Investimento na diversidade do quadro de profissionais e abertura de espaços coletivos de escuta podem amenizar os prejuízos à saúde mental.
“Tiro um tempo para mim, estudo sobre inteligência emocional, faço terapia e exerço a autocompaixão”. Essas são as estratégias que a enfermeira Sandra Pereira encontrou para preservar a saúde mental e emocional durante o exercício da profissão. As ações individuais são essenciais, simultaneamente, especialistas recomendam que os centros de saúde tenham espaços de acolhimento coletivo e reconheçam que as desigualdades também recaem sobre a saúde mental dos profissionais negros.
Pandemia e saúde mental dos trabalhadores
A pandemia de covid-19 evidenciou um problema antigo: a falta de amparo psicológico aos profissionais de saúde no Brasil. Bruno Chapadeiro, psicólogo, pesquisador e professor da UFF, publicou pesquisas sobre saúde mental de trabalhadores de saúde nesse período, demonstrando que eles “têm sinalizado sintomas de depressão, ansiedade e sobrecarga de trabalho”.
O adoecimento mental, segundo ele, ocorreu porque as condições de trabalho dos profissionais de saúde já eram precarizadas pela falta de recursos materiais e humanos. Dessa forma, a pandemia agravou esses problemas muito por conta da emergência sanitária que exigiu um deslocamento dos colaboradores.
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a Fiocruz, mostrou que 83,4% dos profissionais de saúde sentem medo da covid-19. Na nota técnica, as instituições declararam o perfil racial dos profissionais de saúde que participaram da pesquisa: predominância de brancos entre os médicos (84,7%), profissionais de enfermagem (57,3%) e outros profissionais (56,7%). Já os negros e negras são maioria entre os Agentes Comunitários de Saúde (77,2%).
O levantamento da FGV também informa que apenas 30% dos trabalhadores da saúde ouvidos receberam apoio para cuidar da saúde mental. Ao mesmo tempo, 8 a cada 10 dos respondentes sentiram que a saúde mental foi afetada negativamente pela pandemia.
Chapadeiro relata que houve muitos afastamentos devido à sobrecarga causada pela Síndrome de Burnout. “Percebemos que poucos hospitais forneceram apoio psicológico. Os profissionais lidaram com equipes reduzidas para atender todo mundo, poucos aparelhos como os respiradores. Ainda existe o medo da pandemia, pois ela não acabou”, afirma o psicólogo.
A enfermeira Sandra Pereira destaca que a exposição às mortes em larga escala também contribuiu para o adoecimento psíquico das profissionais de Enfermagem. De março de 2020 a dezembro de 2021, o Conselho Federal de Enfermagem estima que 4500 profissionais de saúde faleceram em detrimento da covid-19.
Além disso, a categoria precisa lidar com diversas preocupações: “é uma profissão com a maioria feminina, uma sobrecarga de trabalho e insegurança no emprego. Quando o sofrimento é potencializado, gera frustrações, uma sensação de mal-estar e de que poderia fazer mais”, explica a enfermeira. Ela também acredita que o salário, a carga horária e as condições de trabalho precisam melhorar, pois representam riscos de adoecimento dos profissionais.
Além da sobrecarga, o racismo contribui para a piora da saúde mental
Sandra Pereira relata que quando começou a trabalhar como enfermeira em 1983, ouvia falas racistas com mais frequência. “Eu ainda ouço frases assim: nossa, seu cabelo é diferente, está um pouco alto. Outra frase que ouço muito: você não é muito moreninha”, relata.
Ela destaca que o racismo estrutural na saúde ainda está presente, já que é mais raro encontrar profissionais negros e negras ocupando cargos altos nas instituições. O que tem mudado, de acordo com Sandra, é o posicionamento dos profissionais negros diante do racismo.
As iniciativas para melhorar a saúde mental dos profissionais negros podem ser de “identificar e encaminhar os casos [de prejuízo à saúde mental], oferecendo um cuidado integral para um conforto emocional desse profissional”. Outra sugestão de Sandra é que os hospitais e clínicas ofereçam programas diretamente para os colaboradores relacionados à saúde da mente para evitar o agravamento do problema.
O psicólogo Bruno Chapadeiro conclui sugerindo a criação de espaços, nos ambientes de trabalho relacionados à saúde, para que os profissionais expressem as suas aflições e dialoguem sobre o racismo, além do tratamento individualizado: “[são necessários] grupos separados pelo tipo de trabalho, como os profissionais que trabalham em terapia intensiva e clínica médica, para promover o espaço da palavra.”
Conteúdo desenvolvido em parceria com a Afrosaúde.
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Sobre o autor: Jhonatan Dias é jornalista independente e colabora com o Portal Drauzio Varella. Escreve principalmente sobre pesquisas em saúde, tecnologias e bem-estar.