Sociedade dos primatas – Parte 1 – Outras Histórias #70 - Portal Drauzio Varella
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Sociedade dos primatas – Parte 1 – Outras Histórias #70

O comportamento social dos primatas diz muito sobre nós, seres humanos. Nos próximos episódios do Outras Histórias, o dr. Drauzio vai mostrar que somos mais parecidos do que imaginamos.
Publicado em 19/10/2022
Revisado em 29/11/2022

O comportamento social dos primatas diz muito sobre nós, seres humanos. Nos próximos episódios do Outras Histórias, o dr. Drauzio vai mostrar que somos mais parecidos do que imaginamos.

 

 

 

Os primatas são um grupo constituído por orangotangos, gorilas, chimpanzés, bonobos e nós, os seres humanos. Em mais de 3,5 bilhões de anos de vida na Terra, eles representam menos de 1 minuto da linha do tempo da evolução histórica. E há mais diferenças genéticas entre as espécies de besouros do que entre os primatas.

Tais semelhanças não ficam só nas características físicas, mas no comportamento social. Nos próximos episódios do Outras Histórias, vamos entender como a competição e a seleção natural estão presente em toda a sociedade dos primatas.

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Anos atrás, eu fiquei curioso a respeito dos estudos que os primatologistas publicavam. Os primatologistas são cientistas que estudam os primatas, de um modo geral, sob vários aspectos. E aí a Folha de S.Paulo me convidou pra abrir uma coleção chamada Publifolha, em que a gente explicava vários temas. E eu escrevi o primeiro livrinho dessa publicação a respeito dos grandes primatas. Os grandes primatas, quem são? São os orangotangos, os gorilas, os chimpanzés, os bonobos e nós, seres humanos. E, aí, nós vamos aproveitar essas nossas conversas, aqui no Outras Histórias, pra fazer, assim, um resumo geral do comportamento dos grandes primatas e de que maneira eles nos ajudam a entender as raízes biológicas do comportamento humano.

Olá, eu sou Drauzio Varella, e aqui você vai ouvir Outras Histórias.

Olha, a vida na Terra começou há 3,5 bilhões de anos. E ela começou, assim, e foi sofrendo uma diversidade absurda no decorrer desse tempo todo e levou até os leões, mosquitos, as bactérias, as algas, os pinheiros e dezenas de milhões de outras espécies.

Agora, veja o caso dos dinossauros, por exemplo. Os dinossauros dominaram a Terra por mais de 200 milhões de anos e, de repente, assim, num piscar de olhos, desapareceram. E desapareceram por quê? Porque caiu um meteoro na península de Yucatã, no México. O impacto foi tão violento que levantou uma poeira que escureceu os céus, e os vulcões entraram em erupção pelo planeta inteiro. E os dinossauros desapareceram por causa dessas alterações provocadas no clima.

Os mamíferos já existiam nessa época. Só que não dá pra você ser mamífero e conviver com esses brutamontes na vizinhança. Então, os mamíferos eram pequenos roedores que ficavam em tocas, escondidos o dia inteiro, e saíam à noite atrás de comida. Eram como uns ratos, talvez menores até do que os ratos de hoje.

E, aí, depois de acontecer essa tragédia na vida dos dinossauros, o rio da vida foi seguindo em frente, indiferente à sorte daqueles animais que tinham desaparecido, e chegou até nós. Hoje nós temos mais ou menos uns 30 milhões de espécies, isso corresponde a 1% das três bilhões de espécies que já existiram. Vou repetir: o cálculo é que existiram na Terra três bilhões de espécies, e elas foram sendo extintas em várias ondas de extinção e sobraram 30 milhões, que são as que povoam o nosso planeta hoje.

E, aí, se você pensar do ponto de vista evolutivo, um segundo atrás, que, na verdade, são cinco a seis milhões de anos – imagina a Terra tem 3,5 bilhões, né –, mas de cinco a seis milhões de anos, há uma fração de um minuto evolucionário, na África, surgiu um primata diferente dos macacos comuns. Era grande e ele não tinha rabo. Esse ancestral teve cinco descendentes: orangotango, o gorila, seres humanos, chimpanzé e bonobos. Muito bem.

O primeiro a nascer, o mais velho de todos, o primeiro a aparecer foi há 12 milhões de anos, o orangotango. O orangotango surgiu na Terra há 12 milhões de anos. Depois, veio quem? O gorila. O gorila é o King Kong, aquele bem típico do King Kong. O gorila tem oito milhões de anos. Depois, sabe quem veio? O homem. O homem veio há cinco milhões de anos. E, depois do homem, vieram chimpanzés e os bonobos, três milhões de anos. Então, essa coisa que as pessoas que pensam : “Não, a evolução foi vindo das bactérias e não sei que, até dar o homem, que é o pináculo da evolução, né”. Bobagem. As bactérias tão aí até hoje, foram as primeiras que apareceram, bilhões de anos atrás, tão aí até hoje. E, depois do homem, ainda veio o chimpanzé e veio o bonobo, isso na nossa família íntima, assim, a família mais próxima, não é. Muito bem.

Os chimpanzés e os bonobos são tão próximos do homem que, se um besouro olhar pro chimpanzé e pra gente, vai achar que a única diferença é a roupa que a gente usa. Porque há mais de 300 mil espécies de besouro. Veja só mais de 300 mil. Os cientistas calculam que deva haver mais de um milhão de espécies de besouros, com tamanhos, cores diferentes, formato do corpo, mas a gente olha e fala: “Ah, é um besouro”. Pra nós, é tudo igual. Na verdade, há muito mais diferenças genéticas entre várias espécies de besouros do que entre nós e os chimpanzés e os bonobos, por exemplo, que temos aí 98%, 99% de identidade genética, não é.

Nesse rio que a vida veio seguindo, se nós usássemos pros grandes primatas o mesmo critério que a gente usa pra classificar os pássaros, na verdade, nós e os outros grandes primatas pertenceríamos ao mesmo gênero, ao gênero Pan, como os chimpanzés.

É lógico que essas diferenças genéticas não se referem apenas à aparência física, não é. Nós desenvolvemos características que os outros não têm, como, por exemplo, a capacidade de utilizar instrumentos, de nos comunicarmos através da linguagem, resolver problemas de causa e efeito, de transmitir conhecimentos de uma geração pra outra, e criamos as condições para o aparecimento de uma cultura. Não que a cultura não exista nos outros grandes primatas, não exista em outras espécies, mas nenhuma delas tem a elaboração, a sofisticação da nossa cultura, capaz de fazer sinfonias, pintar quadros maravilhosos e desenvolver computadores, não é.

Por essa razão, nos últimos 30 anos, um dos campos da etologia, que é esse ramo da ciência que estuda o comportamento animal, que mais se desenvolveu foi justamente esse dos grandes primatas. Os trabalhos publicados mostram mais semelhanças entre o homem e seus parentes mais próximos do que diferenças. O uso da política como estratégia pra manter o poder, os ataques mortais que uma comunidade lança contra a outra na disputa de território, o canibalismo, os infanticídios, encontrados entre os chimpanzés, não são muito diferentes dessas práticas adotadas por seres humanos em situações variadas.

Da mesma forma, a energia com que um gorila macho defende as fêmeas do seu harém, que uma fêmea de orangotango, por exemplo, luta com todas as forças pra não ser estuprada não é tão diferente das atitudes que nós temos em nossa sociedade, em várias sociedades humanas, não é.

Olha, à luz da evolução, se orangotangos, gorilas, homens, chimpanzés e bonobos descendem de um ancestral tão próximo, a análise criteriosa do comportamento dessas espécies pode desvendar muitos segredos dos nossos ancestrais.

Nos próximos podcasts, nós vamos falar das principais características do comportamento social dos quatro grandes primatas. Vamos mostrar pra vocês, por exemplo, que os orangotangos, que são aqueles avermelhados, que vivem nas árvores, têm cores violeta, assim, próximo da boca, assim, no pescoço, que são grandes, têm uma vida arbórea completamente e são animais solitários, que ficam sozinhos. As fêmeas se interessam pelos machos grandes e fortes, que são aqueles capazes de assegurar à prole maior chance de sobrevivência e, por isso, eles passam pros descendentes essas qualidades. Normalmente, um macho orangotango pesa 80, 90 quilos, e a fêmea, 40 quilos.

Vamos ver também que, embora subam em árvores, os gorilas foram os primeiros primatas terrestres. Eles vivem na África, especialmente ali nas regiões mais montanhosas da África Central. Ali, eles vivem em pequenas tropas, chefiadas por um macho muito forte, que pode chegar a pesar 200 quilos ou perto desse peso, e um harém de fêmeas, que ficam aí com metade do peso deles no máximo. Eles vivem com quatro ou cinco fêmeas e os filhotes dessas relações conjugais. A convivência entre os gorilas, nós vamos ver que é pacífica nesses pequenos domínios, não é, mas, quando se aproxima um outro macho, aí você tem lutas muito ferozes entre os machos dominantes, até que um deles perde a briga e se retira, e continua o macho tomando conta do seu harém. Não falta comida pra eles, porque eles são vegetarianos e tem comida farta nesse lugar, não é. Os gorilas provocam infanticídio, eles matam os filhos e, quando eles dominam o harém de um competidor, a primeira providência é matar os filhotes, e as fêmeas, aí, passarão a engravidar desse novo macho, e ele dessa forma consegue passar os genes dele pra frente.

Ao contrário dessas pequenas tropas dos gorilas, nós vamos ver também que os chimpanzés formam comunidades de dezenas de indivíduos. Num grupo tão grande, a força física perde a importância porque um macho só não vai conseguir resistir à pressão do grupo inteiro. Então, os chimpanzés são os primeiros grandes políticos dos grandes primatas. Quem domina não é o mais forte, mas é aquele que conseguiu formar a maior coalizão. E, através desse domínio da coalizão, ele ocupa a posição de macho alfa. Tem um livro do Frans de Waal, chamado A Política dos Chimpanzés, e eles mostram, por exemplo, que, quando morre o macho alfa, o macho dominante, ou ele fica fraco e que vai haver a disputa da posição dele, é frequente ver um dos candidatos subir numa árvore cheia de frutas, frutas que são apreciadas pelo bando todo, e jogar lá de cima essas frutas, distribuir as frutas. E esse comportamento, ele só faz enquanto é candidato, se ele virar o chefe da turma, nunca mais ele vai distribuir frutas pra todos.

E, quando você pega os bonobos, os bonobos são muito parecidos com os chimpanzés, mas na comunidade bonobos não é o macho que manda, é a fêmea. É uma comunidade de matriarcas. As coalizões femininas são tão fortes que são elas que dominam porque os machos são desunidos. O jogo do poder fica mais sutil, menos dependente da força bruta, né. E, como parte desse jogo de poder, os bonobos desenvolveram estratégias sexuais de alta complexidade, muito mais próximas das estratégias sexuais humanas.

Nesses podcasts, nós vamos falar sobre o comportamento social de orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos. E, por analogia, vamos chamar a atenção para a importância dos mecanismos de competição e seleção natural na gênese do seu comportamento, do meu, do comportamento humano de um modo geral.

Semanalmente estarei aqui para contar Outras Histórias. A trilha sonora foi feita pela In Sonoris e a produção é da Júpiter – Conteúdo em Movimento.

Veja também: A cultura dos chimpanzés | Artigo

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