Você já deve ter ouvido alguém falar que as camisinhas oferecidas pelo governo nos postos de saúde não têm a mesma qualidade das que são vendidas em farmácias. Mas será que isso é verdade?
Quando se fala em camisinha de posto, provavelmente vem à sua cabeça a imagem daquele preservativo roxo com os dizeres “Vista-se”. Ou, ainda, a sua versão mais recente, composta por um design preto com botões de ligar aparelhos eletrônicos e a frase: “Se liga. Use”.
Independentemente da embalagem, a camisinha oferecida gratuitamente nos postos do Sistema Único de Saúde (SUS) é a mesma em todo o país. O Ministério da Saúde é um dos maiores compradores de preservativos externos (ou masculinos) do mundo, já que a demanda nacional fica em torno de 1,3 bilhão de unidades por ano.
Ainda assim, há muita desconfiança. Afinal, será que a camisinha do governo é tão boa quanto as das grandes marcas? Adriana Bertini, diretora de Gestão de Projetos do Instituto Barong, ONG voltada para educação sexual, ajuda a responder a essa pergunta.
De onde vem a camisinha do SUS?
No Brasil, a fábrica Natex, localizada no Acre, é responsável pelo abastecimento de preservativos em todos os estados da Região Norte (menos Tocantins), Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. No entanto, ainda que a Natex seja responsável por 20% das camisinhas distribuídas pelo SUS, a maioria vem da importação.
No mundo, as grandes produtoras de preservativo estão localizadas na China, na Índia, na Tailândia e, principalmente, na Malásia. O país tem 70% de sua economia bruta vinda da extração do látex, e uma de suas fábricas, a Karex Bhd, é quem produz uma a cada cinco camisinhas no mundo.
Considerando que as marcas de preservativos mais famosas no Brasil também importam seus produtos desses países, é possível afirmar que, de forma geral, a camisinha ofertada pelo SUS tem a mesma origem daquelas vendidas nas farmácias.
“O preservativo é o mesmo. A única diferença é que ele não tem as variedades de aromas, cores e texturas, porque é muito difícil licitar camisinhas com esses atrativos em grande escala”, explica Adriana.
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Camisinha de posto X camisinha de marca
Em 2019, a PROTESTE, uma associação sem fins lucrativos que ajuda consumidores brasileiros a escolher seus produtos, comparou a camisinha disponível nos postos de saúde com as comercializadas pelas marcas mais famosas. As análises em laboratório chegaram às seguintes conclusões:
- Embalagem: Não há com o que se preocupar, pois a camisinha do SUS protege contra todos os fatores que poderiam estragar o produto, como calor, umidade excessiva e contaminações.
- Resistência: Também há pouquíssimo risco de o preservativo estourar, já que ele respeita os padrões estabelecidos pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa). Para comprovar, a camisinha foi preenchida com ar, como se fosse um balão, e ela se mostrou bastante eficaz no que diz respeito à capacidade volumétrica e à pressão de estouro.
- Rotulagem: Pensando ainda nas informações que devem estar presentes para conhecimento do consumidor, o preservativo do SUS é completo e apresenta todos os dados exigidos.
Tamanho não é documento
A PROTESTE também avaliou a largura e o comprimento do preservativo, uma das principais queixas com relação ao produto. Diferentemente daquelas vendidas em farmácias, a camisinha de posto não possui diversidade de tamanhos. Ela é distribuída em dimensões únicas: 16 cm de comprimento e 52 mm de largura.
Essas dimensões são estipuladas pela legislação nacional, evitando que o produto deslize e respeitando o tamanho médio do pênis dos brasileiros: 14,5 cm, de acordo com a All Sizes Matter. Para Adriana Bertini, a oferta de tamanhos maiores e menores é o que falta no SUS.
“Isso é uma demanda quando você pensa que a população tem iniciado a vida sexual cada vez mais jovem. Além disso, em questão de tamanho, nós não somos um país padronizado”, destaca.
Espessura não atrapalha o prazer
Outra reclamação tem a ver com a espessura da camisinha, que supostamente tiraria a sensibilidade na hora do sexo.
Em comparação com os preservativos de marcas famosas, a camisinha do SUS realmente é mais espessa: ela mede 0,088 mm, enquanto as outras variam entre 0,054 e 0,062 mm. Mesmo assim, ela é fina o suficiente para não diminuir o prazer durante a relação sexual.
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“Se é do SUS, eu não quero”
Mesmo que a comparação mostre que a camisinha do posto não deixa a desejar, nas ruas não é isso o que as pessoas acham. A van-consultório do Instituto Barong é uma unidade itinerante de atendimento em questões sexuais que circula pela cidade de São Paulo com uma equipe multidisciplinar oferecendo camisinhas, testes para ISTs, vacinas, gel lubrificante e orientações importantes sobre prevenção. No dia a dia, os voluntários da van percebem a discriminação.
“As pessoas têm um preconceito muito grande com o que é do SUS. Mas nós temos que defendê-lo sempre. No Brasil, já está estigmatizado que tudo que é de graça não funciona, e nós temos que desmistificar essa ideia sobre o preservativo, porque não é real”, opina Adriana.
Se sentir que a camisinha machuca ou diminui a sensibilidade, o problema pode estar na lubrificação. Nesse sentido, pouca gente sabe, mas o próprio SUS disponibiliza gel lubrificante de forma gratuita em unidades da Rede Municipal Especializada em IST/Aids e também em unidades de saúde que oferecem hormonização para pessoas trans.
O produto serve para diminuir o atrito do ato sexual, o que reduz o risco de microlesões genitais que possam ser porta de entrada para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e aumenta a sensação de prazer.
Além disso, o SUS também oferece camisinhas internas, conhecidas como femininas. Diferentemente da externa (ou masculina), ela é inserida na vagina até 8 horas antes da relação sexual, tem menos risco de sair durante a relação e não precisa ser retirada logo depois da ejaculação. Algumas pessoas com pênis de maior comprimento optam por adaptá-la no lugar da camisinha tradicional. Ambas podem ser adquiridas em qualquer posto de saúde, na quantidade que o indivíduo julgar necessária.
Por fim, há ainda a distribuição de autoteste de HIV, o que facilita o acesso das populações vulneráveis à testagem da IST. São dois tipos: um realizado a partir do fluido oral, e outro a partir de uma picada de sangue no dedo. O passo a passo está na própria bula do produto, mas, se surgirem dúvidas, é possível ligar para o fabricante ou para o Disque Saúde (136).
“As pessoas têm que entender que elas não precisam ser ativistas nem expor suas sorologias, mas conhecer os seus direitos garantidos pelo Estado, os quais, às vezes, não são tão divulgados. Qual é o único jeito de desconstruir estigmas, preconceitos e mitos? Falando da realidade”, finaliza Adriana.
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