Diante de palpites e slogans vazios, dr. Drauzio Varella fala sobre cadeias e demagogia.
O sistema prisional talvez seja a área da administração em que os políticos mais falam e fazem besteiras.
Frases como “lugar de bandido é na cadeia”, “tem que acabar com benefícios que encurtam penas”, “vamos reduzir a maioridade penal” e, principalmente, “preso precisa trabalhar para pagar os custos da prisão” soam como música aos ouvidos da sociedade acuada pela violência.
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É compreensível que a maioria esteja de acordo com essas propostas. Dos que se candidatam para governar os estados e o país, entretanto, esperaríamos mais responsabilidade para não criar expectativas fantasiosas e evitar políticas inexequíveis num campo tão sensível.
Antes que os “idiotas da internet” tirem conclusões apressadas, deixo claro que não gosto nem sou defensor de bandidos, que também quero ver preso o assaltante que rouba e mata e que, em caso de conflito violento entre bandidos e policiais ou agentes penitenciários só não fico do lado dos agentes da lei, se estes também forem criminosos.
Em 1989, quando comecei a atender doentes nas cadeias, havia no Brasil cerca de 90 mil presos. Hoje, temos ao redor de 800 mil, a terceira população carcerária do mundo. Não é verdade que prendemos pouco. O problema é que mandamos para trás das grades pequenos contraventores e deixamos em liberdade facínoras com dezenas de mortes nas costas.
Como nos últimos 30 anos encarceramos quase nove vezes mais, e as cidades brasileiras se tornaram muito mais perigosas, não é preciso ser criminalista com pós-graduação na Sorbonne para concluir: prender tira o ladrão da rua, mas não reduz a violência urbana.
O combate ao crime organizado exige inteligência, entrosamento entre as polícias, centralização das informações num cadastro nacional, simplificação da burocracia e, acima de tudo, coragem do Judiciário para criar penas alternativas que reduzam a população carcerária.
A pior consequência do aprisionamento em massa é a superpopulação. Os que não aceitam o argumento de que a pena de um condenado deve ser a privação da liberdade, não a imposição de condições desumanas, precisam entender que o castigo das celas apinhadas tem consequências graves para quem está do lado de fora.
Quando trancamos 30 homens num xadrez com capacidade para receber menos da metade, como acontece nos Centros de Detenção Provisória de São Paulo e em quase a todos os presídios do país, os agentes penitenciários perdem a condição de garantir a segurança no interior das celas. Como o poder é um espaço arbitrário que jamais fica vazio, o crime organizado assume o controle e impõe suas leis.
Diante dessa realidade, uma autoridade vir a público para dizer que fará os presos trabalhar para compensar os gastos do Estado, é piada de mau gosto. Primeiro, porque na construção das cadeias de hoje não foram projetados espaços para postos de trabalho; depois, porque é impossível trabalhar onde não existe emprego.
Desde o antigo Carandiru, ouço diretores de presídios reclamar da falta de empresas dispostas a instalar oficinas nas dependências das cadeias, a despeito das vantagens financeiras e tributárias que o governo oferece. Quer dizer, negamos acesso ao trabalho e nos queixamos de que os vagabundos consomem nosso dinheiro na ociosidade.
Embora tenha conhecido detentos que se vangloriaram de nunca ter trabalhado, eles são exceções. O que a sociedade não sabe é que os presos são os principais interessados em cumprir pena trabalhando: ajuda a passar as horas que se arrastam em dias intermináveis, permite cobrir os gastos pessoais, enviar dinheiro para a família e usufruir o benefício da lei que reduz um dia de condenação, para cada três dias trabalhados.
A questão prisional é muito grave para ficar nas mãos de aprendizes de feiticeiro sem noção da complexidade do sistema penitenciário, que repetem platitudes com ares de grande sabedoria e põem em prática medidas simplistas sem ouvir os que estão em contato diário com os encarcerados nem os estudiosos do problema.
A era das facções que comandam o crime de dentro dos presídios, capazes de dar ordens para vandalizar cidades, disseminar a violência pelo país inteiro e estabelecer conexões internacionais, requer dirigentes com experiência em segurança pública, que conheçam as condições de funcionamento das cadeias brasileiras.
O combate ao crime organizado exige inteligência, entrosamento entre as polícias, centralização das informações num cadastro nacional, simplificação da burocracia e, acima de tudo, coragem do Judiciário para criar penas alternativas que reduzam a população carcerária. Palpites demagógicos de políticos despreparados são dispensáveis.