O Brasil envelhece mal

close em mãos de idoso segurando a bengala. envelhecimento da população aumentou, mas envelhecemos mal no Brasil

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Publicado em: 20 de abril de 2023

Revisado em: 24 de abril de 2023

O envelhecimento da população brasileira ocorrido nas últimas décadas não significa que estejamos envelhecendo bem. Leia na coluna de Mariana Varella.

 

A expectativa de vida do brasileiro, que era de 52,5 anos em 1960, segundo o IBGE, passou para 76,7 anos em 2020. Estamos vivendo mais, mas isso não significa que estejamos vivendo bem.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), feita pelo IBGE,  nos últimos nove anos, o contingente de idosos residentes no Brasil aumentou 39,8%, e em 2021, 14,7% dos residentes do país tinham mais de 60 anos de idade (31,2 milhões de pessoas).

Veja também: Envelhecer no Brasil não é igual para todo mundo

O aumento da longevidade da população, associada a maus hábitos de vida, como sedentarismo e má alimentação, mudou o perfil da saúde de parte significativa da população mundial, que antes morria principalmente de doenças infectocontagiosas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 74% das mortes atuais ocorram devido a esses eventos, sendo 86% em países de baixa e média renda.

Por conta da mudança no perfil epidemiológico, hoje o mundo enfrenta o que muitos especialistas em saúde pública chamam de epidemia de doenças não transmissíveis, também conhecidas como doenças crônicas, como as doenças cardiovasculares, diabetes e câncer.

No Brasil, 52% das pessoas de 18 anos ou mais informaram que receberam diagnóstico de pelo menos uma doença crônica em 2019 (Pesquisa Nacional de Saúde – PNS 2019).

De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, 46% dos 16,7 milhões brasileiros com diabetes sequer tinham o diagnóstico da doença em 2019.

Cerca de 30% da população brasileira adulta tem hipertensão, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia; estima-se que apenas 20% dos hipertensos estejam devidamente tratados.

Dados da PNS 2019 mostram que mais de 40 milhões de pessoas, 25,9% da população, tinham obesidade.

A saúde mental é outra preocupação, principalmente depois da pandemia de covid-19, que atingiu em cheio os idosos. Ainda segundo a PNS 2019, o Brasil tinha 16,3 milhões de pessoas, cerca de 10% da população adulta, diagnosticadas com depressão. O número é superior aos cerca de 7% dos brasileiros com a doença em 2013, e especialistas alertam para o fato de que viveremos uma epidemia de problemas de saúde mental nos próximos anos.

 

Reserva funcional

A OMS estabelece que a velhice começa aos 60 anos, embora a organização faça questão de ressaltar que a idade cronológica não é um marcador preciso para as mudanças que acompanham o envelhecimento.

Segundo a geriatra Ana Cláudia Arantes, em entrevista a este Portal, o envelhecimento começa a partir do momento em que o corpo alcança seu melhor status. “Isso ocorre muito cedo, por volta dos 23 ou 25 anos, quando alcançamos o melhor desempenho físico”, explicou.

Depois disso, o organismo começa a perder a reserva funcional, que, grosso modo, é a diferença entre o que normalmente é exigido de cada órgão no dia a dia e o que temos disponível para utilizar. Por isso, um organismo jovem tem uma capacidade superior de responder adequadamente às demandas funcionais do que o de um idoso, por exemplo. Com o envelhecimento fisiológico, perdemos progressivamente essa característica vantajosa e isso favorece o surgimento de determinadas doenças.

Embora caracterize o processo de envelhecimento, a perda funcional não ocorre da mesma forma para todo mundo. Há cada vez mais evidências científicas que mostram que se é fato que o processo de envelhecimento é inexorável, também é verdade que ele depende de uma série de fatores (genéticos, socioeconômicos, culturais, psicológicos e ambientais e dos hábitos que adotamos na juventude) que variam de indivíduo para indivíduo. 

A abordagem atual da geriatria, área da medicina que cuida dos eventos de saúde de uma pessoa idosa, entende que é possível e desejável planejar o envelhecimento, não para fugir dele, mas para torná-lo mais saudável.

“A velhice não é sinônimo de doença. Existem doenças mais comuns em idosos, mas elas podem ser evitadas ou amenizadas e tratadas se houver cuidado antes”, explicou a dra. Ana Cláudia.

Assim, muitos pacientes têm procurado o geriatra antes dos 60 anos, para planejar a velhice. A vantagem disso é que o médico geriatra tende a tratar o paciente como um clínico geral, e não como a maioria dos especialistas, que cuidam de determinados órgãos e doenças.

“É possível investir em prevenção primária desde cedo. Muitas vezes nem é preciso fazer um monte de exames, como muita gente faz, mas entender quais as doenças mais frequentes na sua família, quais são seus maiores riscos e como cultivar um corpo saudável”, falou a dra. Ana Cláudia.

Infelizmente, nem todas as pessoas com menos de 60 anos que procuram um geriatra o fazem para planejar o envelhecimento. “Nosso consultório está cada dia mais jovem e mais envelhecido”, alertou a médica.

Para evitar o adoecimento de suas populações e gastos oriundos dos tratamentos de milhões de pessoas com doenças crônicas evitáveis, todos os sistemas de saúde do mundo terão um grande desafio pela frente: investir e organizar programas de prevenção de doenças não transmissíveis.

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