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Saúde mental de mulheres que sofrem abortos de repetição

mulher deitada em leito hospitalar segura mão de médico. quem sofre abortos de repetição precisa de apoio
Publicado em 05/07/2023
Revisado em 24/08/2023

Geralmente, a mulher que sofre abortos de repetição precisa do apoio de familiares, amigos e profissionais de saúde.

 

Receber a notícia de uma gravidez provoca diversos sentimentos e dúvidas. A única certeza é de que, a partir daquele momento, nada será como antes. Geralmente, a mulher se prepara com antecedência para receber o bebê: faz planos, realiza consultas, começa a se programar para o parto e compra as primeiras peças do enxoval. 

Mas, muitas vezes, esse sonho é interrompido por um aborto espontâneo. É comum que logo após o choque inicial e a tristeza, muitas mulheres tentem engravidar pouco tempo depois e passem novamente por uma perda gestacional. Nesses casos, a condição é chamada de aborto de repetição, que pode afetar a saúde mental. Nesses casos, a mulher precisa de apoio de familiares, amigos e profissionais de saúde. 

As perdas gestacionais representam um luto para a mulher, que se agrava quando as perdas se repetem (abortos de repetição). Muitas vezes, elas duvidam da sua capacidade de gerar um filho. A situação pode ser um gatilho para a mulher desenvolver um transtorno mental, como depressão e estresse pós-traumático”, esclarece a dra. Arianne Angelelli, psiquiatra com atuação na área de perinatalidade e colaboradora do Programa Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq/HCFMUSP). 

Para a especialista, é comum que a mulher sinta ansiedade, estresse e medo de engravidar novamente. Isso afeta não somente seu relacionamento com familiares e amigos, mas também sua vida sexual e relacionamentos amorosos. 

“É importante não desqualificar o sentimento de perda da mulher. Ao engravidar, já havia a expectativa e a esperança de ter um filho. Levar em conta a saúde mental da mulher com perdas gestacionais de repetição é avaliar com subjetividade a sua história, entendendo o que aquilo significou para ela”, complementa. 

        Veja também: Aborto de repetição: por que isso acontece?

 

Um luto invisível

Foram nove anos até a chegada de Antônio, 7 meses. Em 2013, Aline Feltrin, 42 anos, resolveu que era a hora de engravidar. Como fazia exames de rotina regularmente, nunca imaginou que pudesse ter problemas de fertilidade. 

“Depois de dois anos tentando, busquei uma clínica de reprodução assistida e os médicos me indicaram a fertilização in vitro. Engravidei na primeira tentativa. Mas, com seis semanas de gestação, tive um leve sangramento. Após um ultrassom, confirmaram que o feto não tinha os batimentos cardíacos e ocorreu o meu primeiro aborto”, conta. 

Começava uma batalha para conseguir ter um filho. Apesar de ter o diagnóstico de trombofilia e realizar o tratamento, a advogada não conseguia manter as gestações e sofreu mais três abortos. 

“Cada aborto foi diferente, mas nunca passava da sexta semana. Tinha sangramentos e dores. Também fiquei com o feto retido por 20 dias no meu útero e esperei que meu corpo expelisse. Tive várias crises de ansiedade, chorava muito e tinha medo de perder de novo. Falar sobre isso me ajudou muito no processo de aceitação.” 

Ela descobriu que havia uma célula de defesa do seu organismo que trabalhava de forma acelerada e reconhecia o feto como ameaça, impedindo a gravidez. Apenas após o diagnóstico, fez o tratamento adequado para evitar abortos de repetição e a gestação evoluiu.

“A sociedade não está preparada para lidar com mulheres que sofrem abortos de repetição. É a perda de um filho e você aborta também um sonho, um projeto de vida. Muitas vezes, a mulher só precisa de um abraço. Nunca pensei em desistir e hoje, com meu filho nos braços, vejo que tudo valeu a pena.” 

        Ouça: Entrementes #41 | Luto

 

Causas dos abortos de repetição

Estima-se que os abortos de repetição, ou seja, duas ou três perdas gestacionais consecutivas, aconteçam com cerca de 2% das mulheres.

“Muitas vezes, apesar da investigação, não encontraremos uma causa para as perdas gestacionais de repetição. Mesmo assim, é fundamental que os casais após o aborto procurem ajuda para que o tratamento seja direcionado”, explica a dra. Helga Marquesini, ginecologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. 

Entre as causas do aborto de repetição estão: 

  • Questões de anatomia, como distorções ou malformações de útero; 
  • Questões imunológicas ou autoimunes; 
  • Questões genéticas; 
  • Problemas infecciosos (virais ou bacterianas); 
  • Doenças endócrinas, como diabetes descompensado; 
  • Trombofilias, ou seja, predisposição a formar trombos

        Veja também: Maioria dos abortamentos espontâneos acontece por má-formação

 

Acolhimento e apoio são fundamentais

A mulher que aborta repetidamente precisa de acolhimento e apoio tanto dos familiares quanto da equipe de médicos e profissionais que cuidam dela. Mas como ajudar nesse momento tão difícil?

O primeiro passo é reconhecer que a perda gestacional é um luto, já que é uma experiência que precisa ser elaborada e a pessoa necessita ser respeitada para lidar com a sua dor. 

“O enlutado se recolhe em sua dor para tentar lidar com a perda sofrida. Porém, ela precisa encontrar compreensão no ambiente que reconhece e compartilha do seu sofrimento. Os abortamentos, para a mulher, afetam sua autoestima e as crenças na sua própria capacidade criativa. Por isso, a empatia, o acolhimento e o reconhecimento por parte da rede de apoio ajudam a lidar com todas essas perdas”, afirma a dra. Angelelli. 

A especialista lista abaixo algumas estratégias que considera fundamental para lidar com a saúde mental de mulheres que sofrem aborto de repetição. 

 

Acolhimento

Reconhecer e respeitar o sentimento de perda, a insegurança e suas reações. A rede de apoio deve aceitar e respeitar se a mulher deseja ou não falar sobre os abortamentos; se deseja ou não falar sobre os tratamentos; se está triste e precisando ser cuidada e se precisa de um tempo para lidar com a sua dor. 

A família, os amigos e toda a rede de apoio da mulher (inclusive colegas de trabalho) devem ter uma postura de acolhimento ao entender que a mulher está passando por uma grande perda.

 

Empatia

A rede de apoio deve ter uma postura empática, ou seja, tentar compreender e imaginar o que a mulher está sentindo e porque está reagindo desta ou daquela forma, sem julgamentos ou culpa. 

 

Reconhecimento

Não se deve desqualificar o sentimento e as reações de uma mulher passando por um aborto. Evitar falar frases como “daqui a pouco você engravida de novo”, “foi melhor assim” ou “a natureza sabe o que faz”. 

 

Buscar atendimento psicológico

A psicoterapia ajuda a mulher que passa por abortos de repetição a lidar com as suas emoções negativas. Geralmente, tanto a tristeza quanto a ansiedade estão presentes nos casos de abortamento de repetição.

Portanto, os profissionais de psicoterapia conseguem trabalhar os medos, as culpas e o sofrimento. Além de acolher a mulher sem julgamentos ou preconceitos. 

 

Apoio da equipe médica e profissionais de saúde

Médicos e especialistas da saúde devem cuidar da situação clínica de forma individual, sem deixar de prestar atenção à saúde mental da mulher e do casal que sofre o abortamento de repetição. 

É preciso acolhimento e uma escuta ativa, ou seja, ouvir os questionamentos da mulher, explicar as causas do abortamento, os procedimentos e exames necessários. Além de ajudar no planejamento de uma nova gestação (se for o desejo da mulher ou casal) para evitar que a perda gestacional aconteça novamente. 

 

Sobre a autora: Samantha Cerquetani é jornalista com foco em saúde e ciência e colabora com o Portal Drauzio Varella. Escreve sobre medicina, nutrição e bem-estar.

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