Estados Unidos, sob o governo de Trump, saem da OMS. Veja as consequências na coluna de Mariana Varella.
O atual presidente dos Estados Unidos Donald Trump finalmente conseguiu aquilo que tanto desejava: que o país deixasse a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Um pouco antes do fim do seu primeiro mandato, em 2020, o republicano fez uma tentativa de abandonar a OMS, mas não teve tempo de consolidá-la.
Isso porque o processo de saída de um país da organização de saúde das Nações Unidas (ONU) leva um ano, prazo que permitiu a Joe Biden reverter a decisão do seu antecessor assim que tomou posse, em 2021.
Desta vez, Trump não quis correr riscos e assinou a ordem executiva retirando os EUA da OMS logo no primeiro dia do seu segundo mandato, na segunda-feira (20/1).
O presidente alegou que a OMS realizou uma má gestão durante a pandemia de covid-19 e criticou os gastos excessivos do país com a organização.
De acordo com o decreto, “a OMS continua a exigir pagamentos injustamente onerosos dos Estados Unidos, muito desproporcionais aos pagamentos estimados para outros países. A China tem uma população de 1,4 bilhão de habitantes, três vezes maior que a dos Estados Unidos, mas sua contribuição para a OMS é aproximadamente 90% menor [que a dos EUA]”.
Consequências da saída dos Estados Unidos da OMS
Especialistas em saúde pública de vários países, incluindo o Brasil, alertam para o fato de que a saída dos EUA da OMS trará consequências tanto para o país norte-americano quanto para o resto do mundo.
Para Deisy Ventura, professora titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e vice-diretora do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição (IRI/USP), a saída representa mais que um retrocesso, mas uma ameaça a políticas de saúde já consolidadas e firmadas com base em evidências científicas.
“[A saída dos EUA da OMS] É uma forma de combate às evidências científicas como parâmetro das políticas de saúde”, sustenta.
Há ainda um grave problema para as agências locais de relevância nacional e internacional, como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e o Food and Drug Administration (FDA). Elas não terão mais acesso a dados da OMS, o que compromete a qualidade de suas ações em casos de emergências sanitárias.
Também pode colocar em risco os programas de enfrentamento às doenças infecciosas, já que a OMS reúne dados mundiais de vigilância epidemiológica essenciais para sua execução.
As ações da organização, principalmente relacionadas às respostas a crises sanitárias no mundo todo, também podem ficar comprometidas, pois o dinheiro pago pelos EUA é utilizado, em boa parte, para essas atividades.
Os programas mundiais de HIV e tuberculose devem ser os mais afetados, visto que os EUA são seus maiores financiadores
OMS e EUA
A OMS é uma agência das Nações Unidas, fundada em 1948, para enfrentar os desafios de saúde de seus países-membros.
Os EUA fazem parte da organização desde sua fundação. O único país dos 193 países-membros da ONU que não faz parte da OMS é Liechtenstein.
Todos os países da OMS são obrigados a fazer contribuições ao orçamento da agência, definidas de acordo com sua população e riqueza. Além disso, os países podem fazer doações voluntárias.
Desde o início, os EUA foram um dos maiores doadores voluntários da organização, e sua contribuição teve papel fundamental na gestão de crises sanitárias recentes, como as causadas pelo ebola, zika e covid-19.
O país é responsável por pouco menos de 20% do orçamento da OMS. Em 2024 e 2025, os EUA doaram 6,8 bilhões de dólares à organização, de acordo com o jornal “The New York Times”.
Trump, a extrema-direita e a OMS
Trump tem tecido duras críticas à ONU desde antes de ser eleito presidente pela primeira vez, em 2017. Em 2016, escreveu em seu Twitter (atual X): “A ONU tem um grande potencial, mas agora é apenas um clube de pessoas que se encontram, conversam e se divertem. Como é triste!”.
A OMS também não foi poupada dos ataques de Trump. Durante a pandemia de covid, o republicano chegou inclusive a afirmar que a organização estava muito concentrada nos interesses da China e não se importava com os demais países atingidos pela crise sanitária.
“A retirada da OMS se inscreve em um movimento mais amplo de contestação da cooperação multilateral, especialmente da ONU e suas entidades associadas”, afirma Deisy.
A extrema-direita mundial, cuja figura política mais relevante atualmente é Donald Trump, vê a saúde como uma área que deve ser aproveitada politicamente.
Não à toa, por utilizar uma linguagem complexa e ter potencial de gerar comoção, serviu de palco para a extrema-direita disseminar desinformação durante a pandemia de covid.
Deisy teme que Trump feche acordos com outras instituições que possam alimentar o governo com falsas evidências, gerando deturpações de toda ordem.
Em sua página na internet, a OMS lamentou a saída dos EUA. “Esperamos que os Estados Unidos reconsiderem e esperamos obter um diálogo construtivo para manter a parceria entre os EUA e a OMS, para o benefício da saúde e do bem-estar de milhões de pessoas em todo o mundo”, afirma a entidade.