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Drogas Lícitas e Ilícitas

Qualquer quantidade de álcool faz mal? Entenda por que não existe dose segura

Publicado em 28/02/2025
Revisado em 28/02/2025

Mesmo em pequenas quantidades, o álcool pode trazer danos à saúde, segundo especialistas. Saiba mais!

 

O consumo de álcool é um costume enraizado na cultura humana há milênios. Civilizações antigas, como os celtas e os egípcios, já produziam e consumiam bebidas alcoólicas – inclusive misturadas com alucinógenos. Contudo, cientistas têm alertado, com cada vez mais frequência, sobre os riscos associados a essa ingestão, inclusive em doses pequenas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não há quantidade ou forma segura de beber álcool sem afetar a saúde em algum nível. Pesquisas e governos, como o canadense, também apoiam essa afirmação.  

O consumo de álcool está relacionado a mais de 200 doenças, incluindo enfermidades hepáticas, cardiovasculares, diversos tipos de câncer e danos ao cérebro. Em um estudo observacional com 25 mil pessoas do Reino Unido, publicado em 2021, a Universidade de Oxford mostrou que qualquer quantidade da substância pode afetar a massa cinzenta – parte do órgão do sistema nervoso associada à memória, ao raciocínio e outras funções cognitivas. 

A médica psiquiatra dra. Patricia Hochgraf, coordenadora do Programa da Mulher Dependente Química do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP), explica que o álcool é uma substância que afeta o organismo de maneiras imprevisíveis. Por isso, não há como determinar uma dose segura, já que cada pessoa pode reagir de forma diferente a determinadas quantidades. 

“Vai depender do sexo, da metabolização, de fatores preexistentes, da genética que a pessoa herda. São tantas variáveis envolvidas que, hoje, não temos como prever. Então, o mais seguro é não beber.” 

No entanto, a psiquiatra ressalta que é preciso cautela ao fazer esse tipo de afirmação. “Se dissermos que qualquer quantidade de álcool, em qualquer circunstância, faz mal, corremos o risco de perder credibilidade. Por isso, é essencial a responsabilidade ao abordar o tema. O que sabemos com certeza é que ultrapassar o limite que o corpo suporta faz mal.”

Porém, ela não hesita em afirmar que o álcool é uma das substâncias mais perigosas. “Quando comparado a outras drogas, como heroína ou cocaína, o álcool é mil vezes pior em termos de prejuízos físicos. Só não é pior na overdose porque não é injetável”, diz. “O álcool afeta da ponta do fio de cabelo à ponta do pé”, complementa.

        Veja também: Uso de álcool: o que a ciência sabe

 

Diferença entre homens e mulheres

Um dos exemplos mais graves citados pela psiquiatra é o impacto da substância durante a gravidez. “O álcool é a maior causa prevenível de retardo mental em recém-nascidos. Não sabemos qual é a quantidade mínima que pode causar danos ao feto, então a recomendação é que gestantes não bebam nada.” A síndrome fetal alcoólica, condição causada pelo consumo de álcool durante a gravidez, por exemplo, pode levar a problemas físicos, cognitivos e comportamentais irreversíveis.

A metabolização do álcool também varia significativamente entre homens e mulheres. Isso porque as mulheres têm mais gordura e menos água no corpo, o que faz com que o álcool se dilua menos. Além disso, elas têm uma enzima que metaboliza o composto orgânico de forma menos eficiente do que nos homens. Na prática, isso significa que, para uma mesma quantidade para ambos os sexos, as mulheres tendem a ter mais prejuízos à saúde.

De acordo com a médica, os órgãos das pessoas do sexo feminino também são mais vulneráveis aos efeitos do álcool. “Elas desenvolvem hepatite, cirrose, problemas cardíacos e neurológicos mais cedo e de forma mais grave do que os homens. Acredita-se que isso seja mediado pelos hormônios femininos.”

 

O mito do “beber socialmente”

A ideia de que é possível beber “socialmente” sem ter prejuízos, segundo a ciência, não é verdadeira. Uma pesquisa publicada em agosto de 2024, na “Jama Network”, feita com 135.103 bebedores mais velhos, revelou que mesmo o consumo reduzido estava associado a uma maior mortalidade entre adultos idosos. 

Para a dra. Patricia, o termo é relativo. “O que é beber socialmente? Para um jovem, pode significar encher a cara todo final de semana. Para outros, pode ser uma taça de vinho por dia. Mas não importa a frequência ou a quantidade: o álcool sempre traz riscos. Você pode beber pouco e ainda ter problemas sérios, como acidentes de trânsito, conflitos familiares ou queda no rendimento no trabalho”, afirma.

        Veja também: Uso abusivo de álcool: quais são os sinais de alerta?

 

Álcool e medicamentos: uma combinação perigosa

Muitas vezes, o consumo de álcool é feito ao mesmo tempo em que a pessoa trata alguma condição médica, como depressão ou ansiedade. Medicar um indivíduo que continua bebendo pode ser ineficaz, já que a substância interfere na ação dos remédios e pode até mesmo agravar os sintomas, segundo a especialista. 

“O álcool pode interferir na absorção de remédios, reduzindo sua eficácia. Além disso, ele potencializa os efeitos colaterais de antidepressivos, ansiolíticos e até analgésicos”, complementa a especialista.

 

Pílulas de ressaca funcionam?

Quem toma uma cervejinha e acaba exagerando provavelmente já ouviu falar das “pílulas de ressaca”. No entanto, segundo a comunidade médica, não há comprovação científica de que esses medicamentos realmente funcionem. Inclusive, na bula da mais famosa delas não há qualquer indicativo para tratar os sintomas do consumo excessivo de álcool. “Há algumas formas de amenizar os efeitos [do álcool]. Beber bastante água e intercalar o consumo de álcool com água ajuda a diluir o álcool no organismo, reduzindo seu impacto. Além disso, evitar beber de estômago vazio é essencial, pois o álcool é absorvido mais rapidamente quando não há comida no estômago. No dia seguinte, manter-se hidratado e se alimentar bem também podem ajudar na recuperação.”

        Veja também: Como o álcool e o cigarro afetam o cérebro?

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