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Alimentação

OMS não recomenda o uso de adoçantes para controle de peso. O que isso significa?

Publicado em 24/05/2023
Revisado em 24/05/2023

A entidade afirma que o consumo não tem benefícios no longo prazo. Orientação não é válida para pacientes com diabetes. 

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou, no dia 15/05, uma nova diretriz informando que não recomenda o uso de adoçantes sem açúcar para controle de peso ou para reduzir o risco de doenças crônicas não transmissíveis. A lista inclui adoçantes como sacarina, sucralose, aspartame, stevia e derivados e não se aplica aos açúcares de baixa caloria ou álcoois de açúcar (os chamados polióis, como xilitol e sorbitol). 

Segundo a organização, a orientação tem como base os resultados de uma revisão sistemática de evidências disponíveis que sugerem que o uso desse tipo de produto não proporciona benefícios a longo prazo na redução corporal em adultos e crianças. Ainda de acordo com a nota da OMS, “os resultados da revisão também sugerem que pode haver efeitos indesejáveis ​​potenciais do uso prolongado de NSS [non-sugar sweeteners – adoçantes sem açúcar, na tradução para o português], como um risco aumentado de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e mortalidade em adultos.” 

“Substituir açúcares livres por NSS não ajuda no controle de peso a longo prazo. As pessoas precisam considerar outras maneiras de reduzir a ingestão de açúcares livres, como consumir alimentos com açúcares naturais, como frutas, ou alimentos e bebidas sem açúcar. NSS não são fatores dietéticos essenciais e não têm valor nutricional. As pessoas devem reduzir completamente a doçura da dieta, começando cedo na vida, para melhorar sua saúde”, disse Francesco Branca, diretor de Nutrição e Segurança Alimentar da OMS.

Conversamos com alguns especialistas para entender melhor a orientação e saber se a nova diretriz é motivo de preocupação para quem faz uso de adoçantes. 

 

O que significa a diretriz

A endocrinologista Fernanda Braga Albuquerque destaca que a discussão sobre o uso de adoçantes já existe há algum tempo, mas ainda não há evidências científicas robustas para que haja um consenso sobre seus potenciais benefícios e malefícios. “A recomendação da OMS foi visando especialmente políticas públicas, órgãos governamentais, não para ser usada individualmente, não para cada indivíduo ler e entender que não é para usar sem ter uma conversa com sua equipe de saúde”, explica. 

“Esse posicionamento é bastante importante no sentido de alertar os órgãos governamentais para essa questão e de se pensar formas de regulamentar esse consumo, de trazer mais clareza para esse consumo perante a população – talvez nos rótulos, nas falas em propagandas, na veiculação de conteúdo de saúde”, completa a médica. 

Para Levimar Rocha Araújo, endocrinologista e presidente do Departamento de Diabetes Mellitus da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), não é necessário parar de usar adoçante, basta não consumir com exagero. “A segurança dos adoçantes substitutos do açúcar já foi comprovada em diversos estudos clínicos, nas quantidades consideradas permitidas. Mas a OMS menciona que adoçantes substitutos do açúcar não são fatores dietéticos essenciais e nem têm valor nutricional, além de não serem as únicas alternativas para atingir a redução da ingestão de açúcar. Alternativas viáveis compatíveis com uma alimentação saudável poderiam ser utilizadas ao invés do uso dessas substâncias, como a ingestão de frutas, comidas e alimentos sem açúcar adicionado. Precisamos lembrar que o adoçante não possui valor nutricional e é um produto químico, com acidulantes e outros elementos”, afirma ele. 

“O posicionamento da OMS foi noticiado de forma alarmista, não existem evidências de que os adoçantes façam mal à saúde, assim como não existe nenhum motivo para a gente substituir tudo que a gente consome de açúcar por adoçante. Mas sim, existem evidências claras que um estilo de vida menos sedentário, com um consumo maior de frutas, verduras e legumes e com controle geral do tipo de alimento que a gente consome – diminuindo o consumo de alimentos açucarados, sejam alimentos que levam açúcar ou adoçante – ou seja, a gente fazendo uma reeducação alimentar e reeducando nosso paladar, aí sim, esse é o objetivo que a gente tem que ter com a alimentação”, afirma a nutricionista Marcia Daskal, proprietária da Recomendo Nutrição e Qualidade de vida. 

        Veja também: Conheça as diferenças entre os tipos de açúcar

 

Posicionamento da Anvisa

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que está atenta à discussão sobre o tema e que se juntará a outros órgãos, em especial ao Ministério da Saúde, para avaliar a nova diretriz e o contexto do uso de adoçantes no Brasil. 

“O estudo da OMS sobre as informações relacionadas ao uso de adoçantes não teve o objetivo de rever o perfil de segurança dos produtos. O foco do trabalho foi avaliar os efeitos do uso dessas substâncias como estratégia para a substituição do açúcar visando o controle de peso e a redução das DCNTs [doenças crônicas não transmissíveis]. A recomendação é condicional, já que há necessidade de reunir mais informações sobre as consequências versus os benefícios da sua adoção, sugerindo aos países que ampliem a discussão em seus territórios, incluindo dados sobre a extensão de consumo dessas substâncias pela população nacional”, diz a nota da agência

 

Como os estudos foram conduzidos

A nutricionista Marcia Daskal explica que a OMS usou dois tipos de estudos para chegar a esse posicionamento: um grupo de estudos clínicos controlados randomizados – que tem alto nível de evidência científica –, em que existia um grupo de pessoas que consumia adoçante e outro grupo semelhante, mas que consumia açúcar. E esse grupo de estudos mostrou que os adoçantes podem ajudar a diminuir o peso.

Depois, foi feita uma comparação com outro grupo de estudos de acompanhamento e associação, no qual foram acompanhadas pessoas que usavam adoçantes e pessoas que não usavam adoçantes. E concluiu-se que a médio e longo prazo, as pessoas que usavam adoçantes poderiam ter maior risco de desenvolver diabetes e doenças cardiovasculares. Porém, ela ressalta que esses estudos são longitudinais de observação e não conseguem fazer uma relação de causa e efeito, porque os dois grupos podem ter estilos de vida muito diferentes.  

“O que a gente pensa? Que eventualmente pessoas que consomem adoçantes já são pessoas que têm uma genética favorável para ter diabetes, ou já são pessoas que têm obesidade, pessoas que têm um estilo de vida hoje considerado não favorável, usam os adoçantes, e depois a gente percebe que essas pessoas acabam desenvolvendo algumas dessas doenças que tem a ver com a genética, mas tem muito a ver com estilo de vida. E daí se associou que ‘ah, bom, é o adoçante que não preveniu’”. 

Para a especialista, não se deve demonizar ou valorizar alimentos específicos. “O adoçante é uma alternativa ao consumo de açúcar. Mas se você imaginar que a pessoa que consumia muito açúcar trocou esse açúcar por adoçante e teve uma redução de peso, a gente pode imaginar que essa pessoa tem um consumo alimentar muito inadequado, porque a quantidade de açúcar que ela deveria consumir não deveria ser uma quantidade que a hora que ela trocasse por adoçante desse um efeito no emagrecimento”, afirma Daskal. 

        Veja também: Quais os limites diários e os riscos que os aditivos podem trazer?

 

Adoçante é vilão?

Os adoçantes não são vilões e nem mocinhos. É preciso prestar mais atenção à alimentação como um todo e a frequência no consumo de alimentos adoçados do que apenas ao uso de um produto específico. Usar ou não adoçantes vai depender dos hábitos, condições de saúde e necessidades de cada pessoa. 

A endocrinologista Fernanda Albuquerque diz que os adoçantes não são isentos de riscos. 

“Eles são produtos substitutos do açúcar para adoçar o paladar de alguns alimentos em pessoas especialmente com diabetes, com diagnóstico de diabetes. E como um produto que não é visto como isento de riscos, de potenciais malefícios, a própria agência americana reguladora de alimentos e medicamentos, que é a FDA [Food and Drug Administration], de acordo com a substância do adoçante, tem um limite máximo de uso. Então, por exemplo, a sucralose é de 5mg por quilo de peso da pessoa; a sacarina, 15mg por quilo de peso; o aspartame, 50mg por quilo de peso por dia.”

“Um consumo desenfreado de qualquer tipo de alimento, inclusive de adoçantes, que podem não ter calorias, mas que normalmente estão presentes em alimentos como doces, sorvetes, refrigerantes, pode sim ser contribuidor de um estilo de vida não saudável. O adoçante em si é ruim? Não. O adoçante em si não é ruim. O problema seria o contexto alimentar em que ele aparece”, afirma Marcia Daskal. 

Quando é necessário trocar todo o açúcar por adoçante? “Quando há um diagnóstico de diabetes orientado por médico ou nutricionista, e no contexto alimentar de cada um. Agora, um produto sozinho, seja açúcar ou adoçante, não pode ser vilanizado e também não pode ser considerado o grande herói”, completa Daskal. 

 

Exceção nos casos de diabetes

A recomendação da OMS não abrange as pessoas com diabetes pré-existente, que se beneficiam do uso de adoçantes porque a ingestão de açúcar pode levar ao aumento da glicose no sangue. “Pacientes com diabetes não devem trocar adoçantes por açúcar. Isso pode levar a piora do controle glicêmico e trazer outras consequências. Diversos estudos comprovaram a segurança destas substâncias nessa população”, afirma Levimar. 

“Não há o que discutir da indicação do uso de adoçante artificial em pessoas com diabetes, não tem essa discussão. O que a gente precisa saber é que tudo tem uma dose segura. Se a gente limitar o consumo, usar o estritamente necessário para resolver a nossa questão do paladar, não tem problema. Mesmo que haja potenciais riscos, os benefícios vão se sobrepor a esses potenciais riscos”, afirma Fernanda. 

        Veja também: Entenda o perigo de consumir alimentos ultraprocessados

 

Consumo de adoçantes em uma alimentação equilibrada 

Quando pensamos em uma alimentação saudável, é fundamental buscar o equilíbrio e evitar os excessos. “O ideal sempre foi substituir [o açúcar] por alimentos mais saudáveis, in natura e não processados, e não apenas por alimentos semelhantes adoçados com adoçantes substitutos do açúcar”, diz Levimar. 

Fernanda afirma que toda pessoa que está adotando uma dieta com redução calórica para tratamento de sobrepeso ou obesidade deve discutir com o profissional de saúde o consumo desse tipo de substância. “A gente sabe que o açúcar tem os seus riscos, e é um alimento extremamente calórico. Então, se você está em um tratamento objetivando perda de peso, restringir o consumo de açúcar é super importante, porque você vai ter redução de calorias na sua alimentação. Mas também [é importante] não utilizar os adoçantes sem dose limite, sabe? Como se fosse uma coisa extremamente inócua, sem risco nenhum para a saúde. A gente sempre tenta achar um equilíbrio e acostumar o nosso paladar à redução dessa necessidade de adoçar todos os alimentos.” 

A médica reforça ainda que a própria OMS deixa claro no posicionamento que a questão do uso de adoçantes artificiais para pessoas sem diabetes ainda está sendo discutida, mas que é preciso existir essa conversa entre pacientes e profissionais de saúde. 

“Mas sem dúvida alguma essa recomendação é importante para a gente criar políticas públicas para melhorar a qualidade da nossa alimentação, porque muitos alimentos são vendidos como saudáveis e quando a gente vai ler o rótulo, não é tão saudável assim – porque a gente associou zero açúcar a alimento saudável. Então, se a gente tiver maior qualidade na rotulagem desses alimentos, principalmente os alimentos ultraprocessados, a gente vai conseguir equilibrar essa balança e ter mais benefícios do que riscos no uso dessas substâncias”, completa a médica. 

Para a nutricionista Marcia Daskal, não se trata de ser contra ou a favor do uso de adoçantes. Eles não devem ser consumidos indiscriminadamente e podem ser coadjuvantes no tratamento da obesidade, principalmente no início, quando a pessoa está fazendo uma mudança no estilo de vida. “Mas o ideal seria a gente se acostumar a não adoçar os produtos e alimentos que a gente consome e evitar o consumo exacerbado de alimentos industrializados que contém tanto açúcar quanto adoçante.”

 

E quem toma café com adoçante, deve se preocupar? 

“A pessoa que usa esporadicamente um adoçante para adoçar um cafezinho ou um refrigerante dietético, não, ela não vai ter um problema. O problema é: ela tem que fazer uma análise honesta da própria alimentação e avaliar a quantidade de refrigerante que ela está tomando, a quantidade de outros produtos, quanto que ela está consumindo de cafezinho por dia, porque isso pode fazer a diferença na questão do grau de consumo de adoçante ou de açúcar”, afirma. 

Daskal explica que, quando consumimos produtos muito adoçados, estimulamos o nosso cérebro a ter uma percepção de doçura muito grande, o que nos faz buscar alimentos cada vez mais doces, o que não é vantajoso para a saúde. “O ideal seria a gente ir reduzindo tanto a quantidade de açúcar quanto a quantidade de adoçante que a gente consome a ponto de quando a gente quiser consumir uma bebida ou um alimento que tem açúcar ou adoçante, numa quantidade pequena, isso não fazer diferença significativa na nossa saúde, nem a curto prazo, nem a médio e nem a longo prazo.” 

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