Levantamento revela perfil da população autista no Brasil e orienta políticas públicas de saúde e educação.
O Censo Demográfico de 2022 revelou que 2,4 milhões de brasileiros receberam diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA), o que corresponde a 1,2% da população.
Baseados em relatos de diagnósticos feitos por profissionais de saúde, esses dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), juntamente com informações sobre a população com algum tipo de deficiência. Os levantamentos estão detalhados por sexo, cor ou raça, faixa etária e escolaridade, abrangendo todo o Brasil.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o TEA engloba um conjunto de condições que envolvem diferentes níveis de comprometimento na interação social, na comunicação e na linguagem. Geralmente, também é marcado por interesses restritos e comportamentos repetitivos, que variam de pessoa para pessoa.
“Temos observado um aumento progressivo nas taxas de diagnóstico de autismo nos últimos 20 anos. Isso se deve a um maior conhecimento sobre o transtorno, disponibilidade de recursos, preocupação crescente com a saúde mental e melhor acesso aos serviços. Além disso, o conceito de autismo foi ampliado, incluindo pessoas com sintomas mais sutis que antes não seriam diagnosticadas”, explica Joana Portolese, doutora em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Ambulatório de Autismo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo (IPq/HC-FMUSP).
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O que o Censo 2022 identificou sobre o autismo no Brasil?
Em relação ao gênero, os homens correspondem à maioria dos diagnósticos de autismo, com 1,4 milhão de casos, contra 1 milhão entre as mulheres. Eles também predominam nas faixas etárias de 0 a 44 anos.
A distribuição regional dos diagnósticos de TEA mostra que o Sudeste concentra o maior número absoluto, com pouco mais de 1 milhão de pessoas. Em seguida, aparecem o Nordeste, com 633 mil casos; o Sul, com 348,4 mil; o Norte, com 202 mil; e o Centro-Oeste, que apresenta o menor número, com 180 mil diagnósticos.
Apesar do aumento nos números, a especialista ressalta que ainda não é possível afirmar se houve um crescimento real no número de pessoas com autismo.
“Não temos essa informação de forma conclusiva. Alguns estudos indicam aumento, outros não apresentam evidências claras. Além disso, existem questões metodológicas envolvidas. Por isso, não podemos falar em uma epidemia de autismo. As taxas subiram, mas é importante lembrar que, no passado, poucas pessoas eram reconhecidas como autistas ou com transtornos relacionados”, explica.
Outros dados revelados:
- A faixa etária com maior prevalência de autismo é a de 5 a 9 anos, com 2,6%;
- A taxa de escolarização da população com autismo é de 36,9%, superior aos 24,3% observados na população geral;
- Entre os homens com autismo, 44,2% estão estudando, em comparação a 24,7% da população masculina total;
- Entre as mulheres, a escolarização é de 26,9% para as que têm autismo, e 24% para a população feminina geral.
Análise por cor ou raça:
- O maior percentual de pessoas com autismo foi registrado entre os que se declaram brancos, com 1,3%, equivalente a 1,1 milhão de pessoas;
- Entre os indígenas, a prevalência é a menor, com 0,9% (11,4 mil pessoas), subindo para 1% ao incluir pessoas de outra cor ou raça que se identificam como indígenas;
- Entre os amarelos, 1,2% foram diagnosticados, totalizando 10,3 mil pessoas;
- Nos grupos pretos e pardos, a prevalência foi igual, com 1,1% em cada um, o que corresponde a cerca de 221,7 mil pessoas pretas e 1,1 milhão de pardas com diagnóstico de TEA.
Censo e as políticas públicas para pessoas com TEA
Ao trazer pela primeira vez dados sobre o TEA, o Censo 2022 se torna uma ferramenta para orientar políticas públicas mais inclusivas e eficazes. Com informações detalhadas por idade, sexo, raça/cor e localização, os dados permitem mapear demandas, planejar serviços de saúde e educação, distribuir recursos de forma mais equitativa e desenvolver programas sociais voltados à inclusão.
Além disso, servem de base para pesquisas, elaboração de leis e monitoramento de desigualdades, contribuindo para garantir os direitos e melhorar a qualidade de vida das pessoas autistas em diferentes regiões do país.
De acordo com a dra. Joana, atualmente, grande parte da população ainda enfrenta dificuldades para acessar serviços adequados de saúde mental.
“No passado, muitas crianças com desenvolvimento atípico não eram reconhecidas e, frequentemente, ficavam fora da escola e de espaços de inclusão. Esse cenário tem mudado: hoje, há maior visibilidade para essas crianças, mais oportunidades educacionais e um número crescente de profissionais capacitados, fatores que favorecem o aumento dos diagnósticos”, afirma.
Em relação às políticas públicas eficazes voltadas ao autismo, a especialista destaca a importância de adotar uma abordagem inclusiva e integrada, que envolva saúde, educação, assistência social e os direitos da pessoa com deficiência.
“É preciso ampliar os serviços, qualificar profissionais para diagnóstico e intervenção precoce, garantir continuidade no cuidado e promover a inclusão escolar e social. Também é essencial combater o estigma, apoiar as famílias e incentivar a colaboração entre setores, assegurando acesso, participação e aprendizagem com equidade e qualidade para as pessoas com autismo”, conclui.
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