Cada vez mais pessoas tomam remédios para dormir. Os benzodiazepínicos são os medicamentos mais vendidos para esse fim. Leia no artigo do dr. Drauzio.
Pegar no sono é martírio para muita gente. Há também os que dormem de imediato, mas acordam no meio da noite.
No tempo das cavernas, não havia luz elétrica, barulho de trânsito, televisão, tela de computador ou o celular que levamos para a cama. A noite era feita para dormir e a claridade da manhã para despertar.
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Na agitação das metrópoles de hoje, são poucos os adultos que deitam, dormem e só vão acordar depois de sete ou oito horas, descansados, prontos para encarar o dia.
É cada vez maior o número dos que travam batalhas de vida ou morte com o travesseiro e levantam estremunhados, com ódio assassino do cidadão que inventou o trabalho.
Você, leitora ou leitor que se identificou com esse personagem insone, faz parte do grupo que corre risco de cair na armadilha que passo a descrever.
Você vai ao ortopedista porque torceu o pé ou à ginecologista para exames de rotina ou à dermatologista para mostrar uma lesão no rosto. Se cometer a imprudência de se queixar de suas noites problemáticas, dificilmente sairá do consultório sem a receita do benzodiazepínico que estiver na moda – diazepan, clonazepan, lorazepan, alprazolan, midazolan, entre outros medicamentos que terminam em “an”.
Ortopedistas, ginecologistas, dermatologistas e clínicos não costumam ter formação psiquiátrica sólida, mas vem dos não especialistas a maior parte das prescrições dessa classe de medicamentos. Elas são tantas que nos tornamos campeões de vendas nessa categoria.
Ao ir para a cama, você toma o comprimido. Reinará uma paz profunda entre você e o travesseiro. De manhã, você dirá, surpreso: “Há quanto tempo não dormia uma noite inteira e não acordava tão disposto!”.
Qual será a justificativa para não tomar mais um comprimido na noite seguinte? Não pode fazer mal, você pensará, foi prescrito por um médico. Não é melhor do que passar o dia inteiro morto de sono?
E se a segunda noite for tão repousante quanto a primeira, por que razão deixar de tomá-lo na terceira e nas seguintes?
Quando a validade da prescrição expirar, é só pedir para o médico renová-la. Se, por acaso, ele não o fizer, há sempre um amigo que tem um parente médico. Em último caso, para que serve a internet?
Benzodiazepínicos são drogas muito úteis para induzir o sono em situações estressantes às quais precisamos nos adaptar de uma hora para outra, como ocorre quando somos vítimas de violência ou temos uma crise de ansiedade ou perdemos uma pessoa querida. Nessas ocasiões, os consensos das sociedades de psiquiatria recomendam que eles sejam mantidos pelo mínimo de tempo necessário.
Recomendam, ainda, que o prazo limite para o uso não ultrapasse algumas semanas, período depois do qual a dose deve ser diminuída gradualmente até a suspensão completa, para evitar uma grande crise de abstinência.
O cuidado é necessário porque esses medicamentos induzem tolerância, quando mantidos por períodos prolongados. No organismo tolerante, a droga perde gradativamente a eficácia, fenômeno que obriga o usuário a aumentar a dose. Um comprimido não é mais suficiente para induzir o sono, agora são necessários dois ou três.
Os consensos insistem que os benzodiazepínicos sejam resguardados pelos médicos, reservados para emprego em quadros que envolvem ansiedade.
Todos nós recebemos pacientes que já na primeira consulta nos pedem uma receita de benzodiazepínico. Quando estranhamos a solicitação, justificam: “Eu tomo toda noite há mais de 20 anos”.
Essas drogas são muito úteis, têm atividade ansiolítica, custo baixo e risco pequeno de reações colaterais graves, mas empregá-las para medicalizar problemas pessoais, muitas vezes passageiros, é um equívoco que pode interferir com a atenção e causar dificuldade de fixação de memórias, alterações associadas a déficits cognitivos.
Não há demonstração clara de que o uso continuado, por muito anos, aumente o risco de Alzheimer ou de outras demências, mas faltam estudos para avaliar as repercussões cognitivas a longo prazo.
Se você é dependente desses medicamentos, não interrompa o tratamento de forma abrupta, porque a abstinência pode ser difícil de enfrentar. Consulte um psiquiatra para receber orientação.
Se você não tiver acesso a ele, pegue um alfinete e raspe migalhas do comprimido toda noite, para em um período de dois ou três meses ficar livre dele sem sofrer.