A solidão pode afetar a saúde física e mental. Mesmo com a dificuldade de fazer novas amizades, é importante construir laços na vida adulta.
Você tem amigos? Pessoas próximas, com quem pode contar? Pedir ajuda em um momento de dificuldade, ou compartilhar uma boa notícia? Curtir a própria companhia pode ser muito bom, e até saudável, mas também é importante manter conexões de qualidade, pois elas são essenciais para a nossa saúde e bem-estar.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o isolamento social e a solidão estão generalizados, com 1 a cada 4 idosos vivenciando o isolamento e 5% a 15% dos adolescentes se sentindo solitários. “Um amplo conjunto de pesquisas demonstra que o isolamento social e a solidão têm um impacto significativo na saúde física e mental, na qualidade de vida e na longevidade. O efeito do isolamento social e da solidão na mortalidade é comparável ao de outros fatores de risco bem estabelecidos, como tabagismo, obesidade e inatividade física”, afirma a OMS.
Diante disso, a solidão e o isolamento social têm sido cada vez mais reconhecidos como um problema prioritário de saúde pública, de acordo com o órgão.
“Baseado em evidências recentes, [podemos dizer que] as pessoas estão mais solitárias — não necessariamente pela quantidade de contato social, mas pela qualidade dessas conexões e o sentido que atribuem à própria vida. Hoje nos conectamos digitalmente cada vez mais, mas estamos emocionalmente distantes”, afirma Larissa Fonseca, psicóloga clínica especialista em terapia cognitivo-comportamental (TCC).
Por que é difícil fazer amigos na vida adulta?
Nem sempre é fácil construir novos laços na fase adulta. Na infância, a prioridade normalmente é brincar, ir para a escola, estudar, e as amizades tendem a nascer de forma mais espontânea.
“Fazemos grandes amizades na infância em decorrência do convívio associado ao desenvolvimento psicossocial. Frequentamos todos os dias locais em que nos divertimos, sofremos, superamos juntos, e empaticamente ajudamos uns aos outros”, diz Larissa.
Na vida adulta, é natural que o tempo livre diminua. As responsabilidades e demandas do dia a dia acabam dificultando a construção de novas relações. Além disso, os círculos sociais costumam se formar a partir de afinidades (como filhos, trabalho ou rotina), o que reduz as oportunidades de conhecer pessoas novas.
“Há um outro ponto para levar em consideração: com o amadurecimento emocional, há uma tendência em buscar vínculos saudáveis ou mais significativos, tornando as pessoas também mais seletivas logo de início. A intolerância às falhas dos outros fragiliza a possibilidade de iniciar uma amizade verdadeira e profunda”, completa a psicóloga.
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Impactos da solidão na saúde
A solidão pode estar ligada ao aumento de sintomas de ansiedade, tristeza, desesperança e baixa autoestima. Algumas pessoas também podem ter sentimentos de inutilidade, além de sentir angústia mesmo na presença de outros, pela sensação de que ninguém as compreende.
“Quando a solidão se associa ao transtorno depressivo, há sentimentos prolongados de vazio e desconexão. Um estudo feito pela Academia Americana de Neurologia mostra que pessoas que se sentem sozinhas tendem a ter níveis mais altos de cortisol (hormônio do estresse), o que pode enfraquecer o sistema imunológico, elevar a pressão arterial e aumentar o risco de doenças cardiovasculares”, alerta Larissa.
Segundo ela, nesses casos pode haver ainda problemas como distúrbios do sono, alterações na alimentação (comer de maneira desregulada ou não se alimentar) e até mesmo o adiamento dos cuidados com a própria saúde.
O papel das amizades
Ter amigos faz bem para a saúde — e o dr. Drauzio Varella já falou sobre isso: “Quando você deixa de conversar ou de encontrar com os seus amigos, você não está prejudicando só a sua vida social, mas a sua saúde”.
Segundo Larissa, as amizades têm um papel fundamental no desenvolvimento emocional, social e até físico das pessoas. “A humanidade evolui a partir das relações. Amizades verdadeiras fazem bem porque regulam o nosso cérebro. Quando estamos com quem nos acolhe, liberamos ocitocina, que fortalece o vínculo; dopamina, que traz prazer; serotonina, que estabiliza o humor; e endorfinas, que aliviam o estresse. É por isso que, perto de quem nos faz bem, até a vida parece mais leve”, comenta.
Os amigos são suporte para enfrentar situações difíceis ou estressantes e ajudam a cultivar o senso de pertencimento. “Além disso, estudos mostram que pessoas com laços afetivos sólidos tendem a ter menor incidência de transtornos como depressão e ansiedade, além de apresentarem melhor qualidade de vida. Uma das pesquisas mais longas já realizadas (conduzida por Harvard), concluiu que relações próximas e de qualidade são o fator mais importante para a saúde e felicidade ao longo da vida.”
Veja também: Por que ter amigos faz bem para a saúde?
O que são amizades de “baixa manutenção”?
Um assunto que tem recebido destaque nas redes sociais ultimamente é a chamada “amizade de baixa manutenção”, que seriam aquelas amizades em que as pessoas não necessitam de contato frequente para continuarem amigas.
Nesse contexto, é importante encontrar o equilíbrio entre respeitar o tempo do outro sem abrir mão de cultivar a relação. O ideal, de acordo com a psicóloga, é que haja reciprocidade.
“Amizades saudáveis não exigem presença constante, mas sim presença emocional. Reconhecer as limitações da rotina adulta é um sinal de maturidade, mas isso não significa ausência de cuidado. O vínculo se fortalece por meio de gestos simples, como uma mensagem ou demonstrações de lembrança e apoio”, diz Larissa.
Mesmo quando a rotina não permite encontros e conversas frequentes, a segurança de saber que há alguém ali, com quem se pode contar, faz a diferença.
Quero fazer amigos. Por onde começar?
“Buscar novos vínculos é algo que parte da própria atitude: envolver-se em atividades novas, frequentar ambientes onde haja reciprocidade e se permitir ser visto, ser escutado e também escutar. As amizades não são construídas da noite para o dia. Elas exigem tempo, disponibilidade emocional e uma certa vulnerabilidade. Demonstrar interesse pelo outro, ouvir e oferecer presença são gestos simples, mas muito potentes”, orienta a psicóloga.
Além disso, a especialista reforça que, para se relacionar com o outro, é preciso estar minimamente em contato consigo. Por isso, fortalecer a autoestima, cuidar da saúde emocional e buscar ajuda profissional quando a solidão se torna crônica ou dolorosa são ações importantes. “Ninguém precisa enfrentar isso [a solidão] sozinho. A construção de laços começa, muitas vezes, com o reconhecimento de que se precisa deles.”
Se você quer manter ou fazer novos amigos, precisa sair de casa e não só esperar alguém convidá-lo, como aconselha o dr. Drauzio: “Mande uma mensagem, chame aquele seu amigo da escola para um café, ou um happy hour com o pessoal do trabalho. Ou se você preferir conhecer gente nova, comece um curso. Procure uma atividade que te permita encontrar com outras pessoas. Coloque a cara a tapa. Tem gente que não vai dar abertura mesmo, mas outras vão virar amigos para o resto da vida”. Vale a tentativa!
Veja também: Os males da solidão
Conteúdo produzido em parceria com a RD Saúde.
Ilustrações: Janaína Esmeraldo