Os transtornos emocionais são cada vez mais frequentes, afetando a saúde mental da população. Leia no artigo do dr. Drauzio Varella.
Com a vida moderna, os transtornos emocionais se espalharam pelo mundo. Antes do início da pandemia de covid-19, a Organização Mundial da Saúde já considerava que depressão seria a principal causa de absenteísmo no trabalho.
Diversos estudos realizados nos últimos anos documentaram um aumento importante da prevalência de distúrbios emocionais em diversos países, principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Esse panorama motivou o Instituto Gallup a conduzir a pesquisa “Gallup World Poll”, um projeto ambicioso para avaliar a evolução da saúde mental, mundo afora.
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Aproximadamente 1,5 milhão de adultos com mais de 15 anos, residentes em 113 países, foram avaliados num período de 12 anos (de 2009 a 2021). O inquérito consistiu de chamadas telefônicas individuais digitadas ao acaso para, no mínimo, mil habitantes de cada país.
As mulheres e os homens consultados precisavam responder se no dia anterior ao telefonema tinham experimentado estados de espírito negativos, em relação a quatro itens: estresse, ansiedade, depressão e raiva.
As faixas etárias formaram três grupos: abaixo de 35 anos, entre 35 e 54 anos e acima de 55 anos. O nível de escolaridade dos participantes, outros três: básico, secundário e universitário. De acordo com as condições financeiras, os participantes foram divididos em cinco grupos, cada qual correspondente a 20% (dos mais pobres aos mais ricos), de acordo com o nível de renda per capita do país estudado.
Em 2009, os distúrbios emocionais acometiam 25,1% dos adultos avaliados. Em 2021, esse número chegou a 31,2%. Houve, portanto, em pouco mais de uma década, acréscimo médio de 6% no número de adultos com transtornos emocionais.
Como há cerca de 160 milhões de brasileiros com mais 15 anos de idade, 6% desse número corresponde a 9,6 milhões de pessoas a mais, acumuladas apenas nos últimos em 12 anos.
Quais as características desses 160 milhões de brasileiros? Ao estratificar essa população segundo os níveis de escolaridade e renda, o aumento dos casos entre os de nível de escolaridade elementar atingiu 9,5%. A mesma tendência foi encontrada entre aqueles de renda mais baixa: 7,3%.
Em relação aos transtornos apresentados na véspera da chamada telefônica, as queixas foram: estresse (10%), tristeza (6,3%), preocupação excessiva (6,2%). Os que se queixaram de episódios de raiva não atingiram números significativos.
Outro dado interessante foi colhido durante a pandemia de covid-19, uma vez que os participantes foram avaliados até 2021. Muita gente atribui à pandemia o aumento dos casos de depressão e ansiedade.
De fato, nos momentos mais difíceis da pandemia houve aumento acelerado dos distúrbios emocionais: 2,5% a mais. No fim de 2021, no entanto, esse número voltou aos valores pré-pandemia, sugerindo capacidade de adaptação rápida assim que as condições anteriores se restabelecem.
Essa pesquisa traz informações importantes a respeito da saúde mental da população. Em 2009, quando foi iniciada, uma em cada quatro pessoas vivia em condições emocionais desfavoráveis. Doze anos mais tarde, esse número já era de uma em cada 3. Daqui a dez anos quantas serão?
É muito provável que a sobrecarga emocional mais pesada continue caindo nos ombros dos mais pobres e dos que estudaram menos – o que só faz acentuar o fosso social no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo.
Para agravar o quadro diante de nós, saúde mental é uma área de alta complexidade que desafia até os serviços de saúde dos países mais ricos e organizados. O atendimento que as pessoas com problemas mentais conseguem receber no SUS e junto aos planos de saúde é precário. Não está à altura da magnitude do problema.
Com a popularidade de drogas psicoativas – usadas de forma abusiva – e com as pessoas cada vez mais isoladas umas das outras, aprisionadas em casa, de olhos fixos nas telas dos celulares, sequestradas pelas imagens que se sucedem continuamente, numa sequência interminável de estímulos visuais que não poupam sequer as crianças, tudo leva a crer que, daqui a alguns anos, ter saúde mental será privilégio de poucos.