Espermatozoides trabalham em conjunto, cada qual com função definida, como um exército de guerreiros disciplinados. Mas foram obrigados a adotar estratégia para vencer barreiras impostas pela anatomia feminina.
Os espermatozoides são muito desiguais. Na escola, aprendemos que, numa ejaculação humana, são expulsos de 200 milhões a 500 milhões deles e que todos nadam alucinados atrás do óvulo: ao vencedor, a glória da fecundação.
Parece que não é tão simples: os espermatozoides trabalham em conjunto, cada qual com uma função definida, como se fossem um exército de guerreiros disciplinados. No curso da evolução, foram obrigados a adotar essa estratégia para vencer as barreiras impostas pela anatomia sexual feminina.
A vagina humana é um lugar inóspito para eles. Sua superfície é forrada por colônias de lactobacilos que secretam ácido para defendê-la dos germes que penetram. O líquido que a lubrifica é rico em enzimas, anticorpos e glóbulos brancos dispostos a destruir invasores: bactérias, vírus, fungos ou células de outra pessoa; espermatozoides, inclusive.
Os poucos espermatozoides que conseguem sobreviver nesse ambiente ácido ainda precisarão vencer muitas barreiras para chegar ao óvulo. A pior, talvez, esteja na entrada do útero.
Na parte inferior, o útero se estreita num canal mais fino, chamado colo ou cérvix. O colo se abre na vagina por um pequeno orifício revestido por glândulas, que produzem um muco espesso para vedá-lo e impedir a entrada de germes.
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Esse muco é empurrado para dentro do útero pelos movimentos delicados de um tapete de microcílios que revestem as paredes do colo. Nesse movimento ciliar, filetes do muco espesso são levados para cima, formando colunas muito próximas umas das outras. Como consequência, para penetrar, o espermatozoide é obrigado a espremer-se nos microcanais deixados entre as hastes de muco. Um espermatozoide mede três micra, e os canais, de três a cinco, na fase de permeabilidade máxima (ovulatória).
O trajeto pelos canais é não só labiríntico como cheio de perigos: ao invadir o muco, os espermatozoides são atacados por legiões de glóbulos brancos hostis, três vezes mais numerosos do que eles.
Na ânsia de escapar dos atacantes e abrir caminho entre os canais, os espermatozoides fazem desabar algumas das hastes de muco, ocluindo passagens e dificultando a penetração dos que vêm atrás na corrida. Estruturalmente, os espermatozoides são verdadeiros mísseis carregados de genes. São formados por uma cabeça, que traz o pacote de genes do pai, e uma cauda para nadar.
No microscópio, parecem todos iguais, mas, se olharmos com atenção, veremos que têm formatos diversos: alguns possuem cabeça pequena e cauda comprida; outros têm cabeça oval, dupla, em forma flecha, de alfinete, de remo e de charuto e a cauda reta, enrolada, dupla, curta, longa, etc., numa combinação infinita de formas.
Em 1980, J. Sivinski publicou, numa obscura revista científica da Flórida, um estudo sobre o papel do esperma na seleção sexual de insetos. Nele, pela primeira vez, surgiu a ideia de que os espermatozoides de um indivíduo competem brutalmente para evitar que o óvulo seja fecundado por espermatozoides alheios. Quatro anos mais tarde, R. Silberglied confirmou a existência dessa competição mortal entre espermatozoides de borboletas.
Em 1988, dois autores americanos, R. Baker e M. Bellis, elaboraram a “hipótese camicase”. Segundo ela, o esperma carrega milhões de espermatozoides prontos a declarar guerra contra os estranhos que encontrarem pelo caminho. Essa vocação bélica do esperma é encontrada em todos os machos do reino animal, sem exceção.
De acordo com a hipótese, existiriam três grandes grupos de espermatozoides em cada ejaculação:
- Pelotão de elite: seleto grupo de nadadores imbatíveis na velocidade. Armazenam a energia necessária para o percurso em corpúsculos situados na cabeça comprida e têm cauda longa e ágil. São poucos: cerca de 1% dos milhões ejaculados;
- Bloqueadores: têm cabeça grande e cauda pequena. Nadam devagar; não são páreo para o pelotão que dispara na frente. Nem vão atrás do óvulo; são “camicases”: ao penetrar os canais do muco uterino, agarram-se às paredes para obstruir a passagem dos que vêm atrás, sejam eles do mesmo macho ou de outro qualquer. A função bloqueadora ocupa cerca de 50% dos espermatozoides;
- Matadores: carregam enzimas tóxicas na cabeça e possuem antenas capazes de detectar e reconhecer espermatozoides estranhos. Quando os encontram, despejam neles suas enzimas mortais. Como os adversários reagem com as mesmas armas, espermas de indivíduos diferentes se envolvem numa luta de vida ou morte. Bons “matadores camicases” foram tão necessários para a sobrevivência das espécies que constituem praticamente a outra metade da população do esperma.
Para complicar, matadores, bloqueadores e nadadores não são todos iguais. Quanto mais árduo o percurso a ser percorrido no trato genital feminino, mais eles se especializam em determinada função a ser exercida num ponto específico do trajeto que conduz ao óvulo.
Disfarçada ou não, a estratégia reprodutiva mais empregada pelas fêmeas no decorrer da evolução das espécies tem sido a de promover a competição entre espermas de indivíduos diferentes. Que vença o mais apto é o que deseja o corpo feminino.
Nós, como todos os animais, somos descendentes de antepassados portadores de espermatozoides guerreiros que venceram incontáveis batalhas. Os perdedores desapareceram da face da Terra, no melhor estilo de competição e seleção natural.