A flexibilidade diminui ao longo do tempo por questões biológicas, mas é possível retardar o processo; entenda.
A flexibilidade é a capacidade de as articulações se moverem com total amplitude e sem dor. Na prática, é a habilidade de estender os braços para alcançar uma caixa em uma prateleira alta, realizar alguma atividade corriqueira do cotidiano, como amarrar o próprio tênis, ou então tocar os dedos dos pés com as mãos. Nesse último caso, basta dar um pulinho na academia para verificar que nem todo mundo consegue fazer isso.
Mas, diferente de outras capacidades físicas, como a força ou o equilíbrio, a flexibilidade diminui com a idade. “Ela funciona quase como um aging clock, um relógio de envelhecimento. Quanto mais novo, mais flexível eu sou, quanto mais velho, menos flexível eu tendo a ser”, explica o médico Cláudio Gil Soares de Araújo, diretor de pesquisa e ensino na Clinimex – Clínica de Medicina do Exercício, no Rio de Janeiro.
Essa perda é natural e está associada a mudanças estruturais nos tendões e articulações, que se tornam menos elásticos com o passar do tempo. Fatores hormonais e comportamentais, como o uso limitado de certas articulações, também podem acelerar o declínio. A boa notícia, contudo, é que exercícios simples podem melhorar a flexibilidade, resultando em benefícios para saúde e para o bem-estar, especialmente para os idosos, que tendem a sofrer mais com a falta de elasticidade.
Importância da flexibilidade para idosos
A redução da flexibilidade, segundo o dr. Araújo, compromete a autonomia do indivíduo, limitando a realização de tarefas simples que antes eram realizadas com facilidade. “A pessoa deixa de fazer ações como lavar as próprias costas, cortar as unhas ou até mesmo puxar o cinto de segurança. Além disso, essa perda impacta a sobrevida, pois sabemos que uma das principais causas de mortalidade em idosos é a queda. Indivíduos mais flexíveis têm mais chances de recuperar o equilíbrio e evitar tombos”, explica o especialista.
De acordo com o Ministério da Saúde, as quedas são a terceira maior causa de mortes entre idosos acima de 65 anos no Brasil. Dados divulgados pelo órgão no início do ano, em reportagem da BBC, revelam que 70.516 idosos no país perderam a vida em decorrência de tombos entre 2013 e 2022. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 28% a 35% das pessoas com 65 anos ou mais caem a cada ano no mundo.
Um estudo liderado pelo dr. Araújo, publicado no “Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports” em agosto deste ano, reforça a ligação entre flexibilidade e longevidade. A pesquisa acompanhou 3 mil pessoas, com idades entre 46 e 65 anos, durante 13 anos, em média. Como resultado, os homens com baixa pontuação apresentaram um risco 1,87 vez maior de mortalidade em comparação àqueles com maior flexibilidade. Para as mulheres, o risco foi ainda mais elevado: 4,78 vezes maior.
Para chegar ao resultado, os participantes foram submetidos ao Flexiteste, um exame que avalia 20 movimentos de sete articulações diferentes, classificando a mobilidade em uma escala de 0 a 4. Nessa escala, 0 indica flexibilidade reduzida, 2 é considerado o padrão para adultos e 4 representa uma mobilidade excepcional.
O estudo também apontou que, em média, as mulheres são 35% mais flexíveis do que os homens. Essa diferença está associada a fatores estruturais e a hormonais. Um exemplo de hormônio associado à flexibilidade é a relaxina, que promove maior distensão da região pélvica, principalmente durante a gravidez, para acomodar o bebê e facilitar o parto.
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Como melhorar a flexibilidade?
A perda de flexibilidade pode ser desacelerada com práticas simples e regulares, de acordo com especialistas e estudos. É possível incorporar exercícios de alongamento e mobilidade à rotina, em casa, durante a prática esportiva ou em ambientes especializados. Veja algumas das recomendações.
Sentado na frente do computador: Para quem passa horas sentado, o dr. Araújo sugere exercícios simples, como inclinar a cabeça em direção ao tórax (encostando o queixo no peito) ou alternar movimentos para os lados, alongando o pescoço.
Deitado: O fisioterapeuta Rafael Macedo, diretor de prevenção do Hospital Cardiológico Costantini, em Curitiba (PA), recomenda exercícios como deitar e abraçar as pernas para alongar a região lombar e os músculos posteriores.
Depois da caminhada: Se a pessoa gosta de caminhar ou correr, segundo o dr. Araújo, vale também dedicar alguns minutos de alongamento após a prática. É uma estratégia eficiente para manter articulações e músculos em bom estado.
Academia: Macedo também fala que exercícios de flexibilidade podem fazer parte da rotina da academia. “Mas uma orientação normalmente dada é que esse exercício não seja realizado imediatamente após a musculação, mas em períodos alternados para que o próprio trofismo trabalhado e a resistência muscular pelo encurtamento induzido pelo trabalho resistido não sejam uma barreira para dificultar a grande flexibilidade de amplitude.”
Ioga e pilates: Essas duas modalidades também são eficazes para ganho de mobilidade, segundo Macedo. Diversos estudos também mostram que as duas práticas são benéficas não só para a flexibilidade, mas também para resistência muscular e equilíbrio, bem como para a saúde mental.
Benefícios para idosos
Manter esses exercícios simples, de acordo com os especialistas, têm impacto positivo na postura e na eficiência dos movimentos corporais. Idosos com boa flexibilidade, por exemplo, tendem a caminhar com mais segurança, subir e descer escadas sem dificuldades e manter uma postura ereta, o que contribui para evitar dores musculares e tensões desnecessárias.
“É importante destacar que os exercícios de flexibilidade e mobilidade oferecem benefícios imediatos. Essa melhora pode ser percebida já durante a execução, com ganhos mensuráveis no momento”, diz Macedo.
Há contraindicações?
De acordo com o dr. Araújo, não há contraindicações para exercícios de flexibilidade, a não ser que a pessoa tenha tido alguma lesão recente, como o rompimento do ligamento do joelho, por exemplo, que pode exigir restrições específicas. Condições como diabetes, hipertensão ou câncer, por exemplo, não representam impedimentos para a prática desse tipo de atividade.
Já Macedo destaca que, para reduzir o risco de possíveis lesões, especialmente em alongamentos realizados com o auxílio de outra pessoa (como no pilates, por exemplo), é essencial que quem conduz a atividade esteja atento aos sinais e limites da pessoa que está sendo alongada. “Às vezes, quem realiza o movimento tem a expectativa de que a pessoa alongada tenha uma amplitude maior do que realmente apresenta, o que pode levar a lesões.”
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