstico precoce. Naquela época, para fazer uma massagem cardíaca, era necessário abrir o tórax e não se conhecia sequer a natureza da doença, nem as implicações possíveis do colesterol nas patologias do coração. Na verdade, havia dúvidas sobre o que era o infarto. Embora continuemos ignorantes a respeito das causas primárias, do mecanismo íntimo que leva a essa catástrofe, pelo menos sabemos do que se trata.

Pensar que todo esse desenvolvimento ocorreu numa única geração e com tal velocidade faz com que qualquer previsão possa ficar aquém da realidade.

 

INFARTO

 

Drauzio — O que é precisamente o infarto do miocárdio?

Eulógio Martinez — Existem evidências suficientes de que infarto é o entupimento agudo de uma artéria do coração por um coágulo, um trombo que se desprende de um ateroma, isto é, de uma placa de gordura que se deposita na parede da artéria e bloqueia a circulação sanguínea. Privada de oxigenação, essa área sofre lesões irreversíveis que caracterizam o infarto do miocárdio. A gravidade desse acidente vascular está proporcionalmente ligada à importância e extensão da musculatura cardíaca que deixou de ser irrigada.

É importante lembrar que pelo coração passam várias artérias, cada uma responsável pela irrigação de determinado setor da musculatura. O infarto é o entupimento abrupto de uma delas. Se for uma artéria que irriga uma zona menos expressiva, o infarto trará pequenas consequências; se for uma artéria que irriga uma grande área, as consequências poderão ser catastróficas.

É algo semelhante ao sistema de irrigação de uma horta, com diversos canais condutores de água. Se o fluxo de água for interrompido num deles, o dano às plantas será maior ou menor na relação direta do tamanho e importância da região afetada.

 

GRUPOS DE RISCO

 

Drauzio — Como orientação geral, que sintomas indicam a necessidade de procurar imediatamente socorro médico?

Eulógio Martinez — Fumantes, hipertensos, diabéticos, pessoas com níveis altos de colesterol, ou com antecedentes de familiares próximos que tenham sofrido infarto antes dos 55 anos constituem grupo de risco e demandam maior cuidado. Por isso, devem ter acompanhamento médico permanente e informações precisas sobre as atitudes a tomar diante de uma situação em que haja possibilidade da ocorrência de infarto.

 

SINTOMAS

 

Drauzio — Quais os principais sintomas do infarto?

Eulógio Martinez — O sintoma clássico do infarto é uma dor violenta (os pacientes referem-se, com frequência, à sensação de morte iminente), pressão na parte anterior do tórax, na altura do esterno, sufocação, suor frio, atordoamento e profundo mal-estar. Se a dor é contínua e nada a alivia, deve-se procurar socorro imediatamente. O infarto pode ser fatal.

Há, porém, manifestações bastante atípicas. Partindo do extremo oposto, não é desprezível o número de casos em que o infarto é absolutamente silencioso. Isso ocorre com mais frequência em diabéticos. Não é raro encontrar-se, numa avaliação de rotina, um diabético que tenha sofrido infarto assintomático. O eletrocardiograma registra a presença de cicatriz inexistente nos exames anteriores, mas o paciente não se lembra de nenhum episódio doloroso que pudesse justificá-la. Portanto, é muito difícil caracterizar, com exatidão, a dor do infarto, uma vez que sua intensidade varia muito.

De qualquer modo, fenômenos dolorosos prolongados, com irradiação para a mandíbula, costas, braço, ou apenas para a face interna dos braços, associados a dificuldades cardiorrespiratórias, mal-estar, suor exagerado, palpitações, podem ser sintomas de infarto e é importante não atribuí-los erroneamente a problemas na coluna, nos músculos ou nas articulações.

Nesses casos, é indispensável dirigir-se a um pronto-socorro aparelhado para atender a esse tipo de emergência. Se a pessoa pertencer ao grupo de risco e, orientada por seu médico, dispuser de medicação adequada consigo, deve tomá-la na dose prescrita e procurar atendimento médico com urgência.

 

Veja também:Prevenção do infarto

 

ATENDIMENTO INICIAL EM PRONTO-SOCORRO

 

Drauzio — A recomendação é que a pessoa procure atendimento médico com urgência. O que fazem os médicos, quando recebem um doente com esses sintomas e suspeitam de que esteja tendo um infarto?

Eulógio Martinez — O primeiro passo é levantar a história do paciente e avaliar seu estado clínico geral. Mede-se a pressão arterial e a frequência cardíaca. A seguir, faz-se o eletrocardiograma e as dosagens enzimáticas para verificar se há liberação de substâncias que permitam o diagnóstico do infarto. Certos casos, porém, demandam atendimento mais urgente e o processo precisa ser agilizado. Emergências como arritmias graves que requeiram instalação de marca-passos ou mesmo choques-elétricos exigem socorro rápido e especializado.

 

EFICÁCIA NO ATENDIMENTO

 

Drauzio — Atualmente há recursos para interromper um quadro de infarto? Em que medida eles são eficazes?

Eulógio Martinez — Nossa geração aprendeu que infarto era um fenômeno de tudo ou nada, quer dizer, não se admitia a possibilidade de ameaça de infarto, de processo em evolução. Ou havia morte da musculatura atingida, ou não era infarto. Hoje se sabe que tudo depende do tempo que se leva para socorrer o paciente. Volto à analogia com a horta. Se interrompermos abruptamente um canal que irriga uma série de canteiros, as plantas vão sofrer, vão murchar, mas não vão morrer imediatamente. Se o fluxo de água for restabelecido em intervalo de tempo razoável, elas ficarão viçosas de novo. Algumas podem até não se recuperar, mas a horta não perecerá totalmente.

O mesmo ocorre com a musculatura do coração. Se a circulação das coronárias for interrompida por um trombo, parte da massa muscular cardíaca entrará em padecimento. Se conseguirmos recanalizar, em tempo hábil, essa artéria por métodos farmacológicos, com drogas, ou mecanicamente com um balãozinho que a desobstrua, estaremos restabelecendo a irrigação dos tecidos e, consequentemente, reduzindo a quantidade de fibras musculares que teriam sido perdidas sem a interferência do atendimento. Essas duas estratégias revolucionaram o tratamento das doenças do coração nos últimos 20 anos.

 

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

 

Drauzio — Que elementos determinam a opção do cardiologista pelo tratamento farmacológico?

Eulógio Martinez — Embora a desobstrução mecânica traga benefícios mais imediatos ao paciente, nem sempre existe, na sala de atendimento, o equipamento necessário para fazer cateterismo e atender a imensa população que apresenta doenças cardiovasculares, já que elas acometem milhões de pessoas por ano no mundo todo. Por outro lado, o tratamento farmacológico é uma solução que também apresenta bons resultados nos casos de infarto do miocárdio. Basicamente, consiste em ministrar uma droga, isto é, uma substância com a propriedade de dissolver o coágulo antes que o músculo cardíaco seja irreversivelmente destruído. No entanto, no Brasil, a proporção de indivíduos que têm infarto e recebem esses agentes trombolíticos é muito inferior ao que desejaríamos.

 

Drauzio – Esse tratamento à base de drogas que dissolvem o trombo é indicado durante quanto tempo depois de iniciado o processo de infarto?

Eulógio Martinez – Há um espaço de aproximadamente 6 horas o que representa tempo suficiente para tentar reverter o quadro. É lógico que os resultados serão tanto melhores quanto mais precoce for a recanalização da artéria obstruída. Por outro lado, embora o trombo se forme espontaneamente, muitas vezes só vai provocar manifestações clínicas depois de 10 a 24 horas do início da obstrução, quando as alterações orgânicas tornaram-se irreversíveis e houve perda significativa de massa muscular e sério comprometimento da bomba cardíaca.

 

ANGIOPLASTIA

 

Drauzio — Em que consiste a angioplastia?

Eulógio Martinez — A angioplastia é uma técnica que se aprimorou de tal maneira, que é empregada em milhões de pacientes todos os anos. Trata-se de técnica simples, porém muito sofisticada, que exige treinamento intensivo e larga experiência profissional. Em linhas gerais, consiste no seguinte: o paciente é deitado numa cama de exames que tem embaixo um aparelho de raio-X e acima, uma câmera. Por uma incisão na virilha ou no braço, introduz-se um tubo plástico na origem da artéria coronária, através da qual ele é conduzido até alcançar a artéria que irriga o coração.

Como os cateteres são pré-moldados e radiopacos, não é difícil encontrar esse ponto, acompanhando o percurso do tubo por controle radiológico. O contraste que se injeta, a seguir, torna visível a árvore coronária e o lugar exato em que se deu a obstrução.

Daí em diante, esse cateter funciona como guia para conduzir um fiozinho flexível e delgado que ultrapassa a obstrução e que será recoberto por outro cateter em cuja extremidade existe um pequeno balão inflável. Utilizando uma bomba pneumática, o balão é insuflado no local em que ocorreu o entupimento para comprimir a placa gordurosa e os trombos contra a parede da artéria. O balão é retirado da artéria e injeta-se novamente contraste para verificar se o fluxo sanguíneo se restabeleceu.

Nesses momentos, é comum enxergar, irrigando grande área da musculatura cardíaca, ramos coronarianos invisíveis antes da desobstrução. Nas angioplastias primárias, as possibilidades de sucesso ultrapassam 85% das intervenções.

Ver o alívio instantâneo do paciente cujo eletrocardiograma e condições hemodinâmicas se equilibram, provoca uma satisfação indescritível no médico.

PREVENÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO

 

Drauzio — Em geral, todos sabem que devem fazer exercícios físicos regularmente, não fumar, manter baixo o nível de colesterol, evitar comer gorduras em demasia e, se têm parentes próximos que morreram de infarto com menos de 55 anos, precisam prestar atenção redobrada. No entanto, é raro encontrar pessoas que tomam medidas de precaução contra o infarto. Por que você acha que isso acontece?

Eulógio Martinez — Acredito que a dificuldade esteja em estabelecer relações nítidas de causa e efeito entre as medidas preventivas e a ocorrência do infarto. Veja o caso do cinto de segurança. As estatísticas demonstravam as vantagens que oferecia a motoristas e passageiros, mas as pessoas não prestavam atenção. Acidentes aconteciam só com os outros. Apenas quando seu uso tornou-se obrigatório por lei e as multas ficaram pesadas, ele se transformou num hábito saudável.

Com as doenças cardiovasculares dá-se o mesmo. Provar que determinadas condições de vida favorecem a incidência de infarto é tarefa complicada. Convencer alguém de que depósitos de gordura podem formar-se nas artérias, ao longo dos anos, não é fácil. As pesquisas são complexas, demoradas, de alto custo e as conclusões, quando divulgadas, transformam-se numa possibilidade remota de doenças cardiovasculares.

Não se conhece até hoje, porém, estudo que apresente resultados que contradigam os benefícios advindos da prática de exercícios físicos, da dieta pobre em gorduras, do controle da pressão arterial e do diabetes, e de não fumar. Hábitos alimentares de certas populações confirmam essas indicações. No Japão, por exemplo, onde o consumo de gorduras é pequeno, a incidência de morte por infarto é baixa. No extremo oposto, encontra-se a Finlândia com o maior índice de infartos do mundo, cujos habitantes apresentam altos níveis de colesterol. Em nosso País, há exemplos que fortalecem o que foi dito.

Praticamente nenhum índio do Brasil Central morre de infarto, se viver segundo seus costumes e em suas terras de origem. Quando aculturados, entretanto, expostos a outro tipo de alimentação e estilo de vida, manifestam os mesmos problemas de saúde da população em geral.

Para ter-se ideia de como é difícil mudar comportamentos, imagine convencer um gaúcho a substituir o churrasco do almoço e do jantar por peixe, algas, verduras, legumes e frutas.

COLESTEROL

 

Drauzio — Todos sabem que há o bom e o mau colesterol. Na prática, quando é possível controlar o colesterol apenas com dieta e quando é necessário tomar remédios?

Eulógio Martinez — Primeiro, é necessário estabelecer a diferença entre os conceitos de prevenção primária e secundária. A primária diz respeito a todas as pessoas e resumem-se nas recomendações básicas de saúde pública, por exemplo, não fumar, praticar exercícios, etc.

A prevenção secundária destina-se aos portadores de doenças ateroscleróticas (especialmente da coronária, de vasos periféricos e da carótida), ou que já tiveram isquemia cerebral transitória, placas obstrutivas constatadas por coronariografia sem consequências importantes, dores ao caminhar causadas por obstrução de artérias nos membros inferiores, ou ainda aos que já tiveram pequenos infartos. Todos eles, e mais os que têm angina, constituem grupo de risco e precisam engajar-se num programa enérgico e disciplinado de controle do colesterol, porque é possível diminuir drasticamente o número de infartos e isquemias decorrentes de obstruções por placas de ateroma.

Em pacientes submetidos a coronariografias periódicas, é possível observar alguma regressão no fechamento da artéria, quando diminuem os valores do colesterol no sangue. Isso demonstra que, ao contrário do que se julgava, a placa de ateroma é constituída por um material capaz de trocar informações com o sangue circulante.

Assim, a redução dos níveis de colesterol pode redundar num grau de reabsorção ou de remodelamento da placa, que a torna menos propensa a desencadear o infarto. Dados levantados pela Associação Americana e Associação Brasileira de Cardiologia indicam que, especialmente nos casos de prevenção secundária, é imperioso o uso de aspirina e de medicamentos para baixar o colesterol.

 

Drauzio — O intrigante a respeito do colesterol é encontrar pacientes com dieta absolutamente liberal, que vão a churrascarias duas vezes por semana, comem feijoada todos os sábados e têm níveis baixos de colesterol. Outros, que vivem de peito de frango na chapa e verduras, apresentam índices elevadíssimos. O que explica tal disparidade?

Eulógio Martinez Há mais de 10 anos, Brown e Goldstein, dois cientistas que ganharam o Prêmio Nobel , descobriram receptores de colesterol nas paredes das células do fígado. Cada receptor atrai uma molécula de colesterol e ambos, acoplados mecanicamente, entram na célula hepática onde se processa o metabolismo das gorduras e a síntese de novo receptor para substituir o primeiro. Qualquer desequilíbrio nesse mecanismo bioquímico interfere na dosagem de colesterol no sangue.

O extraordinário foi terem descoberto que, assim como há genes que regulam a cor dos olhos, há os que regulam o número de receptores de colesterol. Isso explica por que a dieta não aumenta os valores de colesterol de certas pessoas gordas que se deleitam diante de pratos gordurosos, enquanto outras, apesar da dieta frugal, mantêm níveis elevados. As primeiras herdaram caracteres que lhes garantem a formação de receptores eficientes. As outras, contudo, ou possuem número insuficiente ou eles são lentos para realizar a função a que se destinam. Existe, ainda, quem não possua receptor algum. Isso justifica a ocorrência de infartos em crianças por volta dos 10 anos, cujos níveis de colesterol superam 1000 mg.

O mérito maior do trabalho desses cientistas foi possibilitar a síntese das estatinas, substâncias que aceleram o processo de remoção das moléculas indesejáveis de colesterol, porque atuam diretamente na causa do problema.

 

Drauzio Nessas circunstâncias, essa medicação deve ser mantida permanentemente, durante toda a vida do paciente?

Eulógio Martinez — De fato trata-se de uma medicação de uso contínuo, poderosa para reduzir os níveis de colesterol. Estudos demonstraram, todavia, que os reais benefícios de sua ação aparecem depois de 2 ou 3 anos de tratamento.

É aí que começa o problema: o preço desses remédios se transforma em obstáculo para muita gente que depende deles. Se considerarmos que, em geral, os problemas de saúde se agravam com a idade, na fase de menor produtividade e remuneração, as consequências são lastimáveis, especialmente porque esse não costuma ser o único medicamento necessário para a maioria das pessoas de idade. Nos ambulatórios em que trabalhamos, é constante encontrar pacientes que não podem suportar o custo dos remédios que precisam tomar.

 

Drauzio — Em termos de saúde pública, haveria uma maneira de o Estado distribuir gratuitamente essas medicações?

Eulógio Martinez — Acredito que sim. A fabricação dos genéricos já diminuiu um pouco o impacto dos gastos com remédios no orçamento. Resta, ainda, estimular os laboratórios a produzir em larga escala de tal forma que os custos sejam diluídos e o produto fique mais acessível para os pacientes.

 

Veja também: Tratamento do colesterol

 

ASPIRINA

 

Drauzio — Quem teve infarto precisa tomar aspirina o resto da vida. Qual sua posição quanto ao uso da aspirina por aqueles que não tiveram infarto?

Eulógio Martinez — Considerando a relação risco-benefício, sou contra prescrever aspirina para quem não teve infarto. Aparentemente inócua, a aspirina é um agente farmacológico que, como todos, provoca alguns efeitos colaterais indesejáveis. Há pessoas alérgicas ao medicamento ou que manifestam perturbações gástricas importantes.

 

Veja também: Como o ácido acetilsalicílico pode ajudar em caso de infarto

 

Em cálculos grosseiros, imaginemos uma cidade como São Paulo, de 15 milhões de habitantes, em que uma para cada 10 mil pessoas tivesse sangramento gástrico, se tomasse aspirina. Num prazo muito curto, haveria milhares de casos que deixariam de ser atendidos convenientemente, porque não existiria infraestrutura médico-hospitalar capaz de absorvê-los.

 

DIFICULDADES PARA CONSCIENTIZAR OS DOENTES

 

Drauzio — Tenho uma visão um pouco pessimista quanto às drogas de uso contínuo. É difícil convencer as pessoas de que devem tomar um remédio pelo resto de suas vidas, especialmente quando não percebem a relação imediata de seu benefício. Se a dor volta porque se abandonou a medicação, as evidências são claras. No caso de drogas que reduzem os níveis de colesterol do sangue, ou que baixam a pressão arterial, o conceito é abstrato, pois muitas vezes esses males são assintomáticos. Qual sua opinião a respeito?

Eulógio Martinez — A dificuldade existe mesmo. Veja o que acontece com os hipertensos. Não raro a pessoa sente-se bem apesar da pressão alta. Constatado o problema, porém, começa a ser medicada. Esses remédios, muitas vezes, causam um desconforto que antes ela não sentia. Além disso, é comum a redução da pressão deixar o paciente menos eufórico, sem a antiga energia. Somem-se, ainda, os efeitos psicológicos negativos de ter de tomar diariamente os comprimidos e qualquer desculpa será válida para abandonar o tratamento.

Para enfrentar esse desafio, equipes multidisciplinares, formadas por médicos, psicólogos, nutricionistas, pedagogos, juntaram esforços para desenvolver técnicas de aderência ao tratamento para auxiliar os pacientes a não desistirem dele.

Felizmente, é possível notar algumas transformações nas atitudes dos pacientes.

Analisando os resultados atuais de controle da pressão arterial, verifica-se que a população está mudando de comportamento. Mesmo que a pessoa não tome os remédios ininterruptamente, de vez em quando vai ao médico, ou passa pelo ambulatório para medir a pressão e, se estiver alta, volta ao tratamento. Por isso, os casos de hipertensão descontrolada crônica e respectivas conseqüências são mais raros hoje em dia.

 

FUMO E INFARTO DO MIOCÁRDIO

 

Drauzio — As estatísticas são categóricas, mas, de acordo com sua experiência, que risco correm os fumantes de sofrer infarto do miocárdio?

Eulógio Martinez — Além de acelerar o processo aterosclerótico, isto é, a velocidade das obstruções arteriais, o cigarro apresenta um efeito agudo que se manifesta no exato momento em que o indivíduo está fumando e disso pouco se fala.

Os elevados níveis de nicotina e de outros gases tóxicos lesam de imediato a camada mais interna das artérias interferindo no tônus arterial. Por isso, enquanto o indivíduo está fumando, pode manifestar arritmias agudas e espasmo de coronária com consequências indesejáveis mesmo em quem tem coronárias normais. Até o fumante esporádico, que fuma ocasionalmente para aliviar a tensão, ou aquele que só fuma quando está tomando um chopinho com os amigos, estão sujeitos a essas manifestações agudas.

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