Angioedema hereditário (AEH) provoca edemas e inchaços no corpo do portador e, por ser doença pouco conhecida, muitas vezes leva a diagnósticos equivocados.
Imagine acordar um dia com os lábios tão inchados que seu rosto assume um aspecto desfigurado. Ou então ficar com os pés com edemas a ponto de você não conseguir andar. Ao procurar um pronto-socorro achando que pode estar com alergia a um medicamento ou alimento, você recebe altas doses de antialérgicos, corticoides e epinefrina que não alteram o quadro clínico. Após alguns dias, o inchaço persiste, mas você não sente dor. Quem passa por isso tem risco de ter uma doença pouco conhecida chamada angioedema hereditário (AEH).
O organismo do portador dessa enfermidade rara não possui uma proteína específica denominada inibidor de C1-esterase. Todos nascemos com a proteína, que ajuda a regular diversas reações do organismo, inclusive as inflamatórias. Nos portadores de AEH, as reações inflamatórias acontecem sem interrupção justamente porque o organismo não tem o inibidor do sistema inflamatório e libera no sangue, de maneira descontrolada, uma substância chamada bradicinina, que ocasiona os edemas. Com isso, as crises podem durar em média até 5 dias, dependendo de cada indivíduo. A pessoa não apresenta febre, somente uma mudança de temperatura no local do inchaço, que fica mais quente por causa do próprio edema.
Doença rara
A médica especialista em alergia e imunologia dra. Anete Grumach explica que a prevalência do angioedema hereditário na população é de 1 para cada 50 mil indivíduos, portanto a doença é rara. Ainda assim, segundo o censo da Associação Brasileira de Portadores de Angioedema Hereditário (Abranghe), já foram cadastradas no Brasil 845 pessoas com a enfermidade. Um indivíduo com AEH tem 50% de probabilidade de transmitir a doença a um filho. “O inchaço pode ocorrer nos tecidos subcutâneos das mãos, dos pés, da face e dos órgãos genitais, bem como nas mucosas do trato gastrintestinal, da laringe e de outros órgãos internos, como por exemplo, o intestino”, diz a médica.
O edema abdominal causa bastante dor e na grande maioria das vezes é diagnosticado como apendicite ou até mesmo verminose. “Muitos pacientes vão para a mesa de cirurgia como se tivessem apendicite. Os médicos abrem [o abdômen] e não encontram nada, somente um inchaço. Fizemos uma pesquisa com os portadores e aproximadamente 6% foram submetidos a cirurgias desnecessárias”, explica Grumach.
Foi o que aconteceu com Raquel de Oliveira Martins, presidente da Abranghe. Ela costumava dar entrada nos hospitais com fortes dores abdominais e os médicos sempre lhe receitavam remédio para tratar verminose. Às vezes a doença se manifestava por meio de edemas nas mãos e no rosto, que surgiam sem motivo e eram diagnosticados como processo alérgico de causa desconhecida. Levou alguns anos até que, finalmente, em 1973, um especialista do Hospital das Clínicas de São Paulo descobriu o que ela de fato tinha.
Crises são desencadeadas por gatilhos
Atividades que tenham algum impacto físico, como, por exemplo, praticar exercícios, ir ao dentista ou tomar um sorvete, podem ser “perigosos” para um portador de angioedema hereditário. Isso porque as crises têm desencadeantes variados, que vão desde a um trauma físico, estresse, infecções até tensão pré-menstrual (TPM). “É preciso evitar tomar sorvete para não agredir a garganta, por conta das crises que podem acometer a região da laringe. Se isso acontecer, o risco de morrer asfixiado é enorme”, relata Raquel.
Uma das filhas de Raquel, Renata, também tem AEH. Ainda assim, apesar dos cuidados que a doença exige, ela conta que é possível levar a vida normalmente. “Minha filha apresentou os primeiros sintomas aos 5 anos de idade, mas isso não a impediu de seguir em frente. Ela nunca faltou à escola por causa da doença. Na época, ela gostava muito de jogar vôlei, então sempre tinha inchaço nos pés e nas mãos depois dos jogos. Hoje ela faz até caminhada, mesmo sabendo que os pés ficarão inchados no fim. Já até correu uma maratona. Mas não reclama e não deixa de fazer o que gosta por causa disso. Existem medicamentos que controlam e aliviam as crises, mas ainda assim, não é possível evitá-las”, revela Raquel.
Apesar do AEH não ter cura, é possível controlá-lo. O tratamento inicial é preventivo. Pode-se, por exemplo, estimular a produção da proteína com hormônios para evitar o surgimento do inchaço. Já nas crises é possível controlar a dor abdominal e/ou diminuir o risco de asfixia com um medicamento que inibe a ação da bradicinina e age rapidamente para evitar os inchaços. Outro medicamento atua repondo a proteína inibidor de C1-esterase, mas ambos são produtos de alto custo.