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Envelhecer no Brasil não é igual para todo mundo

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Publicado em 04/01/2023
Revisado em 31/01/2023

Questões sociais, de raça e de gênero têm um grande impacto no processo de envelhecimento, mas envelhecer no Brasil não é o mesmo processo para todos.

 

O envelhecimento é um processo natural que envolve alterações fisiológicas, estruturais e químicas nas células. Mas essa mudança biológica inerente à vida não é igual para todas as pessoas. Além das questões físicas, o gênero, o contexto social e a raça têm um peso enorme nesse processo, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil, repleto de desigualdades e com um racismo que permeia a cultura.

O primeiro dado que mostra a realidade do cenário local é a relação entre expectativa de vida e riqueza. Em Santa Catarina, estado com uma das maiores rendas médias per capita do Brasil, uma pessoa vivia em média 79,9 anos em 2019, segundo a última pesquisa sobre o assunto divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, no Maranhão, cuja renda é a menor do Brasil, a expectativa média de vida naquele ano foi de 71,4 anos. 

“O envelhecimento não é igual para pobres e para ricos, não é igual para alfabetizados e letrados, assim como também envelhecer na região Nordeste, por exemplo, não é a mesma coisa que envelhecer no Sul”, explicou Adelaide Paredes Moreira, professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e coordenadora do mestrado profissional em gerontologia da mesma instituição. 

De acordo com Adelaide, estudos mostram que pessoas nascidas em lugares mais pobres tendem a ter de dez a 20 anos a menos de expectativa de vida do que aquelas nascidas em locais mais ricos ou com situações econômicas melhores. O Mapa da Desigualdade da Capital Paulista de 2021, divulgado pela Rede Nossa São Paulo, mostra essa realidade dentro da maior cidade do país. No Jardim Paulista, bairro da região central de São Paulo, a média de vida dos moradores é de 80 anos, enquanto no Iguatemi, na zona leste, é de 60 anos – uma diferença exorbitante de 20 anos.

“O Brasil tem uma desigualdade social muito presente, e isso vai refletir diretamente na esperança de vida dessas pessoas”, disse Adelaide.

 

O quesito raça

Os dados do IBGE conseguem relacionar o contexto social ao envelhecimento, mas camuflam as diferenças relacionadas à raça. Historicamente, no entanto, um grupo sempre viveu menos tempo: o de pessoas negras e pardas. No último Relatório Anual das Desigualdades Raciais, divulgado em 2011, o Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/Unicamp) apontou que os brancos vivem seis anos a mais que os negros, em média.

Esse cenário desigual, segundo Alexandre da Silva, especialista em gerontologia e doutor em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP),  além de professor na Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ), se deve em parte ao racismo.

“A população negra que está vivendo tem mais possibilidades de acumular discriminações por causa da cor da pele, local onde vive, classe social, gênero e ainda mais se tiver alguma deficiência ou se for LGBTQIA+. E esse acúmulo de discriminações vai cerceando uma série de possibilidades, como [acesso a] saúde, trabalho e educação, e gerando estresses cotidianos, como não saber onde vai dormir, como pagar as contas, o que vai comer, se o filho vai chegar, se vai arrumar emprego”, disse Silva.

De acordo com o estudo “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, publicado pelo IBGE no final de 2022, apesar de a população preta e parda representar a maioria do país, os membros desses grupos têm menos acesso à educação e dependem mais do trabalho informal, duas situações que limitam o acesso a direitos básicos, como salário-mínimo e à aposentadoria. Além disso, eles são mais afetados pela violência, especialmente os homens negros. 

Veja também: Da prevenção à vacinação, negros não são prioridade para os governos

 

Envelhecimento ativo para todos? 

A população mundial está ficando cada vez mais velha, e o Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), será a sexta nação do mundo com o maior número de idosos até 2025. Prevendo esse cenário global, a entidade adotou no final dos anos 1990 o termo “envelhecimento ativo”. O conceito diz que para o processo se tornar uma experiência positiva, a vida deve ser acompanhada de oportunidades contínuas de saúde, participação (social) e segurança. Dessa forma, o idoso pode passar dos 60 anos com autonomia, independência, qualidade de vida e saúde. 

As desigualdades sociais e raciais, no entanto, dificultam o envelhecer ativo e saudável para alguns grupos. “As pessoas idosas negras, atualmente, são aquelas que menos aprenderam a ter vida social, porque elas são aquelas que menos recebem pessoas em casa, que menos frequentam a casa das pessoas, ou seja, elas só trabalham – e em um trabalho de baixa qualidade. E não dá para falar que a pessoa não quis se preparar para envelhecer. Ela até pensou nisso, mas tinha que pagar contas, acordar cedo, trabalhar mais tempo para o filho viver um pouquinho melhor”, falou Silva.

Os próprios espaços com maior concentração de negros e pardos, como favelas, por exemplo, não facilitam um envelhecimento ativo prático, e ainda criam uma espécie de “segregação residencial”, disse Silva. “Você já foi a um local que tem muitas pessoas negras? Você percebe que o território não é bom para se viver, a qualidade e o acesso dos serviços não são bons, então as pessoas – tanto negras quanto brancas – que envelhecem nesses espaços não têm muitas possibilidades.”

 

A questão do gênero

Além de todas as questões sociais e de raça que afetam o envelhecimento, o gênero também tem um papel relevante no processo. De acordo com o IBGE, para cada 100 mulheres que chegam aos 60 anos, existem apenas 78,8 homens. Os motivos são variados, mas no geral os homens têm mais medo de descobrir doenças, procuram menos os serviços de saúde, seguem menos os tratamentos recomendados, utilizam mais álcool e drogas, estão mais envolvidos em situações de violência e se alimentam de maneira menos saudável. 

Quando o homem passa dos 60, segundo Adelaide, professora da UFPB, um dos principais pontos que podem afetar a velhice é a aposentadoria, que tem um impacto direto na vida. “Isso porque ele deixa de ser socialmente produtivo e perde essa capacidade de produção, e quando o salário, às vezes, não condiz com a manutenção da família, ou das condições que ele vivia, isso impacta na autoestima dele.”

A mulher, apesar de ter uma longevidade maior, segundo Adelaide, tem menos qualidade de vida durante o processo de  envelhecimento. “O motivo é que ela tende a ter mais incapacidades e sofre de algo que a gente chama de solidão. Muitas vezes elas também perdem o parceiro mais cedo, ficando viúva, ou mesmo se separam e se divorciam, e a solidão acaba sendo realmente uma das coisas que hoje a gente vê muito como um fator extremamente preocupante”, disse. 

Ainda de acordo com Adelaide, as oportunidades de trabalho para as mulheres também são menos frequentes do que para os homens. Além disso, mesmo em situações ocupacionais iguais, o salário é relativamente mais baixo para elas, falou. “Então assim, envelhecer entre homens e mulheres também tem as suas diferenças, que precisam ser compreendidas para que possam ser bem trabalhadas. A partir do momento que a gente entende isso, conseguimos atingir melhor esses públicos de forma diferenciada.”

 

Longevidade e políticas públicas 

O Brasil tem políticas públicas robustas para o envelhecimento, que abordam capacitação, garantia de acesso à rede de serviços de saúde, acolhimento, entre outros pontos. Uma das principais legislações é o Estatuto da Pessoa Idosa, instituído em outubro de 2003 por meio da Lei nº 10.741. O grande problema desse arcabouço jurídico, no entanto, é que ele muitas vezes não é colocado em prática pela sociedade, segundo Adelaide.

“O estatuto do idoso é realmente um dos principais instrumentos que veio dar suporte à política nacional de atenção à pessoa idosa. Eu acho que o que falta é a sociedade realmente tornar essa política algo efetivo, não só na saúde, mas também na educação, na habitação, na segurança social, e em políticas que garantam que a pessoa chegue à velhice e que, ao chegar lá, possa usufruir, nessa fase, de uma vida mais plena, de uma vida digna, e de uma vida feliz”, falou.

De acordo com a professora, a promoção e a efetivação de políticas públicas são poderosas ferramentas para aumentar a longevidade. Uma vida longeva, ainda de acordo com Adelaide, também está relacionada com alimentação saudável, prática de exercícios físicos, leituras, jogos e, principalmente, relações sociais – com familiares, amigos e a comunidade no geral. 

Veja também: Outras Histórias #38 | A arte de envelhecer

 

Sobre o autor: Lucas Gabriel Marins é jornalista e futuro biólogo. Tem interesse em assuntos relacionados à ciência, saúde e economia.

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