Neurocientista Carl Hart defende, entre outros posicionamentos, que drogas não são a causa da violência urbana.
Cocaína é uma droga altamente viciante. Um dos maiores problemas dos centros urbanos do país é o consumo de crack nas “cracolândias”. O uso de drogas é uma das principais causas do aumento de criminalidade nas cidades. Todas essas frases parecem absolutamente corretas e quase nunca as questionamos. Mas será que refletem mesmo a realidade? O doutor Carl Hart, primeiro professor titular de neurociência negro da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, desafia o senso comum e oferece um novo olhar sobre as drogas.
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Em uma conversa com o doutor Drauzio Varella na Livraria da Vila, zona oeste de São Paulo, no dia do lançamento de seu livro “Um Preço Muito Alto”, Carl Hart defendeu suas ideias durante uma hora e respondeu a perguntas da plateia. Sua obra começa com o relato de quando viu o pai, que abusava do álcool, dar uma martelada na cabeça da sua mãe. “Não havia crack na vida da nossa família. Essa droga só surgiria na década de 1980, e eu nasci em 1966. Tampouco havia cocaína em pó ou heroína. Mas o álcool decididamente fazia parte daquele caos”, explica Carl em sua publicação. O álcool, uma droga legalizada. Segundo Hart, descriminalizar as drogas que são hoje ilícitas não causaria danos piores do que os que já são percebidos nas sociedades ao redor do mundo atualmente. Muito pelo contrário, poderia contribuir para que houvesse mais igualdade social e educação nos países.
Ele acredita que as drogas não são responsáveis pela violência urbana: têm apenas o papel de “bode expiatório” de governos que não se comprometem com políticas sociais para combater a desigualdade social e garantir acessos e oportunidades a seus cidadãos mais carentes. Para ele, “o crack é o menor dos problemas na cracolândia (termo abominado por ele, aliás, por estigmatizar determinado grupo de pessoas)”. Ao compararmos o uso de crack nos anos 1980 e 1990 nos EUA e hoje no Brasil, vemos que na época os norte-americanos encaravam a droga como a causa dos problemas enfrentados pelos usuários negros. “Depois de duas décadas, ficou claro que o uso de crack era mero sintoma de problemas maiores como dificuldades econômicas, falta de oportunidade e de educação. O Brasil está repetindo os erros dos EUA.”
Vício
Por meio de experimentos em laboratório, Hart chegou à conclusão de que quando são oferecidas apenas drogas a cobaias, elas se viciam e chegam até a morrer por causa do consumo excessivo. No entanto, quando lhes são oferecidas outras opções — uma roda de exercícios ou uma parceiro sexual receptivo, no caso dos animais, e dinheiro, quando o experimento foi ampliado a seres humanos — elas não escolhem sempre usar as drogas, muitas vezes preferem as outras opções. Desse modo, o professor sugere que há como usar substâncias como crack, cocaína e maconha sem se viciar. “A população precisa entender que apenas 20% das pessoas que consomem drogas precisam de tratamento.” Ao ser questionado pelo doutor Drauzio Varella como separar o vício do uso de drogas, Hart responde, arrancando risos da plateia: “Os últimos três presidentes dos EUA admitiram ser usuários de drogas. Nenhum deles era viciado”.
O doutor Drauzio também aborda a questão do vício em drogas e sua relação com o ambiente em que o indivíduo está inserido. “Deixe-me contar uma experiência. Trabalhei nos últimos anos em uma prisão feminina. Não há mais crack nas prisões. Depois que as detentas chegam da rua, sem ter contato com a droga, ficam dois ou três dias agitadas, mas depois se esquecem completamente do uso. Não acredito que cocaína (que tem a mesma composição do crack, diferindo dele apenas na forma) seja muito viciante. A droga mais viciante é a nicotina.”
Para Carl, mitificar o vício em substâncias ilícitas contribui para que as sociedades adotem medidas extremas e ineficientes contra elas. Criminalizar as drogas só faz com que as pessoas com menos oportunidades ocupem a maioria das prisões. “Delitos relacionados a drogas são a principal razão pela qual pessoas são presas nos EUA”, diz Carl. “O mais importante sobre essas drogas é que elas têm componentes poderosos, que devem ser tratados com respeito. Como automóveis, por exemplo: sabemos que podemos matar pessoas com eles e sabemos como manter as pessoas salvas deles. É assim também com as drogas.”
E como controlar o uso dessas substâncias tão poderosas? Além da descriminalização das drogas que são consideradas hoje ilícitas, Hart defende a importância da educação. E dá o exemplo que segue em casa. Quando perguntado sobre a educação que dá aos três filhos, o professor responde: “Espero que eles façam o bem para a sociedade, que sejam a voz para os pobres, o que significa que eles devem ir bem nos estudos. Se algo interferir nisso, eles terão um problema comigo. Se dirigirem muito rápido, se fizerem sexo desprotegido, se usarem drogas de uma maneira que atrapalhe seu desempenho na escola, aí sim eles terão problema comigo”.