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Sociedade dos primatas – Parte 3 – Outras Histórias #72

As raízes biológicas do comportamento sexual dos humanos guardam relações muito próximas com a dos grandes primatas.
Publicado em 01/11/2022
Revisado em 07/12/2022

As raízes biológicas do comportamento sexual dos humanos guardam relações muito próximas com a dos grandes primatas.

 

 

 

A vida sexual dos grandes primatas explica muitas das características adotadas pelos seres humanos. A influência pode ser encontrada em situações, como a escolha do(a) parceiro(a), a condenação ao estupro, o afastamento da família durante o amadurecimento sexual, a utilização do sexo para aliviar as tensões e os cuidados com os filhotes. Ouça como os orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonovos se comportam nesse sentido.

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Nesta série de podcasts nós estamos falando sobre os grandes primatas. Quem são os grandes primatas? Os orangotangos, os gorilas, nós, seres humanos, os chimpanzés e os gorilas. Estamos tentando mostrar como é a vida entre os demais grandes primatas, e de que maneira ela vai nos ensinar a entender as raízes biológicas do comportamento humano.

Olá, eu sou Drauzio Varella e aqui você vai ouvir Outras Histórias.

No podcast de hoje nós vamos falar sobre a vida sexual dos grandes primatas. Começando pelo orangotango, nós já dissemos que os orangotangos machos pesam 80, 90 quilos, as fêmeas, 40 quilos, eles vivem dispersos, são os primatas mais solitários – vivem na Ásia, na Indonésia, em Bornéu, naquelas ilhas – e têm uma vida nômade; eles ficam atrás de comida. Como a fêmea pesa 40 quilos e o macho 90, ele tem necessidades energéticas muito maiores do que as delas. Então, ela gasta um número x de horas por dia pra se alimentar; ele vai gastar um número muito maior de horas.

Os machos são muito grandes, e eles ficam separados das fêmeas, mas eles estão o tempo inteiro sensoriando a posição dos outros, emitindo sons, quebrando galhos quando andam – são completamente arbóreos, não vão pro chão, porque correm perigo no chão, perigo dos predadores. Que lá tem grandes felinos que podem atacá-los. E tem uma curiosidade muito grande entre os orangotangos: as fêmeas dão preferência a esses machos chamados de “machos alfa”. Elas querem ter relações sexuais com esses machos; eles têm a preferência total.

É fácil entender. Por quê? Porque o objetivo da reprodução, qual é? É permitir que a prole sobreviva, é oferecer para a prole melhores condições de sobrevivência. O macho muito forte, como é o caso dos machos alfa, eles têm condições de proteger a prole. Então, eles se juntam com as fêmeas, quando elas entram no cio, o macho se aproxima delas e eles têm uma lua de mel ali, de alguns dias. Daí ele se afasta, e aí ela vai cuidar do filho sozinha, e um bebê orangotango não pode ser deixado sem cuidados, porque ele pode despencar das árvores.

Então ela tá ali entretida com esse filhote, por quatro ou cinco anos até ele ser capaz de se movimentar sozinho, mas o que chamou muito a atenção dos pesquisadores com os orangotangos, é que há outro grupo de machos, que eles chamavam de subadultos no início; que eram machos que chegavam aos 40 quilos, portanto o mesmo tamanho da fêmea, e não cresciam mais. E nunca se conseguiu explicar como é que eles tinham chance de sobrevivência, porque como há disputa pelas fêmeas, é claro que o macho mais forte vai levar vantagem grande em relação a esses “subadultos” – entre aspas, porque hoje nós sabemos que são adultos mesmo, só que são adultos menores.

Quando você tem dois orangotangos que disputam uma fêmea, eles lutam, e a luta é pra valer mesmo. Orangotangos mais velhos costumam ter várias cicatrizes no corpo, causadas por essas disputas. Só que essas disputas têm uma duração limitada. Assim que um dos dois reconhece que está perdendo a luta, ele vai embora, ele se afasta. Então, essas lutas nunca levam à morte, levam a ferimentos, mas à morte, não.  E esses menores, que pesam 40 quilos, como é que eles conseguem reproduzir os seus genes, se as fêmeas não dão bola pra eles? Se as fêmeas só estão interessadas nos machos mais fortes? Os japoneses, que fazem muitos estudos na primatologia dos grandes primatas, é que acabaram com observações de campo esclarecendo esse mistério.

Na verdade, esses machos pequenos conseguem passar os seus genes pras gerações seguintes através do estupro. Eles atacam as fêmeas sexualmente. Não existe a lua de mel com o casal em que o macho é grande, eles atacam e as fêmeas ficam desesperadas, fogem deles, se jogam das árvores, descem, rolam pelo chão, correm o perigo de serem atacadas por outros animais e gritam.

Os machos alfa, que estão a uma distância mais ou menos próxima, quando ouvem, eles correm imediatamente pra proteger essas fêmeas. Quando eles chegam, como eles são grandes e mais pesadões, o pequeno é mais rápido e ágil e costuma fugir deles. Dessa forma ele engravidou a fêmea e desaparece – e conseguiu passar os genes dele pra frente e vão ter filhos pequenos também.

Agora, quando o macho forte chega, quando ele consegue pegar, ele ataca o pequeno e joga lá de cima – é a punição do estupro. Essa punição do estupro a gente vê nos homens, vê nas cadeias. Porque, com o crime de estupro, nós homens, ficamos mais enfurecidos com o estuprador do que com outro criminoso que, às vezes, tirou a vida de um pai de família.

Por que que nas prisões eles matam estupradores? Esse comportamento vem lá de longe, e na verdade, tem uma explicação evolutiva: todos nós somos descendentes de homens que souberam proteger as suas mulheres do estupro, porque aqueles que não souberam proteger, não deixaram descendentes – e assim que agem os orangotangos. Só que os orangotangos surgiram há 12 milhões de anos, enquanto nós, da espécie humana, surgimos aí há cinco ou seis milhões de anos.

Nos gorilas, o comportamento é diferente. O gorila é o King Kong do cinema. Já falei em outro podcast que os gorilas vivem em pequenos grupos, formados por um macho – o macho gorila é muito forte, chega a pesar 200 quilos; a fêmea mal chega aos 80 –, então esse macho é protetor e ele forma um harém ao redor dele. Quatro, cinco, seis fêmeas. E vive nesses pequenos bandos – e vive estressado, porque ele é responsável pela proteção do harém e dos filhotes –, nesses pequenos bandos ele faz a proteção e engravida as fêmeas.

Mas, há sempre outros gorilas, em geral gorilas solteiros, que ficam à espreita; se ele fraquejar, os outros tomam o harém dele. Dentro daquele pequeno grupo, o que acontece? Você tem os filhotes machos e fêmeas, as fêmeas, quando chegam na adolescência, elas começam a ter inchaço externo dos órgãos sexuais – aliás, todos os grandes primatas têm, a não ser a mulher –, em todos, quando na fase de ovulação, há um edema dos genitais externos; e todos os machos, quando veem, ficam muito excitados e tentam manter relações com as fêmeas.

No caso dos gorilas, quando a fêmea adolescente começa a experimentar esses inchaços nos genitais (o que acontece aí pelos 13, 14 anos), ela vai embora. Ela foge do grupo e vai se juntar a um outro harém, de um outro gorila, de um outro macho alfa. Mas por que que ela vai embora? A explicação pra isso sabe qual é? Se ela permanecer no grupo, ela vai acabar sendo engravidada pelos irmãos, ou pelo pai, e com isso, ter filhos consanguíneos, com muito menor chance de sobrevivência. Indo para um outro harém, ela vai acasalar com machos que têm disparidade genética com relação a ela. Portanto, vão ter filhos muito mais saudáveis.

Aí você vai dizer “ah, como é que ela sabe que se ela ficar ali, ela vai ter filhos pouco saudáveis?”, não, ela não sabe, claro. Mas ela tem um impulso interno, que é geneticamente condicionado. Por quê? Porque ela é filha de uma mãe que fez exatamente a mesma coisa, que era filha de outra mãe que agiu do mesmo jeito, e esses comportamentos vão se mantendo dessa forma. E aí você tem filhos mais saudáveis, que vão deixar mais descendentes, e dessa forma a evolução prossegue.

O gorila macho, quando vai ficando enfraquecido, ele vai sofrer o ataque de outros gorilas. Quem são esses outros? Principalmente aqueles juvenis, aqueles gorilas adolescentes, que vão crescendo e começam a se interessar pelas fêmeas do pai. E quando o pai percebe que o gorila começa a atacar as fêmeas dele, ele dá uma surra no pequeno, que o pequeno nunca mais esquece. Tem filmes da BBC mostrando isso: o adolescente nem chega perto do pai mais, quando o pai chega ele sai de lado, fica longe, de medo.

Mas ele vai crescendo, vai ficando cada vez mais forte – ainda mais fraco que o pai, mas a força já começa a se aproximar –, aí o que ele faz? Ele vai embora e se junta a outros adolescentes na mesma condição que ele, que também abandonaram os seus grupos. E aí, esses adolescentes, à medida que ficam mais fortes ainda, que viram adultos, eles começam a visitar os haréns alheios. E assim que eles notam que existe um macho que é mais fraco do que eles, ou está doente, ou morreu, ele toma conta do harém. E aí a primeira providência, qual é? É matar os filhotes todos. É um infanticídio: morrem os filhotes, as fêmeas voltam a menstruar, porque param de amamentar, e eles, dessa forma, passam os genes deles pra frente. Para a evolução, não vem ao caso o interesse da espécie; vem ao caso o interesse do indivíduo. Se ele conseguir passar os genes pra frente, ele levou vantagem evolutiva.

No caso dos chimpanzés, a estrutura é muito diferente, porque os chimpanzés vivem em bandos, e nesses bandos você tem os machos e as fêmeas reunidos. Os machos brigam por causa das fêmeas também, atacam as fêmeas, mas os chimpanzés são políticos; eles têm uma estrutura política. O chefe do grupo não é mais o mais forte, como os orangotangos e os gorilas; o chefe do grupo é aquele que forma as coalizões, forma o grupo mais forte em torno dele.  Os que conseguem ter liderança sobre o maior número de componentes do grupo são aqueles que são considerados os machos alfa.

Os chimpanzés são violentos em relação às fêmeas: eles atacam as fêmeas e os mais jovens são capazes de atacar as fêmeas e retirá-las do bando e manter relações com elas, quando aparecem esses inchaços genitais. E dessa forma eles transmitem os genes pra frente. E tem brigas horríveis quando eles disputam as fêmeas – e vamos lembrar também que eles têm o mesmo comportamento dos gorilas em relação às fêmeas adolescentes.

A fêmea, quando chega na adolescência, ela começa a se afastar da mãe. Quando ela é criança ainda, não. Ela ajuda a mãe até a cuidar dos bebês chimpanzés, mas, à medida que ela fica um pouco mais velha, ela vai se desinteressando dos irmãos mais novos, da mãe e vai pra cima de uma árvore, e passa o dia ali, separada do grupo todo. Desce pra comer, e sobe outra vez, e fica quieta naquele canto. Lembra muito as adolescentes que ficam trancadas no quarto aqui da família, né.

E aí, um belo dia, ela sai e vai pra um outro grupo. É a mesma defesa incosciente do estupro. Se ela permanecer no mesmo grupo onde vivia, tem chance de ser engravidada por parentes consanguíneos. Portanto, menos chance de sobrevivência para a prole. Então, ela vai pra outros grupos, só que tem uma diferença fundamental entre os chimpanzés e os gorilas que faziam a mesma coisa: nos chimpanzés, há disputas entre grupos. Os chimpanzés matam premeditadamente membros de outros grupos. É o único animal que faz isso, além do homem; eles matam por matar, para disputar território, para disputar fêmeas, etc, da mesma forma que nós fazemos.

Aí, a adolescente vai, e ela precisa tomar muito cuidado pra não ser atacada e não ser morta por membros de outros grupos. Ela vai e procura se aproximar das fêmeas mais velhas, faz amizade com as fêmeas mais velhas e acaba sendo aceita pelo grupo todo, sem violência. E aí ela vai acasalar com machos que são muito distintos do ponto de vista genético – e vão ter proles mais saudáveis.

Nos bonobos, as diferenças são muito grandes. Enquanto os chimpanzés são uma sociedade de machistas mesmo, que subjugam as fêmeas, nos bonobos, o poder é matriarcal. São as fêmeas que ditam as regras, porque as fêmeas dos bonobos são muito unidas, e elas, por causa da união que elas têm, elas não precisam dos machos pra lhes oferecer proteção. E os machos, ao contrário, são desunidos, porque eles vivem disputando a atenção das fêmeas. Então, é muito diferente o comportamento.

Lá, por exemplo, não existe infanticídio, porque são as fêmeas que mandam, né. Então, não acontece o que ocorre com os gorilas, né. E eles têm um detalhe de comportamento que existe também na espécie humana, claro: os bonobos relaxam as tensões através do comportamento sexual. E no comportamento sexual vale tudo: vale macho com fêmea, vale macho com macho, fêmea com fêmea; não há nenhuma restrição nesse comportamento. É comum – e está bem documentado isso, há filmes até –, mostrando que dois machos brigam e quando eles estão no auge da briga, para aliviar a tensão, na hora que as coisas se acalmam, eles esfregam o pênis uns nos outros. As fêmeas também mantêm relações, sexo com sexo, umas com as outras. E tudo isso acalma a tensão do grupo. São os mais pacíficos de todos.

É o único animal que tem relações sexuais na posição de missionários, aquela posição de papai e mamãe – um de frente pro outro. E eles, enquanto mantêm essas relações, eles ficam com os olhos colados nos olhos do outro. É muito interessante. E você tem uma sociedade que é bem mais igualitária, bem menos violenta do que a dos outros primatas.

Esses dados todos guardam uma relação direta com o comportamento humano. Por quê? Porque a evolução não criou nenhum mecanismo especial para privilegiar uma espécie. Os mecanismos que nós vemos na evolução, que são os de competição e seleção natural, valem para todas as espécies. Portanto, as raízes biológicas do comportamento humano, e no caso, as raízes biológicas do comportamento sexual humano são as mesmas de todos os nossos parentes mais próximos: os orangotangos, os gorilas, os chimpanzés e os bonobos.

Semanalmente estarei aqui para contar Outras Histórias.

A trilha sonora foi feita pela In Sonoris, e a produção é da Júpiter – Conteúdo em Movimento.

Veja também: Sociedade dos Primatas – Parte 2 – Outras Histórias #71

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