Saiba em quais situações é possível o transplante com doador vivo e quais são as regras para o procedimento.
A doação de órgãos é um procedimento que consiste na retirada de um órgão ou tecido de um doador vivo ou falecido para uma pessoa que precisa restabelecer a função de um órgão devido a alguma doença. Em muitos casos, o transplante é a única alternativa para salvar a vida do paciente.
O Brasil possui o maior programa público de transplantes de órgãos do mundo. Quase 90% dos transplantes do país são realizados através do SUS. Em números absolutos, somos também o segundo maior transplantador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. As informações são do Ministério da Saúde.
Quando falamos em transplante de órgãos, existem dois tipos de doadores: o doador vivo e o doador falecido. No segundo caso, é a família quem autoriza a doação. Por isso, se você pretende ser doador, é fundamental avisar os seus familiares sobre seu desejo.
Mas como funciona o transplante com doador vivo? Esse tipo de doador pode doar um dos rins, parte do fígado, parte dos pulmões ou parte da medula óssea. Nesses casos, a legislação brasileira permite que cônjuges e parentes de até quarto grau sejam doadores. Para pessoas que não são parentes, a doação só é possível com autorização judicial.
A exceção é o transplante de medula óssea. Nesse caso, os doadores podem ser buscados no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), no qual pessoas podem se cadastrar voluntariamente para doar. Isso não significa que a pessoa irá doar a medula de fato. Os dados dela ficam registrados, e ela é acionada se houver um paciente compatível precisando do transplante. Por isso, é importantíssimo manter os dados atualizados.
Quais são as indicações?
O transplante é a indicação de tratamento nos casos em que os tratamentos anteriores já esgotaram as possibilidades de recuperação. Veja as principais condições que exigem um transplante de órgão que pode ser feito entre pessoas vivas:
- Rim: insuficiência renal crônica de qualquer natureza;
- Fígado: doença hepática crônica ou hepatite fulminante;
- Pulmão: casos graves de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), hipertensão pulmonar ou fibrose cística;
- Medula óssea: doenças que afetam as células do sangue, como leucemias e linfomas.
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Critérios para doação
Para ser um doador de órgãos em vida, segundo a legislação, é preciso ter no mínimo 18 anos de idade, ser juridicamente capaz e ter parentesco de até quarto grau com o receptor, conforme mencionamos no início da matéria. A compatibilidade sanguínea é necessária em todos os casos. A depender do órgão, também é necessário ter características compatíveis do DNA, como o HLA (antígenos leucocitários humanos).
Depois, vêm os critérios de saúde. Os médicos vão avaliar a história clínica e possíveis doenças prévias do doador. Para estar apta a doar, a pessoa precisa estar saudável e passar por uma série de exames.
“Ela passa por uma avaliação clínica completa e depois tem a avaliação da anatomia do órgão a ser doado, para ver se não tem nenhuma malformação. Tem que fazer uma avaliação com tomografia e ressonância. Os doadores de pulmão avaliam também a função pulmonar. É uma avaliação extensa”, explica a professora Sandra Maria Gonçalves Vieira, hepatologista pediátrica e chefe do Programa de Transplante de Fígado Infantil do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Nos casos de transplante de fígado, de acordo com a especialista, o doador não pode ter índice de massa corporal (IMC) acima de 30, valor que configura obesidade. “Não pode porque tem um depósito de gordura no fígado, e isso impede o funcionamento adequado.”
Quais são os riscos?
O doador vivo está sujeito aos riscos de se submeter a uma cirurgia com anestesia geral. Os exames pré-operatórios também visam minimizar esses riscos, mas não se trata de algo simples como uma doação de sangue, alerta a médica. “É um procedimento cirúrgico grande, complexo. Tão complexo quanto a própria cirurgia do transplante”, afirma.
Segundo a especialista, no caso do transplante de fígado, o doador pode ter problemas como dor abdominal, sangramentos e fístula biliar, por exemplo. A dor é comum no pós-operatório devido ao trauma da cirurgia, já as outras complicações são menos frequentes. Além disso, existe um risco muito pequeno de morte, menos de 1%, para quem doa uma parte do fígado.
Geralmente, são necessários alguns dias de internação, exceto no caso da doação de medula, em que o doador recebe alta no dia seguinte, caso faça o procedimento via punções.
Veja os detalhes de cada procedimento:
No transplante de rim, doa-se um rim inteiro, e o doador passa a viver com apenas um, que é capaz de exercer as funções renais normalmente.
No transplante do fígado, até 70% do órgão pode ser doado, porque ele se regenera. “O fígado tem anatomicamente sete segmentos que têm drenagem e recebimento de sangue próprios e saída de bile [líquido produzido pelo fígado que atua na digestão de gorduras no intestino] própria. Cada um desses segmentos, juntos ou separados, podem ser doados. E o que sobrou no doador e o que faltou no receptor se regenera. E volta ao tamanho normal”, esclarece a médica.
Segundo ela, o tempo que o órgão leva para se regenerar varia de pessoa para pessoa, mas em geral isso acontece a partir do primeiro ano de transplante.
No caso do transplante de pulmão, geralmente são retirados um ou dois lobos do doador – os pulmões têm no total cinco lobos (dois no pulmão esquerdo e três no direito). O pulmão não muda de tamanho, mas normalmente a parcela do órgão funciona como um pulmão normal.
O transplante de medula óssea é o mais simples, comparado aos órgãos sólidos. A retirada pode ser feita de duas formas: uma consiste em punções feitas em centro cirúrgico, com anestesia geral, e outra é realizada por coleta de sangue na veia, sem anestesia. Os riscos são mínimos em ambos os casos, e a medula se regenera em poucas semanas.
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Cuidados com o doador
Outro ponto importante é que, idealmente, quem cuida do doador não deve cuidar do receptor. “Porque o médico que está muito envolvido com o receptor tem um grande conflito de interesse na doação. Então, no nosso caso, a avaliação dos pais ou de qualquer que seja o doador é feita por um médico clínico que não é da nossa equipe e não tem contato direto com o receptor”, explica Sandra.
De acordo com a médica, a recomendação é que todos os doadores tenham acompanhamento de um profissional que é chamado de “advocate” (uma espécie de “defensor”), alguém que estará focado em esclarecer as dúvidas e dar suporte ao doador.
Fila de espera
Quando um paciente precisa de um transplante, o primeiro passo é procurar um doador compatível na família, se possível. Mas ele também entra direto na lista de espera de transplante, porque a melhor opção é o órgão vindo de um doador falecido.
“Porque você vai estar submetendo uma pessoa saudável a uma cirurgia grande, com risco, sem nenhum benefício físico para ela própria. Então, o paciente tem que estar cadastrado em uma lista para doador falecido, porque, se aparecer um doador falecido perfeito, a gente poupa o doador vivo”, detalha.
Se no futuro, após a doação de um órgão, o doador vier a precisar de um transplante desse mesmo órgão – o que não é comum –, ele pode ter prioridade na lista de espera.
Rejeição do órgão doado
Segundo a médica, uma dúvida comum entre as pessoas que doam um órgão para seus parentes é se a possibilidade de o organismo do paciente rejeitar esse órgão é menor. Infelizmente, a resposta é não.
“Não é, porque, mesmo que sejam indivíduos geneticamente muito parecidos, receber um órgão de outra pessoa continua sendo visto pelo sistema imunológico como um corpo estranho. Em termos de rejeição, não parece ter muita diferença”, finaliza.
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