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SHUa: conheça os principais sintomas dessa síndrome ultrarrara que afeta os rins
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Doença ultrarrara, a SHUa afeta o sistema complemento, podendo causar danos irreversíveis aos rins e gerar complicações graves.
A SHUa (Síndrome Hemolítico-Urêmica Atípica) é uma doença ultrarrara e grave, de origem genética, que afeta de duas a cinco pessoas a cada 1 milhão no mundo¹. Ela é caracterizada por disfunções no sistema imunológico, especialmente na via do complemento, que normalmente atua na eliminação de microrganismos e células danificadas do corpo. Na SHUa, ocorre uma ativação desregulada desse sistema, fazendo com que ele ataque as células saudáveis do organismo, em vez de se limitar aos patógenos invasores.
Embora a síndrome possa se manifestar em qualquer idade¹, ela é mais comum em crianças e jovens adultos. Além de estar associada a questões genéticas, a SHUa pode ser desencadeada por gatilhos como gravidez, infecções, traumas cirúrgicos e uso de medicamentos⁷. O sistema complemento funciona como um alarme: quando detecta algo errado, como um microrganismo invasor ou uma célula danificada, ele é ativado para proteger o corpo. Quando está em funcionamento adequado, o complemento elimina células mortas, ataca os invasores e controla as inflamações.
Na SHUa, a desregulação do sistema complemento causa danos na parede de microvasos, levando a interrupção do fluxo de sangue para órgãos como os rins¹, o que resulta em sintomas agudos repentinos.
Sintomas da SHUa
A SHUa é caracterizada pela MAT (microangiopatia trombótica) que se manifesta através da seguinte tríade: lesão de órgão alvo (principalmente o rim), anemia hemolítica (destruição de glóbulos vermelhos) e redução de plaquetas¹. Os sintomas iniciais não são específicos e podem ser confundidos com outras doenças.
“A microangiopatia trombótica é uma síndrome com várias possíveis etiologias caracterizada por formação de trombos em pequenos vasos do organismo causando lesões isquêmicas de órgãos. A SHUa, uma das possíveis causas, é uma doença grave que deve ser pensada quando há combinação de anemia microangiopática com redução das plaquetas e alteração da função renal”, elucida a dra. Silvana Miranda, nefrologista da Santa Casa de Belo Horizonte.
Além disso, a doença pode comprometer outros órgãos do corpo¹, com pacientes apresentando sinais de envolvimento no sistema nervoso central (48%), no sistema cardiovascular (43%) e no sistema gastrintestinal.
Por isso, é necessário que os profissionais que trabalham em emergência ou em pronto-socorros estejam atentos e considerem a SHUa ao ver pacientes com sintomas como pressão alta, dificuldade para urinar, cansaço extremo, inchaço e piora do estado de saúde de forma repentina. A identificação rápida da microangiopatia trombótica (MAT) é essencial para evitar complicações graves, como falência renal ou necessidade de diálise.
Veja também: Conheça a SHUa, doença ultrarrara que pode afetar duas a cada 1 milhão de pessoas – DrauzioCast #223
Diagnóstico tardio impacta o prognóstico da Shua
Um dos maiores obstáculos para pacientes com SHUa é o diagnóstico, pois não existe um exame específico para identificá-la. O seu diagnóstico é clínico e se faz através da combinação de sinais clínicos e resultado de exames laboratoriais². Em alguns casos, o histórico familiar do paciente também é importante².
Segundo o relatório do COMDORA, 76% dos diagnósticos³ de SHUa analisados foram realizados apenas após o primeiro episódio agudo da doença, caracterizado pelo surgimento de microangiopatias trombóticas (MAT)⁸. Esse dado reforça a necessidade de maior conscientização sobre a síndrome entre profissionais de saúde para que o diagnóstico precoce seja possível, evitando a progressão de danos irreversíveis e complicações graves²⁻⁷.
Conscientização também é parte do tratamento
Cerca de 50% dos pacientes com SHUa podem precisar de diálise, mas em muitos casos, a condição pode ser revertida. Isso reforça a importância⁴⁻⁶ de estar atento aos sinais iniciais, tanto para os médicos quanto para os pacientes, garantindo um diagnóstico rápido e o acompanhamento médico adequado.
Essa rapidez no diagnóstico pode evitar complicações graves, como a necessidade de diálise ou transplante renal⁴. Vale destacar que, se a doença não for detectada, ela pode reaparecer após o transplante, já que o defeito no sistema imunológico continua presente.
Novas diretrizes para o tratamento da SHUa
Embora não exista ainda um protocolo definitivo para o tratamento da SHUa e nem uma linha de cuidado, diretrizes e recomendações internacionais já estão em vigor. No Brasil, a Dra. Silvana explica que o Comitê de Doenças Raras Brasileiro publicou recentemente uma diretriz nacional sobre a doença. “Ela vai fornecer aos médicos informações essenciais sobre como suspeitar da doença, realizar o diagnóstico diferencial, solicitar exames e tratar o paciente adequadamente.”
O tratamento da SHUa envolve imunobiológicos que impedem a progressão da doença e podem, em muitos casos, controlar a doença. Por ser uma condição genética, o tratamento é contínuo, mas com o manejo⁵ adequado, os pacientes podem ter uma chance de recuperação significativa, incluindo a recuperação da função renal e com o acompanhamento contínuo, cuidado com a saúde mental, bons hábitos e atividade física, é possível ter uma boa qualidade de vida e voltar a ter uma vida plenamente normal.
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Jornada do paciente e possibilidade de recuperação
No Brasil, mais de 13 milhões de pessoas³ convivem com doenças raras, enfrentando obstáculos que vão desde o diagnóstico até o acesso a tratamentos adequados. Quem convive com a SHUa enfrenta o mesmo cenário: é uma jornada desafiadora, principalmente porque o tratamento deve ser adaptado às necessidades individuais de cada paciente.
Além disso, o processo de diagnóstico é único, uma vez que os gatilhos que desencadeiam a doença podem variar. É por isso que o diagnóstico correto envolve consultas com diversos médicos, mas a paciência e a persistência valem a pena. Com o acompanhamento adequado, é possível estabilizar a doença, melhorar a qualidade de vida¹ e evitar que ela volte a se manifestar¹.
“É muito gratificante quando conseguimos tratar um paciente na fase aguda”, comenta dra. Silvana. “Com um diagnóstico preciso, conseguimos ver o paciente melhorar rapidamente. Em menos de 24 horas, as plaquetas começam a subir, e nos dias seguintes os sinais de lesão renal e da hemólise começam a melhorar. A função renal se recupera e possibilita que este paciente saia da terapia dialítica, principalmente quando tratarmos a doença em um período adequado.”
Outro passo essencial para enfrentar essa condição é buscar informações atualizadas e precisas. Existem associações pacientes, como Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves e Raras (AFAG) e Casa Hunter, que oferecem apoio aos pacientes com doenças raras. Nessas organizações, há a conscientização⁶ sobre a doença, a divulgação de informações atualizadas, recursos e orientações, desde o diagnóstico até a manutenção da qualidade de vida, tornando a jornada do paciente mais leve e com mais esperança.
Essas organizações também funcionam como verdadeiras redes de apoio, reunindo pacientes, familiares, médicos e profissionais de diversas áreas. Elas oferecem suporte emocional e técnico, além de lutar por políticas públicas em saúde. Ao conectar pessoas com histórias semelhantes, essas associações fortalecem a comunidade e mostram que, juntos, é possível transformar desafios em conquistas.
Referências bibliográficas:
1. Goodship TH, Cook HT, Fakhouri F, et al. Atypical hemolytic uremic syndrome and C3 glomerulopathy: conclusions from a “Kidney Disease: Improving Global Outcomes” (KDIGO) Controversies Conference. Kidney Int. 2017 Mar;91(3):539-551. Acesso em dezembro de 2024.
2. Arnold D, Patriquin C, Nazy I. Thrombotic microangiopathies: a general approach to diagnosis and management. Canadian Medical Association Journal. 2017. 189 (4):153-159.doi:10.1503/cmaj.160142. Acesso em 11 de dezembro de 2024.
3. Nester CM, Thomas CP. Atypical hemolytic uremic syndrome: what is it, how is it diagnosed, and how is it treated? Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2012;2012:617-25. Acesso em 11 de dezembro de 2024.
4. Kavanagh D, Goodship TH, Richards A. Atypical hemolytic uremic syndrome. Semin Nephrol. 2013 Nov;33(6):508-30.Acesso em 11 de dezembro de 2024.
5. Vaisbich MH. Síndrome Hemolítico-Urêmica na infância. Braz J Nephrol [Internet]. 2014Apr;36(2):208-20. Acesso em 11 de dezembro de 2024.
6. Maximiano C, Silva A, Duro I, et al. Genetic atypical hemolytic uremic syndrome in children: a 20-year experience from a tertiary center. Braz J Nephrol [Internet]. 2 021Jul;43(3):311-7.Acesso em 12 de dezembro de 2024.
7. Raina R, Krishnappa V, Blaha T, Bagga A. Atypical Hemolytic-Uremic Syndrome: An Update on Pathophysiology, Diagnosis, and Treatment. Ther Apher Dial. 2019;23 (1):4-21
8. Baseline characteristics and evolution of Brazilian patients with atypical hemolytic uremic syndrome: first report of the Brazilian aHUS Registry. Clinical Kidney Journal, 2022, vol. 15 no 8,1601-1611.