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Psiquiatria

Saúde mental nas escolas: como os professores podem ajudar seus alunos?

Publicado em 20/10/2023
Revisado em 20/09/2024

Do estigma ao papel governamental, saiba os desafios e estratégias para promover a saúde mental no complexo universo da educação, em que alunos, professores e políticas públicas convergem em busca do equilíbrio emocional.

 

No complexo universo da educação brasileira, a saúde mental emerge como um desafio urgente, um ponto crítico que afeta diretamente o desempenho tanto dos estudantes quanto dos professores. Segundo uma pesquisa conduzida pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em parceria com a organização Itaú Social, a saúde mental figura como a maior dificuldade para 75% das redes de ensino nos últimos anos do ensino fundamental na rede pública do Brasil. Este dado preocupante é acompanhado pela constatação de que a falta de envolvimento familiar, mencionada por 74,1% dos respondentes, adiciona uma camada adicional de complexidade, transformando-se em um significativo obstáculo para a trajetória educacional nos próximos anos.

Os resultados deste estudo emanam de uma extensa análise que envolveu 3.329 dirigentes de ensino em todo o país, abarcando 60% das redes municipais. Apesar da crescente notoriedade do tema da saúde mental nas escolas, a pesquisa revela que 39% das redes municipais de ensino oferecem espaços “somente às vezes” para diálogos e ações relacionadas à saúde mental dos estudantes. 

A dimensão do problema é ampliada quando se observa que, no âmbito do convívio familiar, 31% das redes municipais realizam ações para o fortalecimento da relação entre famílias, escola e comunidade “somente às vezes” ou, em alguns casos, “raramente”.

 

A contribuição da psicologia escolar

De acordo com Cláudia Melo, psicóloga pela Universidade Estácio de Sá e especialista em crianças e adolescentes, os problemas emocionais no ambiente escolar incluem ansiedade, depressão, estresse, baixa autoestima e problemas de relacionamento. Esses problemas podem afetar o desempenho acadêmico e a saúde mental dos alunos.

Para auxiliar os estudantes em momentos difíceis, um psicólogo escolar tem um papel fundamental. “Ele pode ajudar os alunos de várias maneiras, incluindo aconselhamento individual ou em grupo, intervenções em sala de aula e programas de prevenção. O objetivo é ajudar os alunos a lidar com problemas emocionais e comportamentais, melhorar o desempenho acadêmico e desenvolver habilidades sociais”, declara.

Os atendimentos e acompanhamentos psicológicos na escola podem ser realizados individualmente ou em grupo, dependendo das necessidades do estudante, com o profissional podendo trabalhar em sala de aula ou em um ambiente privado. “É importante que se mantenha a confidencialidade do aluno durante esses atendimentos”, explica a profissional.

“O psicólogo escolar pode promover um ambiente escolar saudável por meio de programas de prevenção, intervenções em sala de aula e apoio emocional aos alunos. Além disso, o psicólogo escolar pode trabalhar com professores e administradores para criar políticas e procedimentos que promovam um ambiente seguro e inclusivo para todos os alunos”, conclui.

De acordo com uma análise do “Globo” dos dados do Censo Escolar de 2022, a proporção de psicólogos em escolas é de apenas 0,05% em relação ao número total de estudantes matriculados, o que equivale a menos de 0,1%. Isso significa que existem apenas 24.434 profissionais atuando em escolas para um total de 47,4 milhões de alunos matriculados nos ensinos infantil, fundamental e médio.

        Veja também: Os impactos do racismo na saúde mental das crianças

 

Preparação dos professores para a saúde mental dos alunos

Na difícil batalha por uma melhor saúde mental nas escolas, os professores desempenham um papel crucial na promoção do bem-estar emocional dos estudantes. Simone S. Santos, mestre em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), elenca os principais desafios:

  • Estigma: “O estigma em torno das questões de saúde mental ainda é uma barreira significativa. Muitos alunos sentem vergonha de compartilhar seus problemas emocionais ou de buscar ajuda. Muitas vezes precisamos abordar os alunos disfarçadamente, pedir que nos procurem no horário da aula (com a permissão do professor, é claro), pois muitos alunos sentem vergonha de conversar com a orientadora educacional e com a psicóloga da escola”.
  • Diversidade de necessidades: “Cada aluno é único, e as questões de saúde mental variam amplamente. Alguns lidam com ansiedade, enquanto outros enfrentam depressão, estresse e/ou problemas familiares. É um desafio entender e atender às diferentes necessidades de cada aluno”.
  • Resistência por parte dos pais e responsáveis: “É comum encontrar resistência por parte de alguns pais que relutam em aceitar que seus filhos possam enfrentar problemas emocionais. Essa resistência pode dificultar o acesso ao tratamento necessário, que, em muitos casos, é crucial não apenas para o bem-estar dos estudantes, mas também para melhorar seu desempenho acadêmico”.

Para lidar com tantos obstáculos, Simone adota uma abordagem vigilante, observando constantemente os alunos para detectar mudanças de comportamento que possam indicar problemas pessoais. Segundo ela, essa atenção direcionada permite intervenções proativas.

A professora cita algumas de suas estratégias: escuta ativa dos alunos, criação de ambiente de apoio e encaminhamento para apoio especializado em casos de maior seriedade. “Trabalho em estreita colaboração com os pais ou responsáveis dos alunos para garantir que eles recebam o apoio necessário fora da escola”, completa.

Quanto à relevância da saúde mental na prática pedagógica, Simone afirma que ela é de suma importância para o processo de aprendizagem dos alunos, assim como a falta dela prejudica o estudante em todas as áreas de sua vida.  “Entendo que o bem-estar emocional dos estudantes desempenha um papel crucial no seu desempenho acadêmico e no seu desenvolvimento como um todo. Alunos que estão emocionalmente equilibrados são mais propensos a se engajar nas aulas, aprender de forma eficaz e estabelecer relacionamentos saudáveis com seus colegas e professores”.

 

O papel do governo

Nas adversidades que circundam a saúde mental nas instituições educacionais, é preciso compreender as políticas públicas e estratégias que o governo brasileiro tem implementado para enfrentar essa complexa questão. O Ministério da Educação (MEC) cita algumas abaixo:

  • O Programa Saúde na Escola (PSE), desenvolvido em colaboração com os Ministérios da Educação e da Saúde, emerge como uma peça-chave nesse quebra-cabeça. O PSE opera por meio de ações estratégicas de prevenção, promoção e atenção à saúde integral dos alunos das redes públicas de educação básica. Sob os princípios da intersetorialidade, territorialidade e integralidade, o programa busca articular experiências da educação básica e da atenção básica, envolvendo todos os níveis de gestão.
  • A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também desempenha um papel fundamental ao integrar a saúde emocional como um tema contemporâneo. A BNCC visa desenvolver competências que contribuem para uma sociedade solidária, igualitária e empática, reconhecendo a importância do autoconhecimento e do cuidado com a saúde física e emocional.
  • Além disso, a implementação da Lei nº 13.935/2019 destaca-se, obrigando os sistemas de ensino a contratarem psicólogos e assistentes sociais para integrar as equipes multiprofissionais das escolas.

Além das políticas públicas, o MEC informou à reportagem por nota oficial que a formação de professores também é abordada, com investimentos direcionados ao curso “Aperfeiçoamento em Bem-estar no Contexto Escolar”, disponível na plataforma Avamec. Essa iniciativa visa capacitar os profissionais da educação para lidarem de maneira mais eficaz com as questões relacionadas à saúde mental no ambiente escolar.

No Programa Saúde na Escola (PSE), que prevê visitas periódicas e permanentes das equipes de saúde da família às escolas participantes, há uma avaliação das condições de saúde dos educandos e que oferece atendimento ao longo do ano letivo. 

Além disso, a portaria GM/MS nº 635, de 22 de maio de 2023, institui um incentivo financeiro federal para as equipes multiprofissionais na Atenção Primária à Saúde (eMult), alinhando-se às diretrizes do PSE. 

Perguntado quanto a ações específicas para promover um ambiente escolar saudável e acolhedor, o MEC cita a “Política de Saúde Mental”, coordenada pelo próprio Ministério. O programa é voltado para estratégias e diretrizes para a organização da assistência às pessoas com necessidades específicas em saúde mental.

Sobre aos desafios significativos que o problema traz, especialmente na integração entre as práticas da educação básica e da atenção básica, o Ministério da Educação informou que o diálogo intersetorial entre os setores do “Programa Saúde na Escola” seja fundamental, mas enfrenta desafios relacionados à hierarquização no Sistema Único de Saúde (SUS) e à autonomia das escolas.

        Veja também: Negligência é a forma de violência mais comum contra crianças e adolescentes

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