Miomas são tumores uterinos que nascem benignos e morrem benignos. Podem aparecer em vários locais do útero e variar de tamanho, provocar ou não sintomas, e exigir acompanhamento clínico ou intervenção cirúrgica.
* Edição revista e atualizada.
É muito grande o número de mulheres que apresentam miomas. Muitas só ficam sabendo disso ocasionalmente, quando o médico levanta seu histórico, faz o exame ginecológico ou pede um ultrassom. Em geral, elas se assustam quando tomam conhecimento desse diagnóstico, porque imaginam que prenuncie a chegada de um tumor maligno.
Não há motivo para tal preocupação. Miomas são tumores uterinos que nascem benignos e morrem benignos. Podem aparecer em vários locais do útero e variar de tamanho, provocar ou não sintomas, e exigir acompanhamento clínico ou intervenção cirúrgica.
Não se conhece exatamente a causa dos miomas. Sabe-se, porém, que ele é um tumor hormônio-dependente, que sua incidência diminui depois da menopausa e que responde bem ao tratamento. Técnicas terapêuticas modernas podem colaborar no tratamento quando indicadas corretamente.
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DEFINIÇÃO E SINTOMAS
Drauzio – Você poderia explicar o que é um leiomioma, tumor uterino conhecido popularmente por mioma ou fibroma?
Nilo Bozzini – Mioma é um tumor sólido, monoclonal, isto é, proveniente de uma única célula que tem, em geral, desenvolvimento lento na musculatura do útero e pode ou não causar sintomas.
Drauzio – Em que fase da vida da mulher, os sintomas dos miomas são mais evidentes?
Nilo Bozzini – A maioria dos miomas é assintomática. No entanto, na fase reprodutiva, quando a mulher menstrua e deseja ter filhos, a sintomatologia se torna mais presente.
Drauzio – A grande maioria dos miomas é assintomática. O que faz com que alguns provoquem sintomas e quais são eles?
Nilo Bozzini – Geralmente, os sintomas variam de acordo com a localização do mioma no útero. Os mais prevalentes são: aumento do fluxo menstrual, dor pélvica, infertilidade e aumento do volume abdominal. Quando os miomas estão em contato com órgãos extragenitais, como bexiga ou reto, os sintomas podem ser confundidos com os que aparecerem na infecção urinária ou alterações gástricas.
Os sintomas citados atribuídos aos miomas uterinos podem também ter como causa outras doenças associadas ou não ao próprio mioma. Daí a importância da anamnese e do exame clinico adequado e minucioso.
Drauzio – Há outros sintomas que devam ser mencionados?
Nilo Bozzini – Os miomas uterinos, em sua grande maioria, crescem e se desenvolvem no corpo uterino. Raramente se manifestam no colo do útero. Nessa eventualidade, porém, por ocasião do ato sexual, a paciente pode sentir dor em virtude do contato do pênis com o mioma. Na nomenclatura médica, esse tipo de dor é conhecido por dispaurenia. Outro sintoma proveniente do mioma localizado no colo uterino ocorre quando ele entra em parturição. Esse quadro é idêntico ao da mulher em trabalho de parto.
TIPOS DE MIOMAS
Drauzio – Quais são as possíveis localizações dos miomas?
Nilo Bozzini – Miomas podem localizar-se em praticamente todo o corpo do útero. Assim, de forma didática, podemos classificá-los em:
- Mioma pediculado: desenvolve-se na superfície externa do útero ligado por uma haste geralmente móvel;
- Mioma intramural: é o que se encontra na espessura da musculatura do útero;
- Mioma submucoso: fica alojado na cavidade endometrial,
- Mioma em parturição: é o que se situa no canal cervical;
- Mioma intraligamentar: cresce no espaço entre tubas uterinas, ligamento ovariano e corpo uterino.
Drauzio – Os miomas localizados no interior do útero provocam mais sangramento?
Nilo Bozzini – Exatamente. Os submucosos são os que mais favorecem maior sangramento, seguidos dos intramurais e dos que se encontram em parturição. Teoricamente, o mioma pode ocupar qualquer posição no útero e quanto mais perto da parte central se desenvolver, maior a probabilidade de provocar sangramento e de dificultar a gravidez apresenta, levando a quadros de abortamento.
Drauzio – Quando os miomas causam infertilidade?
Nilo Bozzini – Conforme o local em que se instalam no útero, os miomas podem fazer parte do quadro de infertilidade. O submucoso, por exemplo, por ocupar o lugar onde o concepto se desenvolve, pode ser causa de abortamento de repetição ou de parto prematuro. Os que estão próximos à implantação das tubas podem provocar obstrução tubária. É importante ressaltar, porém, que nem sempre a mulher com mioma uterino precisa de tratamento para engravidar. Às vezes, eles são tão pequenos que não atrapalham absolutamente em nada e não provocam sintomas. São revelados, geralmente, pela ultrassonografia e demandam o que se chama de tratamento expectante. Em outras palavras, o tratamento que se limita a acompanhar a evolução do quadro.
CAUSAS
Drauzio – Você disse que os miomas aparecem com mais frequência na fase reprodutiva da vida da mulher e podem ser localizados ocasionalmente pelo ultrassom. Quais são as causas dos miomas?
Nilo Bozzini – Não se sabe exatamente por que os miomas aparecem. Sabe-se que não está envolvida uma causa única. Teoricamente, trata-se de um tumor hormônio-dependente, mas não é só o estrógeno que funciona como fator de crescimento e desenvolvimento deles. Hoje, não há mais dúvidas de que boa parte dos miomas uterinos provém da ação da progesterona. Fatores como a vascularização da área do útero em que se desenvolve o mioma, mutações genéticas locais e fatores de crescimento também pesam na formação desses tumores. Além disso, a incidência de miomas uterinos é comprovadamente maior nas mulheres negras não só em quantidade como em volume. Portanto, não existe uma causa única, existem inúmeras teorias que continuam sendo estudadas.
ÍNDICE DE PREVALÊNCIA DOS MIOMAS
Drauzio – Em cada dez mulheres, quantas em média têm mioma?
Nilo Bozzini – Se considerarmos as mulheres sintomáticas e assintomáticas, não tenho dúvida de que o número de portadoras de miomas atinge a casa dos 90%. Trabalhos epidemiológicos ingleses e nacionais comprovam tal afirmação. Há um trabalho inglês que acompanhou a necropsia de mulheres de diversas idades, que faleceram em virtude de diferentes causas. A autopsia revelou a presença de miomas uterinos de vários tamanhos em 90 em cada cem dessas mulheres. Existem publicações relacionadas com os estudos epidemiológicos que mostram a presença de mioma uterino sem a menor sintomatologia em pacientes submetidas ao ultrassom por motivos rotineiros.
Drauzio – Considerando os 90% da pesquisa realizada na Inglaterra, pode-se dizer que o mioma não é necessariamente uma doença, que, como se sabe, não possui nenhum marcador que possa ajudar no diagnóstico precoce?
Nilo Bozzini – Na verdade, mioma é um problema de saúde pública. Apesar de ser um tumor de caráter benigno, muitas intervenções cirúrgicas desnecessárias são realizadas no mundo, diariamente, em função da presença do mioma uterino. Está claro que sangramento genital e anemia provocados pelo mioma são fatores que devem ser considerados pelo médico na indicação do tratamento. Da mesma forma, o sarcoma. Embora suas características clínicas sejam semelhantes às do mioma, o sarcoma é um tumor maligno de rápida evolução, que não possui nenhum marcador para facilitar o diagnóstico. E, quando a doença não é diagnosticada precocemente, o quadro final costuma ser sombrio. Felizmente, a incidência do sarcoma é muito baixa, não chega a 1%.
ALTERNATIVAS DE DIAGNÓSTICO
Drauzio – Diante de uma mulher que tenha alterações menstruais ou que sangre muito durante esse período, o médico deve pensar na presença de um mioma?
Nilo Bozzini – O mioma, por ser um tumor prevalente e ocorrer praticamente em todas as faixas etárias, é uma hipótese que deve ser lembrada. No entanto, é preciso averiguar a origem dos sintomas, mediante o levantamento da história da paciente, seguido de um exame físico minucioso e do encaminhamento para exames complementares. Por que tudo isso? Porque o sangramento genital não é sintoma característico só do mioma uterino. Pode ter várias outras causas. Daí a importância de todos os cuidados supracitados para a indicação do tratamento adequado.
Drauzio – Mioma é uma condição muito frequente e mulheres inférteis há muitas. Como se consegue saber que é o mioma a causa da infertilidade de uma mulher?
Nilo Bozzini – Muitas vezes, basta o exame ginecológico para termos certeza de que o mioma é uma causa da infertilidade. Quando o tumor é submucoso, não resta dúvida de que deve ser retirado, pois essa localização é a que mais atrapalha o desenvolvimento da gravidez. O fato de tratarmos cirurgicamente o mioma não implica que obrigatoriamente a paciente engravidar logo. Temos que considerar também seu perfil ovulatório, bem como a hipótese de infertilidade do marido. Portanto temos que fazer uma análise criteriosa dos miomas que não precisam, ou não, ser retirados e do perfil reprodutivo do casal.
MIOMA EM PARTURIÇÃO
Drauzio – Quais as características do mioma em parturição?
Nilo Bozzini – É um tipo raro de mioma que deve ser retirado por via vaginal. Seu principal sintoma é a dor repentina e progressiva semelhante à do trabalho de parto, com ou sem sangramento associado. Dependendo do volume, o mioma provoca dilatação do colo do útero como a do parto normal.
Drauzio – Você já viu muitos casos como esse?
Nilo Bozzini – Já tive oportunidade de assistir alguns casos tanto no Hospital das Clínicas, como no meu consultório. Dependendo do volume do tumor e do pedículo que liga o mioma ao fundo do útero, é sempre recomendável realizar o procedimento em ambiente hospitalar, num centro cirúrgico.
Drauzio – Isso não significa que todos os miomas sejam eliminados espontaneamente.
Nilo Bozzini – A mulher portadora de um mioma uterino não deve pensar que vai expulsá-lo naturalmente, porque isso não acontece a não ser em casos especialíssimos como os do mioma em parturição.
Drauzio – Como se pode localizar exatamente a posição do mioma no útero?
Nilo Bozzini – No exame ginecológico, dificilmente podemos determinar a localização de todos os miomas que podem crescer num mesmo útero. São alguns exames de imagem que nos permitem visualizar o lugar exato em que se encontram. Um deles é a histerossonografia, um exame de ultrassom com contraste que mostra a real localização do mioma uterino, dado fundamental para selecionar a técnica cirúrgica adequada. Se o mioma for submucoso, por exemplo, a técnica indicada é a histeroscopia (retirada do mioma por via vaginal), que diminui a morbidade cirúrgica e preserva o útero.
Drauzio – É sempre preciso fazer esse exame com contraste?
Nilo Bozzini – Havendo suspeita de que o mioma é submucoso, é sempre importante estabelecer uma relação entre a parte do tumor localizada na musculatura do útero e a que está na cavidade endometrial, isto é, dentro do útero na área que descama na menstruação.
A histeroscopia diagnóstica possibilita, também, visualizar diretamente a localização do mioma.
DIAGNÓSTICO
Drauzio – Qual a maneira mais simples de diagnosticar os miomas uterinos?
Nilo Bozzini – Primeiro se faz a anamnese, isto é, levanta-se o histórico da paciente e a seguir, o exame de toque. Essa avaliação inicial, na maioria das vezes, é suficiente para denotar a presença de um ou mais miomas. Alguns casos, porém, exigem também o exame de imagem como o ultrassom para complementar o diagnóstico e definir o tratamento. Nos casos que exigem maior definição de detalhes, podemos utilizar outros exames, entre ele, a ressonância magnética.
TÉCNICAS DE TRATAMENTO
Drauzio – Existem medicamentos para tratar miomas?
Nilo Bozzini – Existem vários medicamentos para tratar os sintomas do mioma uterino, como o sangramento e a dor pélvica. São eles: anti-inflamatórios não hormonais, antifibrinolíticos, anticoncepcionais hormonais combinados e progestagênios. Os análogos do GnRH tem ação hipotalâmica. Esse grupo de medicação leva a paciente a um quadro de menopausa química temporária, favorecendo a diminuição do volume do conjunto útero e miomas. A ausência da menstruação produzida ajuda o tratamento da anemia. Na verdade, o tratamento com medicação dificilmente é definitivo. A ajuda que traz é para uma indicação cirúrgica com menos morbidade, principalmente quando se deseja conservar o útero.
Drauzio – Quer dizer que é possível induzir menopausa transitória como estratégia de tratamento?
Nilo Bozzini – Sim, é possível. A mulher que utiliza essa medicação apresenta os sintomas próprios da menopausa e tem uma regressão volumétrica do conjunto formado pelo útero e o mioma.
Para aquelas que estão na idade fértil e desejam um tratamento conservador porque querem engravidar ou manter, pelo menos, a função menstrual, ou para as que apresentam um quadro anêmico provocado por sangramento excessivo, o análogo do GnRH provoca uma menopausa transitória que facilita o procedimento cirúrgico necessário.
Esse tratamento medicamentoso também é indicado para a mulher que se aproxima da menopausa, porque se sabe teoricamente que, depois desse evento, o tamanho do útero/mioma regride consideravelmente.
Drauzio – Por que se trata de um tratamento transitório?
Nilo Bozzini – Essa medicação, os análogos do GnRH, ao bloquear a hipófise causa um quadro de menopausa química e transitória, o que leva a uma diminuição do conjunto útero/miomas e melhora da anemia. No entanto, não podemos usá-la por muito tempo, pois representa uma agressão à massa óssea devido a ausência dos hormônios ovarianos. Por outro lado, se suspendermos a medicação ,após quatro meses os tumores voltam a crescer de forma violenta. Dessa forma, tal conduta é utilizada como preparação para posterior cirurgia.
Drauzio – Como os miomas estão menores, a cirurgia pode ser mais econômica.
Nilo Bozzini – Exatamente. A cirurgia pode ser feita por via histeroscópica, isto é, por via vaginal, quando se trata de mioma submucoso. Por via laparoscópica, no momento estamos atravessando uma fase de questionamento sobre a morcelação dos miomas. É justificado que o processo de morcelação pode atrapalhar o diagnóstico anatomopatológico. No entanto, esse procedimento tem seu lugar, quando exercido por profissionais habilitados.
Drauzio – Quando se emprega a técnica histeroscópica?
Nilo Bozzini – A técnica histeroscópica permite retirar tumores submucosos que estão na cavidade do útero por via baixa, isto é, pela vagina. Às vezes, para procedimento ficar mais fácil, o mioma é previamente reduzido com tratamento medicamentoso.
Drauzio – Como você orienta a indicação das outras técnicas?
Nilo Bozzini – Deve haver uma avaliação adequada do quadro clínico, do tempo de evolução, dos tratamentos anteriores, seguida de exame físico. Muitas vezes, a paciente não aceita a proposta feita pelo médico, pois quer um tratamento igual ao que sua amiga já fez. Outras vezes, o médico quer impor um tratamento que não é condizente com o quadro clínico em questão.
O mioma uterino não tem regras. Pode apresentar-se nas mais variadas áreas do útero e ter dimensões diferentes. É preciso calma e diálogo para chegar a uma conclusão. Tudo depende da intensidade dos sintomas e do que a paciente pretende naquele momento. Se ela tem 40 anos e quer preservar a função menstrual, pode-se indicar uma miomectomia, ou seja, a retirada dos miomas pela técnica convencional, quer dizer, abrindo a cavidade abdominal e o útero. Esse procedimento não impede gravidez futura se a paciente estiver na idade de ter filhos, mas seu parto deverá ser feito por cesariana.
Drauzio – Você mencionou que as técnicas cirúrgicas vão desde a retirada apenas dos miomas até a histerectomia, que é a retirada total do útero. Existem ainda técnicas mais conservadoras como a embolização. Você poderia explicá-la sumariamente?
Nilo Bozzini – A embolização é uma técnica que vem se mostrando como mais uma alternativa para o tratamento do mioma uterino. É realizada pelo radiologista intervencionista, mas indicada pelo ginecologista, que acompanha o caso depois. O procedimento não é realizado em ambiente de centro cirúrgico e executado sob sedação controlada. Através da artéria femoral, são injetadas partículas impactantes de diversos materiais que vão ser levadas até o útero, especificamente até as artérias que nutrem deixam de alimentar o mioma uterino intramural, para interromper o fluxo de sangue.
Drauzio – A falta de nutrição faz com que o mioma morra?
Nilo Bozzini – Ele vai sofrendo uma degeneração e os sintomas regridem. Essa técnica é indicada para mulheres com muitas dores e sangramentos e representa mais um recurso para o tratamento dos miomas uterinos.
Drauzio – Costumam ser bons os resultados da embolização?
Nilo Bozzini – A embolização como todas as técnicas de tratamento tem riscos e benefícios. Eu, particularmente, pela experiência adquirida no Hospital das Clínicas da USP, faço algumas ressalvas quanto à indicação dessa técnica para pacientes jovens. Às vezes, moças com tumores enormes submetem-se a esse tratamento, porque querem engravidar depois. No entanto, os miomas podem não diminuir expressivamente de tamanho o que pode trazer complicações caso a paciente fique grávida. Se não engravidarem, foi uma perda de tempo, porque terão se ser submetidas a miomectomia mais tarde. Durante a realização desse procedimento, com frequência, tenho encontrado a cavidade endometrial alterada.
Outro questionamento que se impõe é a falta de oportunidade para realizar o exame anatomopatológico. Muitos afirmam que a ressonância magnética pode registrar a ocorrência de sarcoma ou de outras alterações.
Drauzio – Podemos concluir, então, que não há razão para as mulheres se assustarem tanto quando recebem o diagnóstico de miomas?
Nilo Bozzini – Lembrar que tratamento do mioma uterino não é igual para todas as mulheres. O mioma é um tumor benigno e já está na hora de acabar com esse terrorismo de que as mulheres portadoras de mioma não conseguirão engravidar ou terão provavelmente uma doença maligna. É bom repetir sempre que mioma nasce benigno e morre benigno.