Em 66% dos transexuais, a incongruência se instala já na infância; nos demais, ela se desenvolve na adolescência e na vida adulta. Quanto mais tardia for a transição para o novo sexo, mais dolorosa será.
“Identidade de gênero é a característica segundo a qual cada pessoa se identifica como homem ou mulher. A incongruência entre identidade de gênero e fenótipo físico recebe o nome de distúrbio de identidade de gênero; viver esse estado é fonte de sofrimento crônico.”
Assim começa a revisão de Louis Goren, da Universidade de Amsterdam, publicada na revista científica de maior circulação entre os médicos: “The New England Journal of Medicine”. Pela primeira vez, uma revista dessa importância aborda o tema da transexualidade sob o ponto de vista médico de forma tão abrangente.
Veja também: Artigo do dr. Drauzio sobre “ideologia de gênero”
As manifestações dos distúrbios de identidade de gênero vão desde viver como membro do sexo oposto, à adaptação física por meio de hormônios e de intervenções cirúrgicas.
Em 66% dos transexuais, a incongruência se instala já na infância; nos demais, ela se desenvolve na adolescência e na vida adulta. Quanto mais tardia for a transição para o novo sexo, mais dolorosa será.
As causas são desconhecidas. Autópsias realizadas em pequeno número de transexuais homem-para-mulher mostraram padrões de diferenciação sexual tipicamente femininos em duas áreas do cérebro (núcleo estriado terminalis e núcleo uncinado hipotalâmico), sugerindo que o distúrbio pode estar associado a alterações da arquitetura cerebral.
A identificação com o gênero oposto não pode ser explicada por alterações hormonais, nem por anormalidades nos cromossomos, nem por fatores psicológicos, como a exposição a certas dinâmicas familiares.
Na Holanda e em outros países industrializados, a prevalência é de um caso para cada 12 mil homens; nas mulheres, é de um para 30 mil. Nos adultos, a relação homem/mulher é de três para um. Quando a transexualidade se instala depois da adolescência, é quase sempre irreversível.
O tratamento cirúrgico melhora a qualidade de vida da maioria dos que optaram por ele. Quando bem indicado, apenas 1% a 2% confessam arrependimento.
Pessoas com problemas de identidade de gênero costumam ter expectativas pouco realistas a respeito do sexo oposto. Por essa razão, os especialistas consideram essencial que o tratamento com hormônios seja mantido, por pelo menos um ano, antes da cirurgia de mudança de sexo.
O tratamento hormonal permite desenvolver características sexuais secundárias do novo sexo e mascarar as do sexo original. Não há estudos randomizados para definir as preparações hormonais nem as doses mais adequadas para cada caso.
Nos transexuais homem-para-mulher, a administração de hormônios induz o crescimento das mamas e padrões mais femininos na distribuição de pelos e de gordura. Os estrogênios são os hormônios de escolha, geralmente associados à progesterona ou a outros hormônios que suprimem a produção de testosterona.
Na transição mulher-para-homem, o objetivo é induzir virilização: padrão masculino do contorno muscular e da distribuição de pelos e gordura, além da interrupção das menstruações. O principal hormônio empregado é a testosterona, eventualmente associada à progesterona.
A cirurgia para a transformação do sexo masculino em feminino requer a retirada dos testículos e a construção de uma neovagina, a partir da pele do pênis ou de um retalho de mucosa do intestino grosso.
Na transformação oposta, há necessidade de retirar útero, ovários e mamas. Em casos raros, o clitóris cresce tanto sob a influência da testosterona e adquire o tamanho de um pênis pequeno. Quando esse crescimento é insuficiente, está indicada a metoidioplastia, cirurgia na qual o clitóris é alongado e reconstruído como um neopênis de modo a preservar a ereção e conferir a habilidade de urinar em pé, ou de introduzir próteses rígidas ou infláveis. A bolsa escrotal é reconstruída com os grandes lábios e próteses de testículos.
O tratamento cirúrgico melhora a qualidade de vida da maioria dos que optaram por ele. Quando bem indicado, apenas 1% a 2% confessam arrependimento.
Complicações precoces do tratamento hormonal são raras, mas as implicações tardias são mal conhecidas; apenas agora a Medicina começa a se interessar pelo tema.