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Diabulimia: por que algumas pessoas com diabetes deixam de tomar insulina?

Com o intuito de perder peso, alguns jovens com diabetes tipo 1 omitem as doses de insulina. Conheça os riscos dessa prática.

Publicado em 02/08/2024
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Revisado em 08/08/2024

Com o intuito de perder peso, alguns jovens com diabetes tipo 1 omitem as doses de insulina. Conheça os riscos da diabulimia.

 

A diabulimia acontece quando a pessoa é diagnosticada com diabetes tipo 1, mas pula ou deixa de tomar as doses de insulina com o objetivo de perder peso. A reposição de insulina é necessária nesse tipo de diabetes, porque o próprio sistema imunológico ataca as células responsáveis pela produção do hormônio.

Sem a quantidade ideal de insulina, o organismo não é capaz de transformar a glicose, ou seja, o açúcar ingerido na alimentação, em energia. Assim, a glicose permanece alta na circulação sanguínea, até que começa a ser eliminada pela urina junto com outras substâncias. 

Veja também: Diabetes e qualidade de vida: como é conviver com a doença

Apesar de parecer uma atitude extrema, a diabulimia é classificada como um transtorno alimentar e é muito mais frequente do que se imagina.

 

Por que algumas pessoas com diabetes deixam de tomar insulina?

De acordo com o Manual de Doenças Psiquiátricas, existem alguns comportamentos alimentares que afetam a saúde física e psicológica do indivíduo. É o caso da anorexia nervosa, bulimia nervosa, transtorno de compulsão alimentar e transtornos alimentares não especificados. 

Segundo Claudia Pieper, endocrinologista e coordenadora do Departamento de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o risco de uma pessoa com diabetes desenvolver qualquer uma dessas condições é cerca de 2,5 a 3 vezes maior do que o de quem não tem a doença. Entre aqueles diagnosticados com diabetes do tipo 1, 33,4% desenvolvem diabulimia.

Isso porque o diabetes tipo 1 costuma aparecer ainda na adolescência, uma fase em que já existe certa rebeldia e insatisfação com o corpo. Além disso, uma das primeiras consequências da doença no organismo é a perda de peso.

“A insulina é um hormônio anabolizante, então, quando você tem diabetes, come sem planejamento alimentar e aplica a dose, tende a ganhar peso. Isso pode gerar uma insatisfação corporal, mais frequente nos adolescentes e pré-adolescentes”, explica a especialista.

É aí que começam as atitudes de omissão das doses de insulina. O paciente pode fingir, assim, que fez a aplicação ou mentir para os pais e profissionais de saúde sobre os dados de glicemia (taxa de açúcar no sangue) coletados. Em muitos casos, há também outros comportamentos purgativos, como vômitos frequentes, uso de laxantes e diuréticos e prática excessiva de exercícios físicos.

 

Como a diabulimia pode afetar a saúde

As consequências de não tomar as doses de insulina podem ser bastante graves. 

A primeira delas é a hiperglicemia, ou seja, altas quantidades de açúcar no sangue, de uma forma que a pessoa não consegue corrigir em casa e precisa buscar atendimento médico. Assim, conforme o quadro avança, o paciente pode entrar em coma ou desenvolver cetoacidose diabética de repetição.

Para entender o que é cetoacidose diabética é preciso saber que sem a quantidade necessária de insulina, as células do corpo não absorvem a glicose, que fica circulando no sangue. Desse modo, o organismo precisa de outras fontes de energia, e passa a produzir mais cetonas, compostos químicos fabricados pelo fígado a partir da quebra de ácidos graxos durante períodos de jejum, restrição calórica ou dietas com baixo teor de carboidratos, e a utilizá-las como fonte de energia alternativa.

Os sintomas abrangem sede, excesso de urina, náusea e dor abdominal, bem como fraqueza, confusão mental e hálito cetônico — odor parecido com o de frutas envelhecidas. Em algumas situações, pode ser necessário internação hospitalar e terapia com insulina.

“Ou, ainda, essa pessoa desenvolve complicações crônicas do diabetes de forma precoce. Com um histórico de quatro a cinco anos do diagnóstico do diabetes tipo 1, ela começa a apresentar complicações crônicas, sendo a retinopatia a mais frequente”, alerta a dra. Claudia.

A retinopatia provoca borrões e áreas escuras na visão, além de dificuldade de diferenciar as cores. Pode também levar à cegueira. A nefropatia (lesão no rim) e a neuropatia (danos nos nervos) precoce são outras das consequências da diabulimia.

A busca pela perda de peso pode acarretar em quadros sérios de desnutrição, afetando o crescimento e o desenvolvimento da puberdade. Os efeitos se estendem ao convívio social nessa fase, já que o paciente costuma se isolar devido à distorção da imagem corporal.

 

Como reconhecer os sinais da diabulimia?

Desde a década de 1970, já existem relatos da omissão de doses de insulina com o objetivo de perder peso. Hoje, sabe-se que a prevalência é maior na faixa etária dos 15 aos 35 anos, sendo mais comum em mulheres. De acordo com um trabalho publicado em 2013 no “International Journal of Eating Disorders”, a incidência é de 34% nas adolescentes e jovens adultas de 16 a 22 anos e de 40% nas mulheres de 18 e 30 anos. 

Mesmo que a diabulimia surja na adolescência, ela pode acompanhar o paciente pela vida adulta, quase sempre de forma velada. Por isso, o diagnóstico é fundamental. Para perceber indícios do transtorno, os pais e profissionais de saúde devem estar alertas aos seguintes sinais:

  • dificuldade para aceitar o tratamento prescrito;
  • não querer aplicar insulina na frente de familiares, amigos ou profissionais da saúde;
  • estar sempre insatisfeito com o plano alimentar;
  • preocupar-se exageradamente com o tipo de comida que está comendo;
  • trocar a caneta de insulina com uma frequência menor do que deveria;
  • apresentar hiperglicemia constante;
  • ter níveis de hemoglobina glicada sempre altos;
  • exibir aumento dos níveis de triglicérides e colesterol;
  • apresentar ganho ou perda significativa de peso;
  • só realizar o controle do diabetes quando está hospitalizado;
  • ser diagnosticado com alguma comorbidade psiquiátrica, como depressão;
  • sofrer de baixa autoestima e visão negativa da própria imagem corporal;
  • desenvolver complicações crônicas do diabetes com pouco tempo de doença;
  • no caso dos adolescentes, apresentar atrasos no desenvolvimento físico e puberal;
  • também no caso dos adolescentes, começar a ter dificuldades na escola, seja na realização de atividades ou na presença às aulas.

É importante lembrar, enfim, que os pais e familiares também são responsáveis pelo controle do diabetes de seus filhos, por isso devem acompanhá-los e apoiá-los durante o tratamento.

A dra. Claudia ressalta ainda que, no site da Sociedade Brasileira de Diabetes, existe um questionário de 16 perguntas que pode ser respondido pelo próprio paciente sem que ele se identifique. O objetivo é mapear a incidência de transtornos alimentares em quem tem diabetes do tipo 1 e auxiliar em campanhas de prevenção da SBD. Participe aqui.

 

Tratamento da diabulimia

“Além de ser acompanhado por um endocrinologista, [o paciente] tem que ter um psicoterapeuta especializado, que saiba trabalhar com diabetes e transtorno alimentar; e um nutricionista, também especializado na área. Precisa de uma equipe multi e interdisciplinar, que converse o tempo todo, porque esse acompanhamento não é fácil”, afirma a endocrinologista.

Muitas vezes, pessoas com diabulimia apresentam quadros concomitantes de depressão e/ou ansiedade, que podem exigir medicações. Desse modo, o trabalho conjunto do psicólogo e do psiquiatra é fundamental para ajudar a lidar com as inseguranças do paciente e mudar comportamentos nocivos à saúde.

Veja também: Quantas vezes se deve medir a glicemia na ponta do dedo

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