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Dermatologia

Autocuidado em excesso: quais os perigos das rotinas de beleza noturnas exageradas?

Publicado em 17/04/2025
Revisado em 17/04/2025

Especialistas explicam como o excesso de rituais de beleza e autocuidado pode prejudicar tanto a pele quanto o sono. Saiba o que fazer para evitar esse efeito reverso.

 

No auge da cultura do autocuidado, as rotinas noturnas viraram protagonistas da internet. Vídeos e tutoriais com dezenas de passos, produtos, ferramentas e promessas se multiplicam nas redes sociais. A ideia de que uma rotina elaborada de skincare pode ser um caminho para o bem-estar físico e mental é sedutora – mas até que ponto esses rituais realmente fazem bem? E quando começam a atrapalhar?

 

Quando o ritual de beleza vira cobrança

O que deveria ser um momento de relaxamento antes de dormir muitas vezes se transforma em mais uma obrigação na rotina. E é aí que mora o problema.

“A partir do momento em que esses rituais deixam de ser momentos de autocuidado e passam a gerar estresse, ansiedade ou cobrança por resultados, eles começam a prejudicar o sono”, explica a dra. Letícia Sóster, neurologista e médica do sono do Hospital Israelita Albert Einstein. Segundo ela, muitas pessoas entram num ciclo de frustração por não alcançarem os efeitos desejados, o que aumenta a ativação mental justamente na hora de desacelerar. “O sono precisa de um ambiente de relaxamento e previsibilidade – quando o ritual se torna mais uma tarefa ou fonte de preocupação, ele perde completamente o propósito”, completa.

Do ponto de vista da pele, o excesso também traz seus riscos. “Quando a rotina de skincare noturna é muito longa e com muitos passos, pode mais atrapalhar do que ajudar”, afirma a dra. Fernanda Bertanha, dermatologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo. “Muitos produtos acabam aumentando o risco de dermatites alérgicas ou irritativas com comprometimento da barreira cutânea.”

Ela explica ainda que o uso em excesso pode até anular a eficácia dos produtos. “Os produtos, para terem seu efeito, devem permear a pele. E, para essa penetração, apresentam formulações com pH e veículos específicos para os ativos que contêm. Muitas vezes os ingredientes de uma camada de produto podem anular o efeito dos ingredientes da próxima etapa do skincare, tornando a rotina ineficaz.”

Ou seja: o excesso de etapas pode sobrecarregar tanto a pele quanto a mente – especialmente à noite, quando o corpo precisa descansar. “O ideal é ter por hábito fazer a higiene adequada da pele, mantê-la hidratada e usar seu creme de tratamento de pele, caso seja indicado, sem muitos passos”, resume a especialista.

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O risco das tendências sem base científica

Com o crescimento do tópico nas redes sociais, surgiram práticas de beleza e sono sem qualquer respaldo médico. Algumas ganharam destaque, como tapar a boca com fita adesiva para dormir (o chamado mouth taping) ou colocar óleo de rícino no umbigo. Mesmo parecendo naturais, essas tendências podem ser perigosas.

“Acreditar nesses métodos caseiros como solução pode atrasar o diagnóstico e o tratamento de condições clínicas importantes”, alerta a dra. Letícia. Muitas vezes, a pessoa enfrenta um problema real – como insônia ou apneia – mas deixa de procurar ajuda médica, apostando em soluções duvidosas. “Essas práticas, por não terem embasamento científico, podem inclusive piorar a situação ou causar desconforto, sem trazer benefício nenhum.”

A dra. Fernanda reforça que o apelo natural pode ser ilusório. “Por parecerem ‘naturais’ e ‘caseiros’, muita gente acredita que são seguros, quando, na prática, podem causar efeitos adversos. mouth taping, por exemplo, pode aumentar risco de respiração forçada ou sufocamento para quem tem condições respiratórias. O uso de óleo de rícino tópico no umbigo não tem efeito sobre órgãos internos, hormônios ou função intestinal como dizem nas redes sociais, e, além de não ter esses ‘benefícios’, pode aumentar o risco de alergias.”

 

Autocuidado ou performance?

Outro ponto de atenção é o excesso de estímulos antes de dormir. “Quanto mais estímulos a gente introduz nesse período que deveria ser de transição para o sono, mais difícil fica para o cérebro entender que é hora de desligar”, explica a dra. Letícia. “Luzes fortes, cheiros intensos, manipulação constante do rosto ou do corpo – tudo isso ativa o sistema nervoso e pode atrapalhar a indução do sono.”

Isso porque existe uma linha tênue entre o autocuidado verdadeiro e performance para as redes sociais. Rotinas cheias de etapas, iluminação perfeita e edições sofisticadas criam uma ideia irreal do que é necessário para cuidar de si.

“Existe uma diferença grande entre um ritual simples, que traz prazer e contribui para a rotina de sono, e uma performance que exige etapas complexas e se baseia em modismos. Muitos desses rituais viralizados têm pouco ou nenhum respaldo científico, e acabam servindo mais como conteúdo estético do que como prática de autocuidado real.”

Ela ainda observa que essa cultura do excesso afeta a autoestima e o bem-estar emocional. “Ter um ritual saudável, com produtos adequados, pode trazer benefícios na qualidade da pele e isso traz aumento da autoestima. O problema é quando há exagero, com excesso de produtos ou uso de substâncias inadequadas para seu tipo de pele. Há uma expectativa irreal que os influencers criam ao fazer essas rotinas, gerando ansiedade no espectador que sente que precisa fazer isso para ter uma pele bonita e jovem e, na realidade, a tal pele é apenas mais um filtro do aplicativo da rede social.”

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Como construir uma rotina adequada? 

A recomendação das especialistas é clara: à noite, menos é mais. “O ideal é que o ritual noturno seja simples, previsível e relaxante, ajudando o cérebro a entrar num estado de repouso progressivo”, orienta a dra. Letícia.

No fim das contas, tanto ela quanto a dra. Fernanda defendem o equilíbrio. Autocuidado verdadeiro não precisa de dezenas de produtos nem de performances para as redes. Precisa de intenção, constância e respeito às necessidades reais do corpo e da mente. A simplicidade, quando aliada à ciência, continua sendo o melhor caminho.

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