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Pediatria

Meu filho tem diabetes tipo 1, e agora?

Publicado em 24/09/2024
Revisado em 24/09/2024

O tratamento do diabetes tipo 1 exige cuidados diários. Conheça orientações para lidar com a condição e apoiar a criança ou o adolescente.

 

O diabetes tipo 1 é uma doença crônica na qual o pâncreas produz pouca ou nenhuma insulina, hormônio responsável por controlar os níveis de açúcar no sangue (glicemia). Sem insulina suficiente, os níveis de glicemia ficam muito elevados. O diagnóstico geralmente acontece na infância ou adolescência, mas também pode ocorrer em adultos jovens. 

Os principais sintomas da doença incluem sede excessiva, aumento da fome, fadiga, perda de peso e aumento da frequência urinária – inclusive, algumas crianças podem começar ou voltar a fazer xixi na cama durante a noite. 

O diabetes tipo 1 representa entre 5% e 10% do total de diagnósticos de diabetes no Brasil e, diferentemente do tipo 2, em que muitos casos podem ser controlados com medicação (além de hábitos saudáveis), o tipo 1 exige aplicações diárias de insulina.

Lidar com o diagnóstico pode ser bastante desafiador tanto para os pacientes quanto para a família, que precisa fazer ajustes em sua rotina e manter um controle muito próximo da doença no dia a dia. 

O Portal Drauzio conversou com Gabriela Carvalho Kraemer, endocrinologista pediátrica do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR), para tirar dúvidas e oferecer orientações aos pais e cuidadores de crianças e adolescentes que convivem com a doença. Acompanhe: 

 

Uso da insulina em casos de diabetes tipo 1

Como o tratamento do diabetes tipo 1 exige aplicações diárias de insulina, a partir do momento do diagnóstico, a família precisa ser orientada sobre esse uso. 

Para saber a quantidade que a criança ou adolescente precisa, primeiro é necessário verificar a glicemia (o que geralmente é feito coletando sangue na ponta do dedo, mas atualmente também existem sensores que podem ser fixados no corpo para medir a glicemia sem a necessidade de picadas). A depender do nível da glicemia e do que o paciente vai comer, é feito um cálculo para chegar à quantidade adequada de insulina.

“Quem faz essa prescrição é o médico endocrinologista pediatra, e normalmente é feita também uma orientação com nutricionista, porque o nutricionista vai orientar essa família sobre quais são os melhores alimentos, os alimentos que vão dar um impacto menor na glicemia, e vai ensinar a fazer a conta de quanto de carboidrato tem em cada alimento. E aí calcular junto com a taxa de glicemia para ver a dose que vai ser aplicada. Então, essas crianças aplicam insulina seis vezes ou mais por dia”, explica a dra. Gabriela. 

A contagem de carboidratos precisa ser feita porque essas biomoléculas têm efeito direto na glicemia, já que, após ingeridas, se transformam em glicose. A especialista diz que os pacientes com diabetes não estão proibidos de comer esse tipo de alimento – como arroz, macarrão, pães, etc. – ,mas é preciso ter o cuidado com a quantidade para evitar alterações fora do esperado nos níveis de glicemia. Por isso, a orientação nutricional também é tão importante no tratamento. 

Em crianças pequenas, normalmente são os pais que vão aplicar a insulina. Mas, à medida que a criança cresce, a médica recomenda que ela seja estimulada a ter autonomia para fazer a aplicação – ressaltando que crianças não têm responsabilidade de fazer os cálculos sozinhas. E, mesmo quando já conseguem aplicar sua própria insulina, é importante que tenham a supervisão de um adulto responsável.

        Veja também: Por que a descoberta da insulina foi revolucionária?

 

Cuidados com a alimentação

A orientação é que a alimentação dos pacientes com diabetes tipo 1 seja sempre o mais saudável possível, priorizando comida caseira, como arroz e feijão, e evitando frituras e produtos industrializados e com muitos conservantes, que geralmente contêm grandes quantidades de gordura e açúcar. 

Na verdade, a médica destaca que as refeições saudáveis devem fazer parte da rotina de toda a família. “A alimentação da criança que tem diabetes deve ser tão saudável quanto a alimentação da criança que não tem diabetes. Não é porque o irmãozinho não tem diabetes que ele está liberado de comer alimentos gordurosos, ricos em açúcar e em conservantes. O ideal é todo mundo comer junto, igual.” 

Porém, uma preocupação que pode ser comum entre os pais dessas crianças é em relação à alimentação em dias de festas na escola, aniversários e datas comemorativas de forma geral, quando normalmente há uma grande oferta de alimentos que elas não podem consumir à vontade. 

“Quando tem uma festinha, uma situação de exceção – porque não é todo dia que a gente tem festinha –, nesses dias, ela vai poder comer um pedaço de bolo, vai poder comer a coxinha, enfim, o que está sendo servido lá, de uma forma planejada. O que é isso? A família vai calcular quanto daquilo que está sendo servido a criança vai comer para planejar a quantidade de insulina que vai aplicar. Então, a diferença é que eles precisam ter esse planejamento”, esclarece a especialista. 

Mesmo com esse planejamento, pode haver dificuldade, principalmente com as crianças pequenas, que às vezes acabam rejeitando o alimento oferecido. “Às vezes a mãe vê o bolo, vê o que a criança vai comer lá, calcula e aplica [a insulina], e a criança não come, não gosta, não quer. E aí já aplicou, e tem que ficar insistindo com a comida. Eu acho que essa é a maior dificuldade que os pais têm com crianças pequenas.”

O problema é que, após aplicada a quantidade de insulina para aquela refeição planejada, se a criança não comer, ela terá um quadro de hipoglicemia (quando a glicose no sangue fica abaixo do normal). A recomendação nesse caso é aplicar apenas metade da dose e, caso a criança coma tudo, aplicar a outra metade.

 

O que fazer em casos de hipoglicemia

A hipoglicemia na criança ou adolescente com diabetes é a glicemia menor que 70mg/dl. O visor do aparelho usado para monitorar as taxas também pode mostrar “LO”, o que significa que o valor está tão baixo que o aparelho não consegue medir. 

Os sintomas mais comuns da hipoglicemia são suor frio, calafrios, visão borrada, palidez e tontura. Porém, às vezes, quando a criança tem diabetes há muitos anos, ela pode não apresentar os sintomas. Por isso, é importante conferir os níveis com frequência.

“A hipoglicemia justamente acontece numa situação como essa que eu dei exemplo anteriormente: é aplicada a insulina e a criança não come o que era para comer, ou porque o cálculo mesmo foi equivocado – aplicou insulina a mais –, ou às vezes acontece também quando a criança se exercita muito, porque o exercício aumenta a ação da insulina, melhora a ação da insulina. Então, uma criança que está em um jogo de futebol, em uma natação, precisa de pequenas pausas para fazer pequenos lanches para evitar a hipoglicemia”, afirma a dra. Gabriela. 

Uma vez detectada a hipoglicemia, é necessário corrigi-la. Essa correção é feita com açúcar: pode ser um copo de água com açúcar ou meio copo de suco (normal, sem ser diet) ou mesmo um refrigerante (também convencional, sem ser diet). “E não corrigir com um chocolate, com bolacha, com sorvete, que são alimentos que junto com açúcar têm muita gordura e a gordura vai retardar a absorção desse açúcar, vai demorar mais para corrigir a hipoglicemia e não é interessante. O interessante é que corrija muito rápido, então precisa ser açúcar mesmo, açúcar branco normal, ou mel, e água, porque o líquido vai absorver mais rápido, e 10 minutinhos depois mede de novo para ver se normalizou”, orienta. 

Se houver perda de consciência ou se a criança estiver vomitando muito, não vai ser possível fazer a correção via oral. Nesse caso, faz-se uso de um medicamento injetável que a família pode aplicar em casa. Em seguida, ela recomenda levar a criança ao pronto atendimento para verificar se ela precisa de soro. 

Já a hiperglicemia é a glicemia maior que 180 mg/dl, e a correção é feita com a insulina. 

        Veja também: Diabetes emocional realmente existe? Entenda

 

Rotina de atividade física

A atividade física é importante para todas as pessoas em qualquer faixa etária. Para quem convive com o diabetes, é uma das medidas que podem auxiliar no tratamento da doença, justamente porque o exercício físico melhora a ação da insulina. 

“Aquela insulina que eu aplico diariamente vai funcionar melhor no paciente mais ativo do que naquele sedentário. E com isso, às vezes até ajuda ele a precisar de doses menores, com doses menores já vai conseguir controlar melhor as suas glicemias”, diz a médica. 

Não existe uma atividade específica que seja mais recomendada para as crianças e adolescentes com diabetes tipo 1. Pode ser caminhada, natação, basquete, capoeira, futebol ou mesmo atividades que possam ser feitas em casa. “Precisa ser algo que seja viável de a criança fazer sempre. Então, se a criança odeia tirar a roupa, não vamos colocá-la na natação. Se a criança não se dá bem com bola, vamos procurar outra atividade [que não seja feita com bola].”

Em resumo, o mais importante é que seja uma atividade que a criança goste e consiga aderir. Em algumas cidades, por exemplo, chove com frequência, então nem sempre será viável uma atividade ao ar livre. Todos esses fatores devem ser levados em consideração.

 

Orientações para escola e pessoas próximas

Segundo a dra. Gabriela, é um direito do aluno que a escola forneça alimentos apropriados ao que ele precisa. Por exemplo, quando a escola serve produtos açucarados, precisa oferecer uma opção sem açúcar à criança com diabetes. 

“Em relação aos cuidados, a escola não é obrigada a aplicar insulina, não é obrigada a saber fazer isso, mas é muito interessante que saiba, até para poder ajudar os pais nessa questão da supervisão. E como tem criança que fica o dia inteiro na escola, ela precisa aplicar insulina na hora do almoço, na hora dos lanches. Se a escola não tem ninguém que possa aplicar, os pais mesmo podem fazer esse treinamento se a escola assim desejar, e se a escola se recusar, a família vai ter que encontrar alguém para ir lá nesse horário para fazer a aplicação”, explica. 

Outro ponto importante é que a escola precisa saber identificar os sintomas da hipoglicemia para poder chamar ajuda, seja do SAMU ou da própria família. “Por mais que a escola não tenha a obrigação de fazer o tratamento medicamentoso, ela está com a criança lá, ela não pode se recusar a fazer matrícula de uma criança com diabetes. É importante quem está em contato direto com a criança saber identificar.”

As orientações sobre o manejo da doença – como aplicação de insulina, alimentação e correção de hipoglicemia – também devem ser repassadas aos familiares e pessoas que convivem com a criança, como avôs e tios. 

        Veja também: Diabetes e qualidade de vida: como é conviver com a doença

 

Como conversar com as crianças sobre o diabetes tipo 1

O diabetes tipo 1 é uma doença crônica, o que significa que precisará de tratamento por toda a vida. Não é fácil lidar com a condição, especialmente em uma idade precoce, quando pode não haver total entendimento do que está acontecendo. Por isso, o apoio da família é importante, inclusive conversando e explicando a doença para a criança ou adolescente.

“É chato ter diabetes, é uma doença chata, porque você não pode esquecer dela. Todas as refeições que você vai fazer, você tem que lembrar dela. Toda vez que vai fazer exercício, você tem que se lembrar dela. Quando vai dormir, antes de dormir tem que ver como é que ela está. Então, é uma doença que pega no seu pé o dia inteiro. O que precisa é realmente uma estrutura familiar de apoio a esses pacientes, um apoio psicológico e esses pacientes precisam, na verdade, de uma equipe multidisciplinar”, afirma a médica. 

A equipe multidisciplinar pode incluir, além de endocrinologista, nutricionista, psicólogo, educador físico para orientar sobre a programação da atividade física e, claro, o próprio pediatra, pois assim com as outras crianças, os pacientes com diabetes precisam tomar vacinas, também têm viroses e outras questões de saúde, e precisam ser acompanhadas regularmente não apenas para acompanhamento do diabetes.

No caso do endocrinologista, a médica diz que as consultas devem acontecer a cada dois ou três meses, no máximo, mas às vezes é necessário um intervalo menor por conta de ajustes no tratamento. 

A equipe de profissionais também é importante para auxiliar os pais sobre como conversar com a criança sobre a doença. “Eu costumo dizer para eles que a insulina é o que faz o nosso corpo conseguir utilizar o alimento que a gente consome. Então, se eu comer e não tiver insulina, aquela comida não vai me dar energia e eu vou ficar sem energia. Eu preciso comer e aplicar insulina, porque antes eu tinha a insulina do próprio corpo e agora não tenho mais. Então, aquele vidrinho, aquela canetinha de insulina é o que vai me dar energia para crescer, para viver, para poder brincar, para poder aprender as coisas na escola, e que o meu corpinho parou de produzir, parou de fabricar e agora tem que receber de fora. Ainda bem que existe, né?”, diz ela. 

Com o controle e o tratamento adequado, as crianças e adolescentes com a doença podem ter qualidade de vida, sair, conviver com amigos e ter momentos de lazer. “Tendo esse cuidado, ele vai às festinhas de aniversário, vai ao teatro, vai aos bailes de 15 anos, vai poder fazer as coisas que as outras pessoas na idade dele fazem. Ele pode ser escoteiro, pode ser um atleta olímpico, um engenheiro, pode casar, ter filhos ou não, se for da sua opção, então ele vai poder viver ver o futuro normal – desde que tome todos esses cuidados, porque quando não toma, as consequências começam a aparecer, como doenças cardíacas, doenças do rim, doenças do olho”, finaliza a dra. Gabriela. 

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