Inimigo traiçoeiro | Artigo

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Publicado em: 26 de abril de 2011

Revisado em: 22 de outubro de 2021

Pesquisa mostra que, em 14 anos, houve um aumento da obesidade em São Paulo de 97,3% entre os homens e 61,3% entre as mulheres.

 

Em São Paulo, estamos cada vez mais obesos; no Brasil, também.

Pesquisa conduzida pela Secretaria Estadual da Saúde, resumida no jornal “Folha de São Paulo” pelo jornalista Ricardo Westin, mostra que, em 14 anos, o número de homens obesos na cidade aumentou 97,3% e que, entre as mulheres, o aumento foi pouco menos alarmante: 61,3%.

Os números foram colhidos com base em dois levantamentos realizados entre homens e mulheres com idade entre 15 e 59 anos: o primeiro em 1987 e o outro no período 2001/2002. Os participantes tiveram a circunferência de suas cinturas medidas à altura do umbigo e o peso corpóreo anotado para o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC).

 

Veja também: Obesidade e câncer

 

O IMC é um índice calculado dividindo-se o peso pela altura elevada ao quadrado (IMC= Peso / altura x altura). Genericamente, consideramos obesas as pessoas com IMC superior a 30 e como portadoras de sobrepeso aquelas com IMC na faixa entre 25 e 29,9.

Em 1987, no primeiro inquérito, 6,1% dos homens paulistanos eram classificados como obesos; em 2001/2002, a porcentagem subiu para 12,4%. Já para as mulheres, os índices foram de 9,3% para 15%, respectivamente.

Nesses 14 anos, o número de homens com IMC na faixa do sobrepeso aumentou de 28,3% para 35,5%. Entre as mulheres, diminuiu de 27,8% para 22,9%.

Tomados em conjunto, os índices mostram que 48% dos homens e 38% das mulheres paulistanas estão acima da faixa de peso saudável.

 

Consequências nefastas

 

Engordar não é privilégio dos paulistanos, entretanto. De 1989 a 1997, a proporção de chineses com sobrepeso duplicou nas mulheres e triplicou nos homens. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existe no mundo mais de 1 bilhão de adultos com sobrepeso e 300 milhões com obesidade.

Por aumentar o risco de diabeteshipertensão arterial, doenças cardiovasculares, doenças articulares, distúrbios psiquiátricos e de certos tipos de câncer, a OMS considera a obesidade uma das dez maiores ameaças à integridade da saúde no mundo e uma das cinco principais nos países industrializados. Estudo recente conduzido pelo Rand Institute concluiu que a obesidade está mais intimamente ligada ao aparecimento de doenças crônicas do que viver na pobreza, fumar ou beber. Os autores desse estudo calculam que o fato de ser obeso implica envelhecimento precoce equivalente a 20 anos.

Tendência genética

 

Vistos no passado como indivíduos preguiçosos e glutões, as pessoas obesas são consideradas pela medicina moderna como portadoras de genes que favorecem a obesidade num ambiente de fartura alimentar. Na verdade, a herança da tendência à obesidade não é diferente daquela que explica porque existem pessoas altas e outras de baixa estatura.

Os genes envolvidos na obesidade controlam a produção de moléculas que, por meio de mecanismos neuroendócrinos, regulam o balanço energético do organismo.

Para dar ideia da complexidade desse equilíbrio, basta lembrar que uma pessoa ingere em média 10 milhões de calorias durante uma década. Se pretender manter o peso constante nesse período, ela será obrigada a ter um gasto energético que permaneça no limite de 0,17% das calorias ingeridas. Isto é, não deve ficar aquém nem ultrapassar o total de 17 mil calorias nesses 10 anos (cerca de 5 calorias por dia).

Não há qualquer evidência de que sejamos capazes de atingir essa precisão extraordinária através de mecanismos conscientes.

 

Mecanismo da fome

 

Comer é um comportamento motivacional complexo que obedece à ação de vários hormônios (lepitina, insulina, grelina, PYY, etc.), a desejos conscientes, a fatores sensoriais como cheiro, gosto e estímulo visual, ao estado emocional e outros. O estímulo da fome é, provavelmente, tão intenso quanto o da sede.

Graças à eficácia dessas ações bioquímicas, a espécie humana sobreviveu a 5 milhões de anos de escassez alimentar. No decorrer deles, nosso organismo aprendeu a disparar mensagens moleculares irresistíveis toda vez que emagrecemos: o metabolismo basal cai dramaticamente, e surgem estímulos potentes para consumirmos mais alimentos.

Ao contrário, quando engordamos, os sinais opostos são quase imperceptíveis: não há aumento significativo do metabolismo basal, nem estímulo para aumentar a atividade física, nem perda de apetite. Indiferente aos padrões da moda, o corpo protege seus depósitos de gordura com unhas e dentes com o objetivo de manter ou retornar ao maior peso já atingido.

Tal sabedoria adquirida em tempos de penúria ficou traiçoeira em época de fartura.

Embora existam redes de neurônios que integram os sinais responsáveis pela necessidade bioquímica de comer com centros cerebrais superiores, a partir dos quais podemos expressar a vontade consciente de ingerir menos alimentos, a balança pende descaradamente a favor do controle involuntário do apetite.

A Biologia, no entanto, não consegue explicar a epidemia mundial de obesidade que se instalou nos últimos 30 anos: o ambiente exerceu papel decisivo. A atual possibilidade de viver sentado e a disponibilidade de alimentos densamente calóricos são fatos novos, sem paralelo na história da humanidade.

Num mundo sedentário, com alimentos deliciosos ao alcance da mão, considerarmos a obesidade um problema de caráter é pura ignorância. Perder peso é empenhar-se numa batalha contra a biologia da espécie humana. Só os obstinados são capazes de vencê-la.

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