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Por que o álcool pode causar apagão?

Publicado em 01/08/2024
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Revisado em 01/08/2024

Perda de memória pode afetar especialmente mulheres e adolescentes.

 

Você já saiu com amigos para alguma festa, exagerou na bebida alcoólica e teve lapsos de memória sobre alguns momentos ou mesmo esqueceu de tudo o que houve na noitada? Você não está sozinho. Um em cada dois jovens adultos que consomem álcool relatam ter pelo menos um apagão ao longo da vida, segundo pesquisas

O blackout, como o apagão também é chamado na língua inglesa, basicamente é a perda da memória durante uma bebedeira. Pode afetar tanto pessoas com dependência de álcool como aquelas que não são adictas. É algo perigoso, pois deixa a pessoa vulnerável, com alterações de humor e tendência a assumir comportamentos inadequados, como dirigir embriagado. 

Às vezes o apagão é confundido com desmaio induzido por álcool, mas na verdade ambos são diferentes. No caso do desmaio, o indivíduo perde a consciência e não consegue interagir com ninguém, enquanto no apagão a pessoa continua falando e se relacionando com todo mundo, como se estivesse normal.

 

Por que o apagão acontece? 

O dr. Marco Antonio Bessa, professor adjunto do departamento de psiquiatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que os apagões acontecem porque o álcool interage com dois neurotransmissores (mensageiros químicos que transmitem informações) associados à formação de memória: o glutamato e o GABA. 

Quando o ser humano vivencia uma experiência, o episódio é registrado no cérebro por meio de uma “conversa” entre os neurônios (células do sistema nervoso). Em vez de usar palavras para registrar o acontecido, os bilhões de neurônios se valem dos neurotransmissores. O álcool, no entanto, atrapalha todo o “bate papo”, de forma semelhante a uma pessoa desconhecida que interrompe uma conversa em um grupo, falando coisas desconexas que confundem a comunicação.

“O álcool vai provocar uma alteração nesses neurotransmissores, especialmente o glutamato, afetando uma área específica do cérebro chamada hipocampo, que é responsável pelo nosso armazenamento de memórias. O desequilíbrio desses neurotransmissores faz com que a pessoa tenha dificuldade de fixar a informação, o que nós chamamos de amnésia anterógrada”, explica o dr. Bessa. 

        Veja também: Como evitar a ressaca | Coluna #81

 

Tipos de apagões

Há dois tipos de apagões, de acordo com pesquisas: o fragmentar e o em bloco. O primeiro tipo envolve a perda parcial de memória durante a bebedeira. As lembranças não são completamente perdidas, mas ficam com falhas pontuais. A pessoa até pode recordar dos detalhes depois, mas normalmente com ajuda de amigos relatando os episódios. 

No apagão em bloco, chamado também de “apagão completo” ou “en bloc“, a pessoa perde totalmente a memória de um período contínuo de tempo após o consumo de bebida. Ela não consegue recuperar as lembranças, mesmo com dicas ou relatos de terceiros. Esses apagões podem durar de três horas e até três dias, conta o dr. Bessa. 

 

Fatores que influenciam o apagão

Segundo o Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, os apagões tendem a começar quando a taxa de álcool no sangue (TAS) está em 0,16%, quase duas vezes o limite estabelecido pela legislação de trânsito.

Além da quantidade de bebida no sangue, fatores como beber de estômago vazio, ingerir o álcool muito rápido ou ter preferência por bebidas com maior teor alcoólico também favorecem o surgimento dos apagões. O  dr. Bessa diz que o sexo e a idade da pessoa também contam. 

“As mulheres têm um risco maior do que os homens de ter apagões porque elas têm menos água no corpo e têm mais gordura, então a concentração alcoólica é maior. Além disso, elas também tendem a beber mais de estômago vazio e normalmente preferem vinho ou destilado, que são bebidas com maior concentração de álcool do que cerveja”, fala. 

No caso de adolescentes, ainda segundo o especialista, eles também têm mais risco de ter apagões porque, como não foram muito expostos ao álcool, há mais chances de ficarem intoxicados com uma dose menor. “Quanto mais precoce o início do uso do álcool, maior o risco de ter o blackout”, explica.

O dr. Pedro Goi, professor do mestrado em Saúde mental e Transtornos aditivos do Hospital de Clínicas (HC) de Porto Alegre e psiquiatra da internação em adições na mesma instituição de saúde, fala que misturar outras substâncias com álcool também pode aumentar o risco de apagão. 

“O álcool é, por definição, um depressor do sistema nervoso central. Então, qualquer outra substância depressora do sistema nervoso central ou perturbadora do sistema nervoso central pode ajudar a precipitar esses apagões. A maconha, assim como medicações conhecidas como tarja preta, são alguns dos exemplos”. 

        Veja também: Uso abusivo de álcool: quais são os sinais de alerta?

 

Riscos e consequências

O consumo excessivo de álcool e o apagão podem gerar diversas consequências, segundo o dr. Goi. “A pessoa fica mais desinibida, porque a região do cérebro que controla a inibição, que é o córtex pré-frontal, vai ser afetada também. A pessoa também tem a coordenação motora afetada, e pode começar a ter dificuldade de caminhar, pode cair, derrubar as coisas, falar enrolado”. 

Ele explica que o fato de o indivíduo ter apagões por causa do consumo de bebidas alcoólicas deve ser encarado como um sinal de alerta. O álcool, além de afetar o cérebro, produz um composto tóxico chamado Acetaldeído, que também causa danos, diminuindo as vitaminas do complexo B, um grupo essencial para o funcionamento da memória e do cérebro.

“Se isso se repetir muito, a pessoa vai ter consequências no futuro, e terá um fator de risco de um quadro chamado de demência por álcool, que é quando a pessoa já passa a ter esquecimentos duradouros, que não vão ser só pontuais”, explica.

 

Como se prevenir de apagões

Uma das maneiras de prevenir apagões, segundo o dr. Bessa, é evitar o consumo precoce de bebidas alcoólicas. “Embora a legislação brasileira proíba a venda para menores de 18 anos, sabemos que essa regra nem sempre é respeitada. É comum ver adolescentes bebendo, apesar da proibição. No Brasil, a média de idade em que as pessoas começam a consumir álcool é aos 14 anos.”

O dr. recomenda que, ao consumir bebidas alcoólicas, é importante não exagerar e garantir que o estômago não esteja vazio. Ele sugere também optar por bebidas com menor concentração de álcool e beber lentamente. Além disso, é aconselhável manter-se hidratado, consumindo bastante água enquanto se bebe cerveja, vinho ou outros tipos de drinks.

        Veja também: Uso de álcool: o que a ciência sabe?

 

Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e futuro biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.

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